A aprovação do Projeto de Lei nº 2.162/2023, que ficou conhecido como PL da Dosimetria, na Câmara dos Deputados foi um tapa na cara da sociedade, no sentido literal da frase. Com a premissa de diminuir as penas para os condenados de invasão e depredação às sedes do Supremo Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e Congresso Nacional, ocorrido em 8 de janeiro de 2023, o projeto de lei também  visa beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e generais condenados pela trama golpista. 

Porém, a decisão dos parlamentares, sob um discurso pífio de pacificação do país, demonstra mais uma vez como a hipocrisia está enraizada em solo brasiliense. Os mesmos que se dizem contra criminosos estão se movimentando para absolver pessoas condenadas. Aquelas que passaram por todas as etapas do crivo judicial e que foram julgadas diante de provas contundentes dos seus objetivos pessoais de darem um golpe no Estado, onde fracassaram. Ainda escuto gente falando que, se foi tentativa, não teve golpe e, se não houve golpe, não houve crime. O fato de tentar é grave, pois, se esses tivessem se mantido no Poder, possivelmente esse texto não estaria sendo redigido para essa edição. 

A impressão que passa diante de toda essa várzea é que o crime compensa no Brasil, mas se tiver boas condições financeiras, claro. Não ache que essa defesa se amplia para pessoas que, diversos fatores, são presas injustamente. Nesse caso, o discurso não entra. Só que, agora, veio à tona um fato que os nossos “representantes” sequer prestaram atenção – o que mostra que os nossos deputados andam muito relapsos às suas atribuições. 

O PL da Dosimetria aprovada no Congresso fez algumas alterações na Lei de Execuções Penais e derrubou 1/3 a quase pela metade o tempo de permanência dos chefes de facções criminosas nos presídios. Com isso, caso seja aprovado pelo Senado da forma em que está atualmente, o projeto pode beneficiar, além dos criminosos citados anteriormente, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e André de Oliveira Macedo, o André do Rap, entre outros. 

Mas como isso é possível? Eu te explico: o atual texto reduz o tempo do cumprimento de pena em regime fechado antes da progressão para o semiaberto. A Dosimetria teve 291 votos favoráveis e 148 contrários. Grande parte, inclusive, se vangloriava que terem votado em no Projeto de Lei Antifacção com regras tidas como “duríssimas” para os líderes de facções criminosas. Mas não para por aí. Essa quantidade de parlamentares não perceberam outras incongruências no projeto.

No novo texto, a progressão de pena pode acontecer em 1/6  da pena ante 1/4 que era previsto anteriormente. Além disso, a Dosimetria estabelece 25% o tempo de regime fechada para se obter o semiaberto para quem comete o crime com grave ameaça ou violência, desde que seja contra a vida ou patrimônio. O projeto, entretanto, não fala em crimes contra a fé pública, administração e saúde públicas e sexuais. A Lei de Execução Penal não fazia essa distinção. Com isso, o projeto ainda beneficia abusadores sexuais. 

A Lei de Execuções Penais previa 70% do cumprimento da pena em regime fechado para, após esse tempo, ser concedida a progressão de pena. Entretanto, na Dosimetria, se o crime hediondo tiver resultado morte, somente 50% da pena deverá ser em regime fechado. A outra metade pode ser no regime semiaberto. 

As alterações são válidas para aqueles que exercem o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para crime hediondo; se o apenado foi condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada, e se o preso for condenado por feminicídio e se for primário. Neste caso, será necessário cumprir 55% da pena. 

Os 75% previstos na Lei Antifacção eram válidos em todas as situações descritas anteriormente, com um agravante: em caso da pessoa cometer um crime hediondo com resultado morte ou se fosse condenado por feminicídio, sendo réu primário, ele não poderia ter liberdade condicional. Ou seja, teria de cumprir a pena de maneira integral.

A Dosimetria, tida como o projeto que trará paz para o Brasil, não levou em consideração crimes de corrupção, que são previstos no Título XI do Código Penal. Como não são hediondos, eles não foram incluídos nas exceções do texto. Na prática, a mudança permitiria que condenados por crimes contra a administração pública progridam após cumprir 1/6 da pena

A lacuna também está aberta em crimes ambientais, que não foram incluídos nas exceções do texto. Tipificado na Lei 9.605/1988, a Dosimetria não cria qualquer ressalva específica para esse tipo de delito e nem faz a diferenciação entre pequenos crimes e grandes danos ao meio ambiente. Desse modo, a regra de progressão se aplica de maneira mais rápida. 

Para tentar reverter a situação que tende a ser catastrófica, o Senado quer fazer atualizações na proposta para evitar que condenados por esses crimes não sejam beneficiados e que foquem apenas nos golpistas e adjacentes. A expectativa é ajustar para restringir o alcance da nova regra e deixar explícito quais crimes ficam de fora da redução antes da proposta seguir para votação em plenário. 

Mas o certo era esse projeto nem existir. O projeto reforça a frase que o Brasil tudo termina em pizza. Inclusive, vangloriando quem atenta contra à democracia do pais. O PL da Dosimetria está servindo para beneficiar um grupo político e caminha para um grave desequilíbrio jurídico do país. Inclusive, com criminosos de alta periculosidade retornando à liberdade antes do tempo. E isso pode ser ofertado pelos mesmos que dizem buscar um país seguro. Como diria o meme: ‘Enfim, a hipocrisia!”.

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