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Condenado por corrupção mostra que não perdeu o ânimo para continuar sendo a eminência parda (e branca e preta e colorida) do partido

José Dirceu deixa a prisão | Foto: Marcelo Casal/ ABr

Quanto tem­po um ou outro petista de re­le­vância vai demorar para aceitar novamente a influência de José Dirceu nas formulações do partido, como sempre o­correu desde o início do PT, em 1980? Sim, porque neste mo­mento, há ainda alguma resistência à liderança do ex-ministro na sigla. Afinal, con­sideram que “não pega bem” ter um condenado por corrupção formulando as diretrizes petistas. Mas, até quando essa resistência?

Essa é questão que se coloca no mo­mento, vis­to que o “capitão do ti­me”, como dizia Lu­la da Silva, deixou de ver o sol nascer quadrado ao ganhar liberdade provisória, o que na prática lhe possibilita algum poder de comunicação com os companheiros.

Que José Dirceu de Oliveira e Silva é um líder nato não há dúvida. Foi forjado no combate ao regime militar, inicialmente militando no Partido Comunista Brasileiro (PCB), depois como fundador do PT, do qual se tornou o grande formulador — não por acaso, foi secretário de Formação Política (1981-83), secretário-geral do diretório nacional (1987-93) e presidente nacional por quatro vezes. Nessa trajetória, Dirceu atuou com denodo pelo seu ideal de tornar o Brasil uma grande Cuba.

Com o PT no poder e no mandato de deputado federal, foi nomeado por Lula ministro-chefe da Casa Civil. Seria o quadro petista a suceder o ex-metalúrgico como candidato à Presidência da República, mas os crimes do mensalão o derrubaram do cargo e do mandato e lhe mandaram ao banco dos réus, onde foi condenado — depois, mais crimes no petrolão lhe deram novas penas. Até cair, José Dirceu foi desde sempre o formulador do petismo. É essa condição que ele pretende retomar já, logo, mesmo com alguma restrição à sua liberdade.

Na quinta-feira, 4, menos de 24 horas após deixar a Justiça Federal, em Curitiba, o ex-ministro da Casa Civil deu mostras da sua índole de liderança. Em São Paulo, num café da manhã com os filhos Joana e o deputado Zeca Dirceu e o amigo jornalista Breno Altman, Dirceu falou muito sobre o PT, o governo Temer, o ex-presidente Lula e o PSDB. “Temos de nos preparar para a guerra política”, avisou ele, conforme reportagem do Estadão.

A tornozeleira eletrônica que agora terá de carregar parece não incomodar tanto o “guerreiro” petista. Consta que o ex-ministro não reclamou do artefato, dizendo já ter se acostumado com a estrovenga agarrada à perna.
Conforme a reportagem, o ex-presidente do PT afirmou que o partido precisa mudar rapidamente, atrair a juventude e os movimentos sociais, apresentar um novo projeto e ir para o “enfrentamento” contra o presidente Michel Temer e o PSDB, na tentativa de eleger Lula — igualmente, réu da Lava Jato — ao Palácio do Planalto.

José Dirceu é criador da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), a facção majoritária no PT, a qual ele comandou com mão de ferro até o início dos anos 2000. Hoje, anota a matéria, Dirceu faz duras críticas à CNB, que, avalia, se burocratizou na estrutura de poder partidário e necessita de outro programa.

Antes da parada em São Paulo, de onde seguiu para Brasília (local em que irá cumprir a prisão domiciliar), o ex-ministro passou na casa do advogado Daniel Godoy, em Curitiba, onde conversou com amigos de longa data.
José Dirceu recebeu e fez vários telefonemas. Um para a família, em Brasília, outro, para cumprimentar José Genoino, o ex-presidente do PT que na quarta-feira completou 71 anos, a mesma idade dele. O Estadão lembra que Genoino chegou a ser condenado no processo do mensalão, foi preso como Dirceu, mas teve sua pena extinta pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O ex-presidente do PT discorreu sobre o que chama de “fracasso do governo Temer”, disse que a “direita” rompeu o pacto constitucional de 1988 que permitiu a redemocratização do País. “Deram o golpe para impedir Lula de ser candidato”, fantasiou ele, se esquecendo dos desatinos cometidos pela ex-presidente Dilma Rousseff na condução do País e que causaram o impeachment.

Registra o Estadão que José Dirceu, condenado a 32 anos e um mês de prisão, em duas ações penais da Lava Jato, ganhou habeas corpus do Supremo na quarta-feira, 3. Contou ter “sido bem tratado na cadeia e revelou o medo – praticamente uma certeza — de não ficar muito tempo em liberdade. Foi o único momento em que pareceu se emocionar.”

Se voltar à cadeia, pelo jeito, menos que a privação da liberdade, parece que o que mais entristece José Dirceu será o adiamento do plano de continuar “formulando” as estratégias para o seu partido. A não ser, claro, que o faça de dentro da cadeia.

Carta
José Dirceu já tinha adiantado suas falas em carta escrita de dentro do Complexo Médico-Penal, em Pinhais, no Paraná, antes de ter a prisão revogada pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O texto (de 14 páginas) foi mandado para companheiros petistas e amigos na terça-feira, 2. O jornal “O Estado de S. Paulo” teve acesso à missiva.

Além de críticas ao processo político que resultou em sua prisão, e ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF) e ao juiz Sergio Moro, Dirceu classifica o governo Michel Temer e a mídia como “golpistas” e especula sobre as eleições presidenciais de 2018. “Darão outro golpe, condenarão e prenderão Lula? Serão capazes dessa violência e ilegalidade? Veremos.”

Ele também “formula” para o PT. Segundo ele, “nada será como antes” e o partido não voltará a cometer os mesmos erros. “Seguramente, voltaremos com um giro à esquerda para fazer as reformas que não fizemos na renda, riqueza, poder, a tributária, a bancária, a urbana e a política.”

Dirceu ainda qualifica o impeachment de Dilma Rousseff como um “golpe” e defendeu a aprovação da lei de abuso de autoridade e a rejeição às dez medidas contra a corrupção sugeridas pelo MPF.
A carta de José Dirceu escrita de dentro da cadeia não agradou a todos os petistas. A coluna Radar, de Veja, registrou que alguns correligionários do ex-ministro acreditam que, ao dar pitacos sobre os rumos do partido e a candidatura de Lula no ano que vem, ele empurrou a imagem do PT para dentro de sua cela.

Esses petistas (mais lúcidos? mais realistas sobre os prováveis estragos em relação à campanha eleitoral em 2018?) acreditam que a carta dá margem para os adversários dizerem que, mesmo preso, ele ainda tem voz de comando nas decisões mais importantes do PT.

A avaliação é que o ilustre condenado por corrupção perdeu uma ótima oportunidade de ficar quieto. “Hoje, a maior ajuda que Dirceu pode dar à legenda é permanecer distante dos assuntos partidários”, diz a nota.