No domingo, presidente manifestou desejo de ficar no poder por mais sete anos. Um desejo precoce, quando o Brasil enfrenta problemas graves e imediatos

Jair Bolsonaro: de olho nas eleições de 2022 | Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Passou quase despercebida a declaração do presidente Jair Bolsonaro, no domingo, 10, ao ser perguntado por um apoiador que o esperava no cercadinho do Alvorada se há possibilidade dele renunciar ao mandato: “Vou sair em 1o de janeiro de 2027”, respondeu Jair. Uma fala prosaica, não estivesse o presidente com um grande abacaxi em mãos: a pandemia e seus efeitos colaterais na saúde física e econômica do País.

Soa descabida, portanto, a fala do presidente, que cumpriu apenas 496 dos 1.460 dias que tem do primeiro mandato – ou seja, um terço apenas. É possível argumentar que fora apenas uma brincadeira, uma bravata. O que só reforça o momento inadequado para tal. Mas é muito mais provável que a hipótese esteja, sim, nos planos de Bolsonaro. Para ficar em um universo caro ao presidente (o religioso), Jesus Cristo alertava, há 2 mil anos, que a boca fala do que está cheio o coração humano.

Fernando Henrique Cardoso

A reeleição é um dos maiores erros da gestão Fernando Henrique Cardoso (FHC). Não pelo conceito, em si. Em tese, bons governantes devem, sim, ter a oportunidade de prosseguir o trabalho. O problema é a forma nada saudável como ela foi introduzida no Brasil e suas consequências. FHC aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reeleição para si próprio, em um processo ainda hoje nebuloso e cheio de denúncias de atitudes nada republicanas.

Desde então, os gestores brasileiros têm governado mais preocupados em se manter no poder do que em fazer o que deve ser feito. Medidas necessárias (como o enxugamento dos gastos públicos, por exemplo) ficam nas gavetas em nome de medidas populares – ou populistas – como reajustes constantes ao funcionalismo público.

Tentação

Por fim, há sempre outro perigo à espreita: a tentação de se perpetuar no poder. Exemplos recentes não nos faltam. Vladmir Putin chegou ao cargo de primeiro-ministro da Rússia em 1999. De lá para cá, reveza-se ora como presidente, ora como primeiro-ministro, sempre concentrando poder com mão de ferro. Tudo “democraticamente”, na fachada.

Aqui do lado, na Venezuela, Nicolás Maduro mantém o cetro nas mãos do chavismo em um ciclo iniciado em 1999 pelo golpista Hugo Chávez. Eleições e reeleições sucessivas, sempre encobertas pela constitucionalidade de ocasião, com aval das supremas cortes, têm garantido que o poder seja mantido com o mesmo grupo.

Por fim, não se trata de cassar de Bolsonaro o legítimo direito, expresso na Constituição Federal, de tentar a reeleição, quando for a hora. Mas, para o Brasil, é muito mais importante que o capitão se concentre em resolver os problemas que batem às portas de todos os brasileiros nesse exato momento.