2014, o ano do “mar de lama”
27 dezembro 2014 às 12h47
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Nem tudo foi revelado na sucessão de episódios de escândalos na Petrobrás; no próximo
ano, cada dia mais coisas escabrosas serão dadas ao conhecimento público
Mesmo considerando que este foi ano de eleição, com a recondução da petista Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto, nessa altura não há como fugir do óbvio: o grande fato político dos últimos 12 meses é o escândalo da Petrobrás, trazido à tona pela investigação da Polícia Federal (PF) denominada Lava-Jato.
2014 é o ano do “mar de lama” que ressuma da Petrobrás aos borbotões, marcando definitivamente o petismo no poder como os governos dos escândalos e da corrupção. A expressão “mar de lama” foi usada pela primeira vez por Carlos Lacerda (1914-1977) no jornal “Tribuna da Imprensa” para designar os escândalos que rondavam o Palácio do Catete, sede do governo de Getúlio Vargas (1882-1954). Getúlio se matou com um tiro no peito no desdobramento das denúncias.
Os brasileiros começaram a tomar conhecimento do que estava se passando na Petrobrás em março. No dia 17 daquele mês, a PF deflagrou a operação contra lavagem de dinheiro e prendeu, entre outras pessoas, o doleiro Alberto Youssef. Três dias depois, foi preso o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, no momento em que ele tentava destruir documentos. Costa fora nomeado para a diretoria da petrolífera pelo então presidente Lula da Silva, que o tratava por “Paulinho”.
A sequência da investigação mostrou que a lavagem de dinheiro era apenas uma parte do grande esquema de corrupção armado na Petrobrás. Paulo Roberto Costa era o principal operador e aceita acordo de delação premiada, ou seja, revelar o que sabe, dando nomes, em troca de redução de sua pena. Com as revelações de Costa e de Youssef (que também é delator “premiado”), novas prisões foram decretadas, incluindo altos executivos de algumas das maiores empreiteiras do País, generosos doadores de dinheiro para campanhas.
Algumas revelações são estarrecedoras, como a de que até a governadora Roseana Sarney (Maranhão) e o então ministro do governo Dilma Mário Negromonte recebiam seus caraminguás propinísticos, entregues delivery; ela no Palácio dos Leões, sede do governo; ele em seu apartamento funcional, em Brasília.
E a revista “Veja” mostrou que a investigação da PF identificou um cidadão de cabelos brancos, de aparência mais ou menos humilde, chamado Rafael Ângulo Lopes, funcionário do doleiro Youssef, que fazia a entrega do dinheiro propinado na Petrobrás. Ele levava o ervanário pessoalmente aos contemplados, às vezes viajando de avião, com maços de notas grudados no corpo, para passar pela fiscalização de aeroportos. Con-forme a investigação, o homem deixou malas de dinheiro na sede do PT, em São Paulo.
Por isso, está claro na revelação a conta-gotas dos escândalos por parte de quem participou deles — agentes públicos e privados, entre os quais donos de empreiteiras —, que uma quadrilha se instalou no coração da empresa para assaltá-la em favor de interesses de alguns operadores e de partidos políticos.
Não há dúvida, o partido do governo tem sido o grande beneficiário do desvio de verbas na estatal petrolífera, como revelou o ex-diretor Paulo Roberto Costa à Justiça Federal do Paraná. Segundo Costa, parte da propina cobrada de fornecedores da estatal era direcionada para atender a PT, PMDB e PP e foi usada na campanha eleitoral de 2010 — isso mesmo, na camapnha à Presidência!
O ex-diretor disse que o PT recolhia para o seu caixa 100% da propina obtida em contratos das diretorias que a sigla administrava, como, por exemplo, as de Serviços, Gás e Energia e Exploração e Produção. O partido nega e até emitiu nota nesse sentido, assinada pelo presidente Rui Falcão.
A força-tarefa da Operação Lava-Jato não conseguiu apenas identificar desvios de, pelo menos, R$ 286 milhões na estatal, mas também, pela primeira vez, amarrar mais de uma dezena de acordos de delação premiada. Quando vier à luz tudo o que essa gente já revelou e está revelando é que se saberá de fato o tamanho do rombo perpetrado pelo esquema criminoso.
O último episódio na sequência de revelações dessa ópera-bufa escandalosa é de que a diretoria da empresa, incluindo a presidente Graça Foster, fora alertada sobre as estranhezas que estavam sendo cometidas ali. Há pouco mais de duas semanas, uma reportagem do “Valor Econômico” informou que uma ex-gerente executiva da Diretoria de Refino e Abastecimento da Petrobrás, Venina Velosa da Fonseca, relatou por e-mail, em 2008 e 2009, irregularidades na empresa à presidente Foster, e ao diretor que substituiu Paulo Roberto Costa, José Carlos Cosenza.
Foster se enrola cada vez que vai a público para dizer que não recebeu, ou que recebeu os alertas, mas estes não eram claros, eram truncados, etc. Com sua pouca graça, nitidamente ela quer desqualificar a ex-gerente. E se apega ao cargo, como se assim ficasse provado que não foi omissa ao não mandar apurar os alertas de Venina.
Por sinal, no domingo passado, a ex-gerente deu um depoimento ao programa “Fantástico”, da TV Globo, e a profusão de detalhes que ela revelou não deixa dúvida sobre suas ações. A presidente Dilma Rousseff, que também tem responsabilidade nesse escândalo, uma vez que era ministra das Minas e Energia e presidia o conselho da Petrobrás, apoia Foster, sua amiga (esse texto foi escrito ainda antes do Natal e pode até ser que Graça Foster já não seja presidente da estatal).
No início da semana passada, em café da manhã com jornalistas, Dilma disse que é um absurdo o desvio na estatal, mas que não era o caso de demitir Graça Foster. Ao dizer isso, com todas as evidências contra a presidente da empresa, Dilma chama para si a total responsabilidade pelo que aconteceu na estatal sob as “barbas” de sua amiga.
E o nível do mar de lama vai subindo a cada nova revelação. Talvez, quem sabe, chegue ao nariz do grande chefe do esquema.
Sem noção
A presidente Dilma dá seguidas mostras de que não tem noção de alcance do cargo na relação com os outros poderes. Voluntariosa e autossuficiente, ela não buca informações e comete asneiras. A mais recente foi dizer que consultaria o Ministério Público Federal para saber se poderia ou não confirmar nomes de ministros. O receio dela era nomear gente citada na investigação Lava-Jato, enrolada no escândalo da Petrobrás, e depois ter de demitir.
Antes que Dilma fizesse a besteira, que ganharia respercussão, o procurador-geral Rodrigo Janot disse que não poderia ser dada qualquer informação, pois o processo corre em segredo de Justiça. No dia seguinte, sem graça, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), disse que o MPF realmente não poderá ser consultado para balizar a escolha dos nomes que integrarão a nova equipe ministerial.