Confiantes de que a ciência salva

11 outubro 2020 às 00h00

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Alvos de ataques e fake news, cientistas que atuam no enfrentamento à Covid-19 retomam confiança dos brasileiros
Não há dúvidas de que a notícia mais esperada atualmente é descoberta da cura da Covid-19. E a certeza de que a solução para pandemia do coronavírus virá de um cientista já é quase unanimidade entre os brasileiros.
A pandemia do coronavírus, que já levou mais de 150 mil vidas no País, reforçou a crença na ciência. A maioria de nós agora confia que a solução virá de laboratórios e pesquisas. Levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela essa confiança depositada nos cientistas: 97,3% acreditam que a ciência encontrará a cura. Apenas 2,6% não confiam que a notícia da cura será dada por um cientista.
O resultado da pesquisa parece tão óbvio. De onde mais poderíamos esperar que a solução para essa pandemia viesse? Mas na verdade a constatação de que confiamos que a ciência salva é para comemorar. Basta relembrarmos que a partir do registro dos primeiros casos da Covid19 no Brasil, as respostas de parte das autoridades políticas eram descoladas da realidade e pareciam ignorar as instruções médicas baseadas em fatos científicos. De maneira mais intensa entre os meses de maio e junho, os cientistas tiveram suas posições e pesquisas fortemente questionadas, enquanto se registrava à ascensão da desinformação e das fake news. Foi nesse cenário que a ciência foi colocada em descrédito frente a um negacionismo.
Há quem ainda se recorda dos ataques sofridos pelo Biólogo, pesquisador e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG ) Thiago Rangel. Ele se tornou alvo após apresentar pesquisa sobre o avanço da Covid-19 e a necessidade do isolamento social para evitar o colapso hospitalar no Estado. Os insultos e declarações dadas nas redes sociais sobre o seu trabalho tinham clara intenção combativa aos argumentos científicos que tinham finalidade de minimizar os impactos do coronavírus – demonstração explícita da descrença na ciência.
Depois de ataques, fake news, negacionismo e descrédito da ciência, há sim que se celebrar a retomada na confiança. “Esses grandes eventos mais traumáticos acabam por reforçar a importância da ciência. As pessoas estão vendo os tratamentos médicos melhorando nos hospitais e isso resulta na redução de óbitos. Também é perceptível o esforço histórico para resolver um único problema”, pontua o professor Thiago Rangel, que se mostra animado com a confiança da população na ciência, mesmo depois de ter sido vítima de ataques motivados por suas pesquisas.
Medo e confiança
Os impactos e toda crise gerada pela pandemia do coronavírus gera um medo natural nas pessoas. É daí que vem a confiança nos cientistas e nas informações por eles produzidas. Provável que nem na propaganda Iluminista a ciência tenha sido tema tão recorrente quanto agora. Essa exposição gerou a valorização dos cientistas, profissionais médicos e todo material de conhecimento produzido por eles em meio a pandemia.
A pesquisa da Fiocruz também revelou que o alerta social para os riscos da doença permitiram que instituições ganhassem maior credibilidade. isso se observa com maior intensidade entre entidades ligadas à pesquisa científica e órgãos governamentais de saúde, as instituições de imprensa e os médicos e profissionais da área de saúde.
Entre as fontes buscadas por aqueles que têm o hábito de checar as informações relacionadas a eventual novo tratamento ou medicamento para a Covid-19 é grande a procura em ambientes informacionais virtuais: 65,7% para os sites institucionais, principalmente os vinculados à pesquisa científica no campo da saúde, assim como em sites de órgãos governamentais, como o site do Ministério da Saúde. A imprensa profissional (18%) também surge espontaneamente como instituição buscada para a verificação de informações. Os médicos e profissionais da área de saúde são também procurados, assim como publicações e artigos médico-científicos (10,1%).
Há confiança, mas falta compreensão
“Não há uma educação científica boa o suficiente. A população acredita mais no trabalho da ciência, mas compreende menos como o trabalho funciona”, aponta o professor Thiago Rangel.
O pensamento do pesquisador é baseado na ansiedade da população pela vacina, deixando a margem questionamentos sobre o processo científico na busca por uma cura confiável. Já se passaram dez meses desde que o vírus Sars-CoV-2 foi identificado e nesse período a descoberta da vacina é a notícia mais esperada, mas não se pode esperar algo de forma instantânea. Trata-se de um quebra-cabeça que que os cientistas tentam montar peça por peça, seguindo as etapas que garantam a segurança. Aos poucos as descobertas científicas fornecem peças ao quebra-cabeça.
Essa montagem está em ritmo acelerado. Há uma corrida com 28 vacinas em etapa clínica (sendo testados em humanos). Seis estão na fase três, a mais avançada. Mas é preciso compreender que ainda há muitas perguntas sem respostas: qual o grau da imunidade? Qual a duração dos efeitos da vacina? Quais grupos teriam prioridade das doses? Há possibilidade de reinfecção? Essas são algumas das questões que seguem incógnitas e que o processo pelas respostas precisam ser compreendida pela comunidade.
“As pessoas ainda querem um resultado imediatista, mas é preciso compreender que a ciência é mais perguntas do que respostas. O conhecimento sempre evolui”, diz Thiago Rangel.