Quem ganhar a eleição para a Presidência da República em outubro terá de fazer arranjos de alto custo político e financeiro para viabilizar a governabilidade nos próximos quatro anos

Quanto mais fraco partidariamente for o presidente da República, mais cara fica a aprovação de projetos no Legislativo

Em pleno processo cons­tituinte, um pouco an­tes de ser promulgada a Carta Magna em 1988, sociólogo e cientista político Sérgio Abranches publicou na Re­vis­ta de Ciências Sociais (RJ) um ar­tigo intitulado “Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institu­cio­nal Brasileiro”. Abranches analisava o que se passava institucionalmente naquele período, enfocando a delicada relação entre o Legis­la­ti­vo e o Executivo.

O sociólogo definia o regime de go­verno brasileiro, único no mun­do, conceituando-o como uma com­binação de sistema de representação proporcional para a distribuição de cadeiras entre os partidos na Câmara dos Deputados, ade­são ao multipartidarismo autorregulado, “presidencialismo imperial” e montagem de ministérios ba­seados em alianças partidá­ri­as. Em resumo: é o sistema do “to­ma lá dá cá”. O problema existe tam­bém, vale lembrar, nos governos estaduais e municipais.

Esse regime é, na verdade, um ge­rador de crises, ou, pior, a crise em si. Temos visto isso ao longo dos últimos 30 e tantos anos. To­dos os governos pós-redemocratização sofreram os malefícios do presidencialismo de coalizão: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. Todos eles, sem exceção, sofreram e tiveram de ceder aos imperativos desse estranho regime de governo, que no fundo nada mais é que o conluio de um estamento político de po­der com aliados que já desfrutam as benesses do poder, mas que­rem mais, sempre mais.

As atuais dificuldades de Mi­chel Temer em fazer as reformas de base, por exemplo, se devem à fra­gilidade de sua ilegitimidade, que minou seu poder para fazer uma coalizão funcional. Dilma Rousseff não teria caído, mesmo tendo pedalado inquestionavelmente, se tivesse feita uma coalizão eficiente, o que sua impaciência e falta de tino político não deixaram.

Mas eis que estamos em plena pré-campanha presidencial. E o que podemos indagar é se o presidente que será eleito em outubro, para assumir o poder em 1º de ja­nei­ro de 2019, também será vítima desse fenômeno político?

A resposta, infelizmente, é sim.

Sem escapatória

O(a) próximo(a) presidente da República não terá como fugir das coalizões para poder governar. Sim, porque para governar é preciso fazer base na Câmara dos De­pu­tados, o que depende diretamente de arranjos políticos, no que as “raposas” são mestres. Sinto lhe desiludir, caro leitor, se acha que a renovação no Congresso será mui­to grande, como você está lendo/­ven­do/ouvindo por aí.

Pode haver uma razoável renovação sim, mas os políticos matreiros continuarão mandando, em al­guns casos, por intermédio de fi­lhos, esposas, parentes, afilhados e que tais. Essa gente é craque em fa­zer coalizão, e consequentemente, deixar o presidente refém dela.

Recente reportagem do jornal Correio Braziliense traz análise in­te­ressante sobre o tema. A repórter Deborah Fortuna ouviu especialistas, que partem da consideração de que a pulverização do po­der partidário dentro da Câmara dos Deputados e a cada vez mais pal­pável falta de renovação da Ca­sa não deixará que o presidente da Re­pública tenha apoio suficiente pa­ra aprovar projetos ordinários no Legislativo.

Uma das constatações é que, para conseguir a vitória (na votação de projetos), é necessário que a le­genda do mandatário tenha base aliada equivalente, por exemplo, a cin­co vezes o tamanho do PT, que ho­je reúne 60 parlamentares.

Nesse cenário, a vida de um pre­sidente pertencente a um partido pequeno será muito complicada: no caso de Jair Bolsonaro (PSL-­RJ), por exemplo, a sigla não chega a oito deputados na Câmara.

