Como chegamos ao PT sem esquerda, ao centrão no comando e à diluição da direita
24 setembro 2023 às 00h01
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Em artigo publicado na Revista Piaui, o filósofo e cientista social Marcos Nobre traça a história evolutiva do centrão para descrever como esse grupo político deixou de ser coadjuvante no Congresso e passou a comandar políticas de estado. O artigo, intitulado “O Centrão Sem Medo e a encruzilhada do PT”, se detém no nível federal, mas a lógica pode ser estendida às outras esferas de poder.
Segundo Marcos Nobre, no governo Temer (MDB), o centrão esteve pela primeira vez no poder. Anteriormente, um partido político (PT ou PSDB) ganhava as eleições e liderava uma coalizão de partidos então chamados de “fisiologistas”, que precisavam se subordinar às pautas e agendas do mandatário de turno. Esses partidos oscilavam de acordo com o governo para fazer parte do poder, com menos emendas e mais comando dos cargos de segundo escalão do que acontece hoje.
Desde o governo Temer, entretanto, esses partidos cuja ideologia balança segundo os ventos do populismo passaram a governar de fato. Não há mais um partido que organiza a coalizão e outro partido que lidera a oposição. Desde 2016, o PSDB é um partido como qualquer outro, e o UB (histórico oposicionista ao PT desde DEM e PFL) faz parte deste novo centrão ao lado de fisiologistas. Na prática, o que mudou é que o centrão não quer mais apenas cargos e verbas – quer governar.
O centrão leva para o governo sua característica principal: a flexibilidade moral. Se anteriormente o grupo não se importava com a ideologia do governo com quem compunha, ele agora não se importa em relativizar a democracia para governar. A fluidez atingiu também o interior dos próprios partidos, que passaram a ser na realidade um colegiado de partidos. Dentro das siglas, há políticos que lideram políticos; há grupelhos e interesses diversos.
Apesar de possui ministérios, o UB e PP não formam uma base no Congresso, de modo que seus votos em matérias caras ao governo devem ser negociados caso a caso. Esse tipo de articulação suprapartidária, fora dos partidos, se iniciou na presidência da Câmara de Eduardo Cunha e foi aprofundada sob Rodrigo Maia (então UB mas hoje PSDB) e Arthur Lira (PP).
Marcos Nobre chega até aqui, mas seu artigo deixa perguntas. Se a oposição do PSDB se diluiu, faz sentido que o PT continue sendo um partido vanguardista? Se o UB perdeu sua posição conservadora e passou a integrar ministérios no governo de Lula da Silva, é possível que o PT continue investindo no progressismo de esquerda?
É natural supor que não. Fará mais sentido para a própria sobrevivência petista que o partido se torne mais moderado, menos de esquerda, mais… centrão. Afinal, o PT agora tem de lidar com forças contraditórias dentro do próprio governo. Tem de lidar com os ministros Fufuca (PP), Sílvio Costa Filho (Republicanos) e Juscelino Filho (UB). Como ser da esquerda progressista nessa circunstância? A única alternativa é escolher suas lutas e liberar emendas quando chegar a hora de votar pautas estratégicas.
É uma má notícia para PCdoB, PSOL e outros partidos que foram aliados históricos do PT. Mas também é um indício de que Lula da Silva tem uma base muito mais à esquerda do que seu próprio governo. Na disputa por política econômica, a decisão de tomar políticas de esquerda (intervencionismo estatal, investimentos públicos no social, etc) será defendida com muito mais esforço do que o costumeiro. O governo, de agora em diante, vai enfrentar ameaças de colapso fiscal vindos de dentro de sua própria estrutura.
Toda essa descrição tem o objetivo de definir o progressismo institucional. É importante lembrar que há algo que não foi descrito nas linhas acima. No Brasil, Bolsonaro; nos EUA, Trump; na Argentina, Milei; na Espanha, o Vox. Todos esses representantes da extrema direita oferecem suas alianças ao centro e às direitas tradicionais. O espaço para a terceira via que reinou nos anos 1990 com Tony Blair, Bill Clinton e Schroeder e que foi prometida em 2022 com Simone Tebet (MDB) – esse espaço acabou.