Na pior semana da pandemia do coronavírus no País, presidente encontrou tempo para fazer chacota com um churrasco que nunca existiu

Qual a graça de inventar um churrasco enquanto milhares de brasileiros morrem? | Foto: José Cruz / Agência Brasil
Quinta-feira, dia 7 de maio.

Cercadinho do Palácio do Alvorada. Diz o presidente Jair Bolsonaro:

“Estou cometente um crime. Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma “peladinha”, alguns ministros, alguns servidores mais humildes que estão ao meu lado. Vai ter vaquinha de R$ 70. Não vai ter bebida alcoólica, senão a primeira-dama coloca todo mundo para correr”.

Ministério da Saúde: mais 610 brasileiros morreram vítimas da Covid-19.

Sexta-feira, dia 8 de maio.

Cercadinho do Palácio do Alvorada. Diz o presidente Jair Bolsonaro:

“Tem 1,3 mil convidados, mas quem tiver aqui amanhã, se tiver mil, a gente bota para dentro. Vai dar mais ou menos 3 mil no churrasco”.

Ele ri. Um anônimo grita: “E o coronel Ustra, estará aí amanhã para alegria da galera?”.  Ustra é Carlos Alberto Brilhante Ustra, militar condenado por torturas durante a ditadura civil militar no Brasil.

Ministério da Saúde: mais 751 brasileiros morreram vítimas da Covid-19.

Sábado, 9 de maio.

Twitter. Diz o presidente Jair Bolsonaro:

“Alguns jornalistas idiotas criticaram o churrasco FAKE, mas o MBL se superou, entrou com AÇÃO NA JUSTIÇA”.

MBL é o Movimento Brasil Livre, que apoiou Bolsonaro nas eleições, contra o inimigo comum (o petismo), mas que se afastou do presidente.

Ministério da Saúde: mais 730 brasileiros morreram vítimas da Covid-19.

Parece mentira. Mas, enquanto mais de 2 mil brasileiros sucumbiram diante da maior pandemia da história recente da humanidade, o presidente da República teve tempo para fazer piada, provocar (pela milésima vez) a imprensa e arrancar risos de seus apoiadores. De quebra, Jair Messias Bolsonaro encontrou um tempo na agenda para dar um passeio de moto aquática (jet ski) no Lago Paranoá – afinal, ninguém é de ferro.

10 mil mortes

O Brasil, hoje, é o segundo país em que a devastação provocada pelo coronavírus mais avança no mundo – apenas os Estados Unidos estão à frente. O brasileiro viu, na semana que passou, a Covid-19 chegar a um novo patamar. No início da semana, a média de mortes diárias chegou à casa das 600. Nos dois últimos dias, alcançou a casa das 700. Assim, a simbólica marca de 10 mil óbitos foi alcançada – e tudo leva a crer que ela, em breve, será pequena.

Desde o primeiro caso registrado no País até a sexta-feira, 8, passaram-se 73 dias. Nesse mesmo intervalo, nos EUA, havia 9.246 mortes. Este número é, atualmente, superior a 77 mil mortes por lá. Vislumbrar o que pode vir pela frente provoca calafrios.

Jair Bolsonaro decidiu fazer piada, tomar tempo de todos, em uma semana particularmente dura para o Brasil. Na segunda-feira, 4, o País perdeu um de seus maiores intérpretes, Aldir Blanc. No mesmo dia, o ator Flavio Migliaccio se matou. A carta testamento escancara um país que despreza seus artistas e, especialmente, seus velhos – não por coincidência, muita gente diz que a Covid-19 “só mata velhos”, como se eles deixassem de ser pessoas, de ter sonhos, de ter quem chore por eles.

Em meio a todo esse cenário desolador, aquele que deveria ser o maior líder da nação, que deveria conduzi-la neste momento tão duro, encontra tempo para tripudiar em cima daqueles a quem detesta. Sob aplausos de alguns, que não são poucos.

Segunda Guerra

A vida é cercada de ironia. Na sexta-feira, 8, a Europa comemorou a data que marca, para eles, o fim da Segunda Guerra Mundial, conflito que matou ao menos 60 milhões de pessoas. Seria interessante, nesse momento, olhar para Angela Merkel, provavelmente a maior líder planetária atual. Uma conservadora que deveria servir de exemplo aos que se declaram conservadores no Brasil, mas que não passam de retrógados.

Desde que o coronavírus Sars-CoV-2 chegou à Europa, Merkel assumiu o papel que lhe cabe. A chanceler alemã, já no início da pandemia, a comparou ao esforço pós-guerra. Ao contrário de Bolsonaro, não desdenhou do vírus, não brigou com a ciência e não conduziu seu povo ao matadouro.

Jair teve a chance de se espelhar em líderes dessa estirpe. Mas escolheu integrar a Aliança do Avestruz, que reúne nulidades como Alexander Lukashenko, de Belarus, Daniel Ortega, da Nicarágua, e Gurbanguly Berdymkhmedov, do Turcomenistão. A lista, criada pelo jornal britânico Financial Time, ainda inclui o morto-vivo Kim Jong-un.

Marias e Clarices choram Brasil afora. Enquanto isso, Bolsonaro e seus apoiadores riem.