Por isso, está muito claro: o pró­ximo presidente só conseguirá go­vernabilidade caso haja o presidencialismo de coalizão exercido em grau, digamos, exponencial — ou seja, um governo fragmentado em vários partidos. Imagine-se o que a bancada do MDB pediria a Bol­sonaro para votar projetos? Os dedos, as mãos, os pés e a cabeça, cer­tamente.

O jornal ouviu o diretor de do­cu­mentação do Departamento In­ter­sindical de Assessoria Parla­men­tar (Diap), Antônio Augusto de Quei­roz, que lembrou que a situação é histórica, desde Sarney. A tendência para o ano que vem é de que isso fique mais acentuado.

União de siglas

O diretor do Diap analisou que, in­dependentemente da linha ideológica do próximo chefe do Exe­cu­tivo, é necessário que ele se una a outras siglas. “Nenhum presidente elege parlamentares suficientes pa­ra aprovar leis ordinárias. Então, além da coalizão para se eleger, ele pre­cisa agregar partidos para a base e garantir governabilidade pa­ra aprovar leis”, explicou.

Segundo ele, a expectativa é de que os três maiores partidos — PT, PSDB, e MDB — consigam co­locar pouco menos de 50 deputados, cada um, dentro da Câmara. “Se no atual Congresso a pulverização foi grande, no próximo tende a ser maior”, previu o diretor.

Nesse caso, o próximo presidente da República precisará contar com quem já está na Casa. Mes­mo com o período de janela par­tidária, encerrada em 7 de abril, o maior partido continua sendo o PT. “(O PT) É quem elegeu mais, quem tem mais recursos do fundo elei­toral. Os cinco maiores vão con­tinuar os atuais, com pequenas os­cilações”, argumentou Queiroz. A sigla elegeu 68 deputados nas elei­ções de 2014, e hoje tem 60.

“O MDB perdeu muitos (na janela), em compensação, arregimentou outros. O único que teve ga­nho líquido foi o DEM, que agregou mais de 19 deputados e não perdeu quase ninguém”, ob­ser­­vou.

Também ouvido pelo Correio, o coordenador do curso de ciência po­lítica do Centro Universitário do Dis­trito Federal (UDF), José Deo­cle­ciano, concorda que o novo presidente do país será obrigado a in­ves­tir no toma lá dá cá. “Ao longo do sistema democrático, nenhum pre­sidente conseguiu maioria verdadeira. Nenhum deles foi capaz de fazer isso, nem o próximo deve ser.”

Por isso, para ele, não há alternativa para garantir a governabilidade. “Eu diria que, em 2019, qualquer que seja a linha ideológica do elei­to, de fato, ele terá que fazer coa­lizões com os partidos que aí es­tão”, completou.

Deocleciano não considera que o presidencialismo de coalizão seja ne­cessariamente um sistema ruim, já que ele é mais uma consequência de como foi construído dentro da política brasileira. Por isso, o ar­ran­jo que gera a necessidade do sis­tema não é necessariamente prejudicial. “Se tivesse funcionado no go­verno de Temer, ele teria, por exem­plo, conseguido aprovar a re­for­ma da Previdência”, analisou.

O coordenador do UDF aponta como maior problema o alto cus­to para efetivar essas alianças, que têm um caráter de manutenção do poder. Não apenas o valor po­lítico, mas também o financeiro. Pa­ra sustentá-la, há recursos como o apadrinhamento, a distribuição de recursos e até de cargos. “A coa­lizão não é negativa em si, mas, por vezes, gera consequências. O que a gente viu é que, certamente, des­de o último mandato do Fer­nan­do Henrique Cardoso, esse cus­to é alto. Seja para o FHC, Lula, Dil­ma, Temer, e vai ser para o próximo, dada as atuais circunstâncias”, avaliou.