Em um mês de fechamento de atividades comerciais por zona, segundo maior município teve alta de 456%, enquanto na capital ela foi de 213%

A partir desta semana, a Prefeitura de Goiânia vai abandonar o sistema de quarentena alternada. A medida, que prevê a interrupção de atividades econômicas por 14 dias e posterior abertura por igual período, sucessivamente, vigora até segunda-feira, dia 13. Nesta data, o prefeito Iris Rezende deve publicar um decreto com as novas regras. Em encontro na quarta-feira, 8, com o governador Ronaldo Caiado, o emedebista solicitou apoio para a adoção de novas estratégias de controle ao coronavírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19.

Ficou acertado que técnicos da Prefeitura e do Governo do Estado definirão o modelo que será adotado daqui em diante na capital goiana. Uma coisa, porém, é certa: Iris não deseja mais impor quarentenas extremamente rígidas em Goiânia. O prefeito equilibra-se entre as necessidades sanitárias e a pressão dos setores econômicos, que amargam sérios prejuízos, quebras de empresas e, consequentemente, fechamento de vagas de emprego. Em Goiás, segundo o Caged, 26 mil empregos com carteira de trabalho foram pulverizados pelo coronavírus.

O cálculo do prefeito também tem a ver com política – como não poderia deixar de ser. O ano é eleitoral e, mesmo que ainda mantenha o mistério sobre se será ou não candidato à reeleição, Iris coloca todos os fatores na balança. Afinal, ainda que não seja ele o nome do MDB em novembro [hipótese cada vez mais remota], são suas ações, e os impactos delas, que estarão em avaliação nas urnas no fim do ano.

Modelo de Aparecida de Goiânia

Quando o setor empresarial cobra do prefeito Iris uma postura mais flexível em relação à gestão da pandemia, o exemplo da cidade vizinha, Aparecida de Goiânia, sempre é lembrado. Ali, o prefeito Gustavo Mendanha, também do MDB, adotou o fechamento por zonas. O município foi dividido em dez regiões, cujas atividades abrem e fecham alternadamente – movimento que é impactado pela evolução de casos em cada uma delas.

A prefeitura de Aparecida de Goiânia alega que o modelo tem sido bem sucedido e que o isolamento social tem ficado acima dos 50% – número mágico para os gestores da pandemia: a partir desse porcentual, acredita-se que o número de contágios fica controlado. É bom, porém, acompanhar a evolução da Covid-19 para se ter alguns parâmetros.

O rodízio por zonas e situação epidemiológica em Aparecida de Goiânia começou no dia 8 de março. Em um mês, o número de casos no município saltou de 692 para 3.848, alta de 456%. O crescimento é superior ao do Estado todo, que foi de 432% (de 6.266 para 33.361), e ao de Goiânia, de 158% (de 2.428 para 8.831). Os dados são todos das secretarias de saúde do Estado e do Município de Goiânia.

Aparecida testa mais

A comparação somente do número de casos, porém, não é justa com Aparecida de Goiânia. O segundo maior município do Estado tem testado, proporcionalmente, muito mais que a capital. Com mais testes, obviamente, cresce a quantidade de diagnósticos positivos para o coronavírus.

A subnotificação no caso de mortes não pode ser descartada – a Universidade Federal de Goiás estima que ela esteja em 30% no Estado –, mas é menor. Portanto, a evolução nas mortes torna-se um parâmetro mais realista. Vamos a ela.

Em um mês de rodízio por zonas, Aparecida de Goiânia foi de 15 mortes para 74. O acréscimo foi de 393%. Ele é maior que o do Estado, que foi de 332% (de 173 para 748, no período), e bem maior que o de Goiânia, de 213% (de 75 para 235 mortes pela Covid-19).

Números são frios

Limitar a análise aos números é sedutor, mas é preciso lembrar que eles são frios e não dão conta de toda a realidade. Fossem apenas eles os balizadores da gestão da crise, restaria óbvio que a diminuição das atividades econômicas, se possível até mesmo com o lockdown, que restringe até a circulação de pessoas nas ruas, seria a melhor solução. Mas não é tão simples.

Quem ocupa os postos de comando precisa equilibrar as medidas sanitárias com as necessidades econômicas. Ideal seria que os governos, especialmente o federal, que é quem realmente tem a grana, dessem condições para que os trabalhadores ficassem em casa e para que as empresas não quebrassem. Mas não tem sido assim: as linhas de crédito não chegam à maioria dos empresários e a ajuda aos mais pobres não chega a todos.

Portanto, praticamente impossível manter a atividade econômica paralisada por quatro, cinco meses. A pergunta de 1 milhão de dólares é: “Como manter o comércio funcionando sem espalhar ainda mais o vírus?”

Negacionismo só atrapalha

Não bastassem todas as questões técnicas, há ainda o fator comportamental. Com mais de 70 mil mortos no Brasil, quase 900 em Goiás, ainda há quem relativize a gravidade. Não é incomum, por exemplo, encontrar pessoas nas ruas sem a máscara. No momento atual, ela está para a Covid-19 como a camisinha está para as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

Em Goiânia, ainda são raras as multas de R$ 627 aplicadas pelo não uso de máscara em locais públicos. Em Aparecida de Goiânia, mais de 160 pessoas haviam sido multadas em R$ 106 por negligenciarem o item de proteção. Ainda que não seja 100% eficaz, o uso de máscaras tem diminuído a taxa de transmissão onde é usada em massa.

Iris, portanto, está certo em acabar de vez com a quarentena? Não existe resposta única para a pergunta. Há argumentos fortes para o sim e para o não. A história vai dar uma clareza maior, no futuro. Mas, com tudo aberto, cada pessoa terá de ser ainda mais cuidadoso em seus próprios atos.

É o comportamento individual que vai determinar o tamanho da tragédia. Os dados foram jogados.