Coalizão: a arapuca armada para o próximo presidente
22 abril 2018 às 00h00
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Quem ganhar a eleição para a Presidência da República em outubro terá de fazer arranjos de alto custo político e financeiro para viabilizar a governabilidade nos próximos quatro anos
Em pleno processo constituinte, um pouco antes de ser promulgada a Carta Magna em 1988, sociólogo e cientista político Sérgio Abranches publicou na Revista de Ciências Sociais (RJ) um artigo intitulado “Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro”. Abranches analisava o que se passava institucionalmente naquele período, enfocando a delicada relação entre o Legislativo e o Executivo.
O sociólogo definia o regime de governo brasileiro, único no mundo, conceituando-o como uma combinação de sistema de representação proporcional para a distribuição de cadeiras entre os partidos na Câmara dos Deputados, adesão ao multipartidarismo autorregulado, “presidencialismo imperial” e montagem de ministérios baseados em alianças partidárias. Em resumo: é o sistema do “toma lá dá cá”. O problema existe também, vale lembrar, nos governos estaduais e municipais.
Esse regime é, na verdade, um gerador de crises, ou, pior, a crise em si. Temos visto isso ao longo dos últimos 30 e tantos anos. Todos os governos pós-redemocratização sofreram os malefícios do presidencialismo de coalizão: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. Todos eles, sem exceção, sofreram e tiveram de ceder aos imperativos desse estranho regime de governo, que no fundo nada mais é que o conluio de um estamento político de poder com aliados que já desfrutam as benesses do poder, mas querem mais, sempre mais.
As atuais dificuldades de Michel Temer em fazer as reformas de base, por exemplo, se devem à fragilidade de sua ilegitimidade, que minou seu poder para fazer uma coalizão funcional. Dilma Rousseff não teria caído, mesmo tendo pedalado inquestionavelmente, se tivesse feita uma coalizão eficiente, o que sua impaciência e falta de tino político não deixaram.
Mas eis que estamos em plena pré-campanha presidencial. E o que podemos indagar é se o presidente que será eleito em outubro, para assumir o poder em 1º de janeiro de 2019, também será vítima desse fenômeno político?
A resposta, infelizmente, é sim.
Sem escapatória
O(a) próximo(a) presidente da República não terá como fugir das coalizões para poder governar. Sim, porque para governar é preciso fazer base na Câmara dos Deputados, o que depende diretamente de arranjos políticos, no que as “raposas” são mestres. Sinto lhe desiludir, caro leitor, se acha que a renovação no Congresso será muito grande, como você está lendo/vendo/ouvindo por aí.
Pode haver uma razoável renovação sim, mas os políticos matreiros continuarão mandando, em alguns casos, por intermédio de filhos, esposas, parentes, afilhados e que tais. Essa gente é craque em fazer coalizão, e consequentemente, deixar o presidente refém dela.
Recente reportagem do jornal Correio Braziliense traz análise interessante sobre o tema. A repórter Deborah Fortuna ouviu especialistas, que partem da consideração de que a pulverização do poder partidário dentro da Câmara dos Deputados e a cada vez mais palpável falta de renovação da Casa não deixará que o presidente da República tenha apoio suficiente para aprovar projetos ordinários no Legislativo.
Uma das constatações é que, para conseguir a vitória (na votação de projetos), é necessário que a legenda do mandatário tenha base aliada equivalente, por exemplo, a cinco vezes o tamanho do PT, que hoje reúne 60 parlamentares.
Nesse cenário, a vida de um presidente pertencente a um partido pequeno será muito complicada: no caso de Jair Bolsonaro (PSL-RJ), por exemplo, a sigla não chega a oito deputados na Câmara.
Por isso, está muito claro: o próximo presidente só conseguirá governabilidade caso haja o presidencialismo de coalizão exercido em grau, digamos, exponencial — ou seja, um governo fragmentado em vários partidos. Imagine-se o que a bancada do MDB pediria a Bolsonaro para votar projetos? Os dedos, as mãos, os pés e a cabeça, certamente.
O jornal ouviu o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, que lembrou que a situação é histórica, desde Sarney. A tendência para o ano que vem é de que isso fique mais acentuado.
União de siglas
O diretor do Diap analisou que, independentemente da linha ideológica do próximo chefe do Executivo, é necessário que ele se una a outras siglas. “Nenhum presidente elege parlamentares suficientes para aprovar leis ordinárias. Então, além da coalizão para se eleger, ele precisa agregar partidos para a base e garantir governabilidade para aprovar leis”, explicou.
Segundo ele, a expectativa é de que os três maiores partidos — PT, PSDB, e MDB — consigam colocar pouco menos de 50 deputados, cada um, dentro da Câmara. “Se no atual Congresso a pulverização foi grande, no próximo tende a ser maior”, previu o diretor.
Nesse caso, o próximo presidente da República precisará contar com quem já está na Casa. Mesmo com o período de janela partidária, encerrada em 7 de abril, o maior partido continua sendo o PT. “(O PT) É quem elegeu mais, quem tem mais recursos do fundo eleitoral. Os cinco maiores vão continuar os atuais, com pequenas oscilações”, argumentou Queiroz. A sigla elegeu 68 deputados nas eleições de 2014, e hoje tem 60.
“O MDB perdeu muitos (na janela), em compensação, arregimentou outros. O único que teve ganho líquido foi o DEM, que agregou mais de 19 deputados e não perdeu quase ninguém”, observou.
Também ouvido pelo Correio, o coordenador do curso de ciência política do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), José Deocleciano, concorda que o novo presidente do país será obrigado a investir no toma lá dá cá. “Ao longo do sistema democrático, nenhum presidente conseguiu maioria verdadeira. Nenhum deles foi capaz de fazer isso, nem o próximo deve ser.”
Por isso, para ele, não há alternativa para garantir a governabilidade. “Eu diria que, em 2019, qualquer que seja a linha ideológica do eleito, de fato, ele terá que fazer coalizões com os partidos que aí estão”, completou.
Deocleciano não considera que o presidencialismo de coalizão seja necessariamente um sistema ruim, já que ele é mais uma consequência de como foi construído dentro da política brasileira. Por isso, o arranjo que gera a necessidade do sistema não é necessariamente prejudicial. “Se tivesse funcionado no governo de Temer, ele teria, por exemplo, conseguido aprovar a reforma da Previdência”, analisou.
O coordenador do UDF aponta como maior problema o alto custo para efetivar essas alianças, que têm um caráter de manutenção do poder. Não apenas o valor político, mas também o financeiro. Para sustentá-la, há recursos como o apadrinhamento, a distribuição de recursos e até de cargos. “A coalizão não é negativa em si, mas, por vezes, gera consequências. O que a gente viu é que, certamente, desde o último mandato do Fernando Henrique Cardoso, esse custo é alto. Seja para o FHC, Lula, Dilma, Temer, e vai ser para o próximo, dada as atuais circunstâncias”, avaliou.