Em plena crise de saúde, pesquisas feitas no calor do embate com Sergio Moro mostram que o presidente mantém a fidelidade de parte significativa dos brasileiros

Mesmo com popularidade abalada, Bolsonaro mantém base de apoio | Foto: Agência Brasil

Os números, quando torturados, contam o que quisermos ouvir. Mas não é preciso ser um carrasco da estatística ou um pistoleiro da matemática para entender os sinais dados pelas mais recentes pesquisas de opinião pública divulgadas no Brasil: o presidente Jair Bolsonaro está, sim, ferido, mas ainda tem muita força. Com duas semanas de desgaste profundo, com bombardeio incessante da imprensa e dos adversários nas redes sociais, o capitão ainda tem uma tropa de respeito ao seu lado.

Vejamos a última pesquisa Datafolha – um dos institutos mais malhados pelos bolsonarista –, divulgada na segunda-feira, 27. Portanto, em peno epicentro do abalo sísmico provocado pelo pedido de demissão pelo ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro, justamente o mais popular entre os ocupantes do Ministério.

Para 45% dos mais de 1,5 mil entrevistados, Bolsonaro tem condições de ocupar o cargo de presidente da República. Ele é considerado bom ou ótimo por 33% dos brasileiros, enquanto 50% não desejam sua renúncia e 48% são contrários à abertura do processo de impeachment pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia – o número de pedidos de impedimento do presidente está na casa das três dezenas.

Copo meio cheio

Pode-se argumentar que essa é uma visão de quem está vendo o copo cheio. Afinal, 38% desaprovam seu governo (soma de ruim e péssimo), 46% dos entrevistados querem sua renúncia e 45% querem o início do processo de impeachment no Congresso. Pelos números, nota-se que a população está, literalmente, dividida em relação ao presidente.

Mas é de se considerar que o levantamento do Datafolha foi feito no calor dos fatos. Desde a sexta-feira, 25 de abril, quando Moro pediu para sair e saiu atirando, Bolsonaro foi alvo de uma série de péssimas notícias, envolvendo os filhos, sempre metidos em confusão, e a tentativa de nomeação do novo diretor da Polícia Federal – cargo que seria dado a um amigo da família, Alexandre Ramagem, que já foi fotografado em uma balada com o 03, Carlos Bolsonaro.

Como diz o próprio presidente, e daí, não é mesmo? Para o ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a coisa não pareceu tão banal. Por considerar que a nomeação feriria princípios basilares, como o da impessoalidade, a barro liminarmente. Com determinação de Bolsonaro para a Advocacia Geral de a União recorrer.

Atlas político

Outra sondagem recente foi realizada pelo Atlas Político, no dia 26 (posterior, portanto, à pesquisa do Datafolha). Nele, 30% dos entrevistados disseram que aprovam o desempenho de Bolsonaro na Presidência, pouco menos da metade dos que aprovam (64%). Sobre o governo, 20% aprovam e 49% desaprovam. Nesse levantamento, 54% querem o impeachment, enquanto 36% não.

Os números do Atlas Político são piores que os do Datafolha para o presidente. A comparação entre ambos não é possível, porque são institutos e metodologias diferentes. Vários fatores podem influenciar os resultados entre eles, como a formulação da pergunta, o método de coleta, a amostragem social e demográfica etc. Uma hipótese é a de que, por ser mais atual, a pesquisa do Atlas pode ter captado uma percepção mais consolidada dos fatos pós-demissão de Moro.

Mas o porcentual de entrevistados que continuam fechados com o presidente é semelhante nas duas pesquisas. O que pode demonstrar que uma parcela dos brasileiros continua fiel ao presidente, passando praticamente ilesa aos desgastes das últimas semanas. Também segue firme o porcentual das pessoas que consideram que ele está lidando bem com a pandemia de Covid-19, oscilando entre 27% a 30%.

Impeachment

Ainda que os números, grosso modo, sejam ruins, eles revelam que não há, ao menos por enquanto, apoio popular suficiente para que um processo de impeachment vá para frente. Quando foi impedida, a petista Dilma Rousseff (PT) tinha 10% de aprovação e 70% de desaprovação. Fernando Color de Mello se atolava com 12% de apoio e 59% de rejeição. José Sarney (7% de aprovação), Itamar Franco (12%), Fernando Henrique Cardoso (16%) e Michel Temer (5%) sobreviveram apesar da rejeição gigante. Lula, em seus piores momentos, tinha apoio semelhante ao que Bolsonaro tem agora: 29%.

Para cair por meio de um impeachment, um presidente precisa estar metido em uma tempestade perfeita, que reúna, ao mesmo tempo, economia em frangalhos, falta de apoio parlamentar e popular, além, é claro, de um crime de responsabilidade. Em relação a este último fator, é bom lembrar que a análise é 99% política e apenas 1% jurídica, se muito.

Apoio popular, mesmo que corroído, Bolsonaro mantém em níveis que, se não são confortáveis, ao menos garantem resistência a qualquer movimento mais audacioso. Ainda mais que os que estão ficando do lado do presidente são os mais fiéis, que fazem uma defesa aguerrida. Novamente, mais uma coincidência entre o bolsonarismo e o lulismo: cada um preserva a fidelidade incondicional de cerca de um terço dos brasileiros.

Centrão

Roberto Jefferson: Bolsonaro mais próximo do Central| Foto: Marcello Casal Jr./AB

No parlamento, Bolsonaro se aproxima definitivamente do chamado Centrão – onde, aliás, esteve confortavelmente por quase três décadas. Com a acomodação de indicados para determinados cargos, articulação com Roberto Jefferson, Valdemar da Costa Neto, Paulinho da Força e Gilberto Kassab. Com a corda no pescoço, o capitão teve de se lembrar de que não existe nova nem velha política. O que existe é a política.

Consolidando uma base, e com a pouca disposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de começar um processo desgastante, Bolsonaro enterra, ao menos por enquanto, a possibilidade de impeachment. Mas, como dizia Magalhães Pinto, a política é como uma nuvem, por isso, convém ficar atento.

O maior problema, nos próximos meses, e provavelmente anos, será enfrentar uma profunda crise econômica, transformando a brava de Lula em 2008 em profecia. Comparada ao que vem pela frente, a crise daquele ano poderá ser considerada uma marolinha.

O crescimento no primeiro ano de Bolsonaro foi raquítico, apenas 1%. Para esse ano, havia certo otimismo, que morreu contaminado pelo coronavírus. O próprio presidente contribui constantemente para a derrocada econômica com suas declarações descabidas. A cada frase no cercadinho, um tsunami na Ibovespa.

Presidência

Na última semana, o presidente foi mais cauteloso – que é sempre um risco de se afirma quando se trata de Bolsonaro – ao apaziguar o clima em torno de Paulo Guedes. Depois de deixar o ministro da Economia de fora do Pró-Brasil, programa que pretende recupera a economia no pós-pandemia, o capitão foi ao cercadinho do Alvorada dar apoio público ao Chicago Boy.

Como Bolsonaro vai atravessar os dois anos e meio que lhe restam de mandato vai depender muito de como a Covid-19 vai evoluir no Brasil e como a economia vai reagir. Muitas mortes e muito desemprego podem ferir mortalmente o presidente – politicamente falando. Caso o País consiga sobreviver à pandemia e voltar a gerar empregos, o capitão chegará fortalecido para o combate de 2022. Como mostrou o Paraná Pesquisas, ele ainda é o preferido dos eleitores para sua própria sucessão, seguido exatamente por Moro.