Ameaça de shutdown caso aumento de IOF seja derrubado é atestado de desespero

31 maio 2025 às 21h00

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Desde agosto de 2023, o mercado (essa abstração que financia o governo) escolheu acreditar no Arcabouço Fiscal, em seu mecanismo incentivador dos gastos e na possibilidade de cumprir sua meta de gastos zero. No meio de 2025, o governo é forçado a admitir o óbvio: o fôlego é para o ano eleitoral de 2026; em 2027 o mundo fiscal acaba; a única alternativa é arrecadar, mesmo que por mecanismos indevidos.
Por meio da ministra de Planejamento e Orçamento Simone Tebet, o governo admitiu em março deste ano: “Chegou o momento que em 2027, seja quem for o próximo presidente da República, não governa com esse arcabouço fiscal, com essas regras fiscais, sem gerar inflação, dívida pública e detonar a economia”. Na última semana, o governo reforçou a lógica, ao revelar que não pretende seguir “essas regras fiscais”.
O aumento da arrecadação da vez acontece via Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Este é um tributo parafiscal, sem objetivo arrecadatório, com função de regular o mercado financeiro, por isso pode ser elevado na “canetada”, via decreto do Executivo. A Constituição Federal (Art. 153) estabelece que a criação ou aumento de impostos arrecadatórios exige lei complementar ou lei ordinária — ou seja, é necessária aprovação do Congresso.
A ex-secretária de Economia de Goiás, Cristiane Schmidt, afirmou ao Jornal Opção que o governo federal cometeu um erro estratégico ao manipular o IOF para fins fiscais. “Foi muito ruim, porque esse tributo, IOF, é um tributo regulatório”, declarou. Ela explicou que esse tipo de imposto foi concebido para permitir intervenções pontuais e ágeis no mercado, sem que o Executivo precise obedecer aos protocolos tradicionais que regem os demais tributos — como a noventena e a anualidade, exigidos pela Constituição.
Nesse sentido, utilizar o IOF como instrumento arrecadatório contorna os princípios de legalidade estrita e de debate parlamentar, abrindo caminho para críticas sobre a legitimidade da ação. “Ele resolveu usar isso para fazer um tributo não regulatório, mas sim arrecadatório. É usar um instrumento errado”, criticou Schmidt. Ela afirmou ainda que essa escolha tem impactos severos: eleva o custo do crédito, inibe investimentos e prejudica o crescimento econômico.
Agora, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, faz coro à Simone Tebet e admite em entrevista à CNN: “Neste momento não há alternativa ao aumento do IOF”. O futuro das contas públicas do Brasil depende do aumento indevido de um imposto com outra finalidade — como o governo deixou chegar a este ponto? Por que se porta como se a responsabilidade pelo orçamento apresentado não fosse dele?
Hugo Motta (Republicanos) chamou para si a indignação brasileira com aumento da carga tributária e antagonizou o aumento da taxa. Na rede social X, publicou: “clima é para derrubada do decreto do IOF”. Realisticamente, entretanto, a crença na queda do decreto deve ser levada com ceticismo na melhor das hipóteses.
O presidente da Câmara deu 10 dias para o governo apresentar uma solução estruturante. Mas a agenda é ruim: agora, começa a 11ª edição do Fórum Parlamentar do Brics; depois é São João e os parlamentares (principalmente do Nordeste) retornam às suas bases; depois é hora do recesso parlamentar… já estamos no segundo semestre e o decreto não espera.
Os culpados de facto são dois: primeiro, o arcabouço fiscal, com seus mecanismos estimuladores de gastos. Segundo o Arcabouço, aumentar a arrecadação significa aumentar gastos com pisos de saúde e educação, por exemplo. Segundo, o orçamento apresentado para 2025, que é mera peça de ficção. No orçamento, não constam programas como Pé-de-Meia e Vale Gás (com anuência do Supremo Tribunal Federal, STF). Custeá-los significa aumentar impostos, resgatar recursos de fundos, raspar o fundo do tacho.
O resultado é chantagem: “Sem aumento de imposto, tudo para”, diz o governo federal. É uma ameaça de shutdown e também declaração de desespero. É advertência de que, se o Congresso tentar barrar, novos bilhões em contingenciamento e bloqueios atingirão proporcionalmente as emendas parlamentares. É também atestado de que, se vale tudo para aumentar receita em maio, imagine o que não tentarão em dezembro.
Só o que não haverá é corte de gastos, e essa culpa todos devem dividir: governo federal, militares, juízes, parlamentares, e também o setor produtivo. Nesta semana, o Jornal Opção ouviu os representantes dos industrialistas, presidentes da Adial e Fieg, que disseram que o aumento seria catastrófico para a indústria. Estão corretos. Mas cabe questionar se estão dispostos a abrir mão de algum incentivo fiscal, qualquer que seja, para ajudar a recuperar o orçamento. O gasto desenfreado também acontece em isenções para setores não-competitivos da indústria. Mas, no Brasil, o corte só pode acontecer no bolso do outro.