Na Câmara Municipal de Goiânia, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga irregularidades na administração da Companhia Municipal de Urbanização (Comurg) foi esvaziada após a nomeação de indicados para cargos na prefeitura. Em nível nacional, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia livra políticos dos crimes eleitorais cometidos entre 2015 e 2022. Existe um fator comum a estes fatos: a preparação de um terreno conciliatório para 2024. 

No nível municipal, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) empregou parentes e membros dos gabinetes dos vereadores não apenas para aplacar as críticas à sua gestão, mas também para compor uma base para o pleito de 2024. O prefeito já começou a se aproximar do MDB, o maior partido da Câmara, por exemplo. O saldo foi o cancelamento da sessão da Cei na quarta-feira por falta de quórum. 

Para mencionar apenas alguns vereadores beneficiados com indicações: Thialu Guiotti (Avante), relator da CEI, indicou o chefe de gabinete Danilo Rabelo para a Secretaria de Esportes. Paulo Henrique da Farmácia (Agir) indicou o próprio pai para a Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia. Igor Franco (Solidariedade), líder do bloco Avante, indicou o irmão para a Secretaria de Desenvolvimento e Economia Criativa. Welton Lemos (Podemos) indicou a esposa e Gabriela Rodart (PTB) a irmã, mas essas últimas nomeações já foram desfeitas. 

A participação do Legislativo nos governos é normal; ocorre em todas as esferas. O que chama a atenção em Goiânia é a despreocupação em aparentar uma diretriz maior do que a mera articulação político-eleitoral. Após a nomeação, o relator da CEI, Thialu Guiotti, mudou de postura e passou a dissociar o prefeito do caso, responsabilizando apenas a gestão da Comurg. Por outro lado, o vereador da base que não foi contemplado, Welton Lemos, agora insiste pela continuidade da CEI que investigava a prefeitura. Sandes Júnior (PP), que já foi líder do prefeito na Câmara, nesta semana protestou na tribuna por ter sido preterido: “não me queiram aqui reclamando todo dia”.

No nível federal, legisladores aprovaram na CCJ o perdão às infrações das leis eleitorais que eles próprios estabeleceram com o objetivo de não arcarem com as punições previstas. Descumprimento das cotas raciais e de gênero, gasto irregular do fundo eleitoral, não prestação das contas de campanhas, propagandas irregulares ou abusivas – tudo deixado para lá. 

184 deputados federais assinaram, sendo sete goianos: Adriana Accorsi do PT, Célio Silveira do MDB, Gustavo Gayer do PL, Ismael Alexandrino do PSD, Magda Mofatto do PL, Marussa Boldrin do MDB e Rubens Ottoni do PT. Com a eliminação de possíveis punições aos partidos que descumpriram regras, a PEC, se aprovada, terá impacto direto nas eleições municipais de 2024. 

Tanto no caso do esvaziamento da CEI da Comurg quanto no caso do indulto auto expedido, chama a atenção a queda da farsa política. O teatro das paixões ideológicas, dos inimigos e das alianças, tudo dá espaço ao benefício corporativista. Ambos casos também estão alinhados com o espírito do tempo, no sentido de que pretendem apagar a história. Perdoar todas as sanções e as acusações trocadas. O rigor de ontem dá uma trégua para as eleições de agora, e amanhã afetaremos nova retidão. 

A mensagem que fica é de flexibilidade moral. No caso da PEC da anistia, se diz que a Justiça Eleitoral não importa e que seus tribunais são inúteis, porque qualquer violação futura poderá ser desfeita via emenda à Constituição. No caso da conciliação Câmara-Paço, se diz que os problemas da cidade não importam, são apenas pretexto para oposição ou situação – termos fictícios, pois podem ser desfeitos com o afago adequado.