“Cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo” – Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente.

Nesta segunda-feira, 10 de abril, completa-se 100 dias do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A imprensa, como de praxe, vai se ocupar de analisar o início da gestão – corretamente, pois são nesses primeiros meses que se dá o tom de para onde o governo quer se direcionar, portanto, a imprensa cumpre bem o seu papel: fiscalizar e cobrar as promessas feitas.

Mas meu intuito nesse texto é tentar fugir desta agenda corriqueira na imprensa. Vamos voltar os olhos para os primeiros 100 dias daqueles que se colocam como oposição ao governo. Como bem disse o ex-presidente FHC, para se opor ao governo é preciso afirmar posições. 

Antes de falar de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo  – grupo que naturalmente se opõe ao governo do PT –, quero apontar como de fato se espera uma oposição. Estar na oposição é missão que precisa ser compreendida e defendida como vital para a boa democracia. Entretanto, o que sempre vimos no Brasil não é o modelo adequado. Ser oposição vai além das brigas partidárias ou de grupos políticos. A verdadeira oposição nasce da necessidade de defender pontos de vistas diferentes, de ter uma personalidade ímpar e em prol do coletivo. O contraditório de opiniões precisa ser visto como combustível para as novas ações positivas, os debates entre oposição e situação são fundamentais nesta jornada democrática.

Pois bem, essa oposição que considero adequada, me parece longe de ser. Assim, vamos partir então para os 100 dias de oposição. Esse é um grupo que ganhou personificação, pois hoje se compreende que a oposição só cabe ao bolsonarismo. É um engano, mas é dessa forma que a maior parcela da sociedade percebe. Partindo do resultado das eleições de 2022, que foram tão polarizadas, imaginou-se o governo de Lula não teria tempo nenhum dia da chamada “lua de mel”, que geralmente marca os primeiros dias das gestões. Isso porque o PL e partidos alinhados ao bolsonarismo conseguiram eleger uma bancada grande, barulhenta e que defende uma plataforma radical. Esse grupo sempre esperou ser liderado por Bolsonaro –  ele é quem daria nome e rosto para a oposição. 

Entretanto, dois dias antes de encerrar o seu governo, Bolsonaro resolveu deixar o País. Talvez esse tenha sido o mais significativo desestimulo para o grupo que se articulava como oposição. Deputados, apoiadores (ainda acampados nas portas de quartéis) e aliados se viram abandonados. Nesse cenário, a oposição já se viu enfraquecida para fazer o enfrentamento a Lula desde o primeiro dia de mandato – perderam a primeira oportunidade de colocar em prática aquilo que prega FHC: afirmar posições.

Não vou ser leviano ao dizer que Lula não teve nenhuma oposição nesses primeiros 100 dias. Houve sim, mas ela se mostrou muito aquém do que o resultado das eleições indicava ser, pois, além se verem abandonados por Bolsonaro, houve o ataque aos prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro. O ato de vandalismo com desejo de golpe, foi absorvido por Lula como uma oportunidade de alinhar com governadores, senadores, deputados e ministros do Supremo Tribunal Federal. O vandalismo se revelou um duro golpe ao bolsonarismo.

Neste contexto, e com tamanho desgaste de Jair Bolsonaro por seu envolvimento em tramas golpistas, os membros da oposição tiveram que colocar em prática um novo discurso. A ideia é deixar o título de “bolsonaristas” para serem nominados de  “representantes da direita conservadora”. Bolsonaro se ligou nesse movimento e reagiu. Logo os filhos do ex-presidente começaram a apontar previsões para retorno de Bolsonaro ao País para “liderar a oposição”. Mas esse retorno só se deu após 4 meses. Assim, se foram 88 dias do ano sem que a oposição tivesse a frente aquele que, como já dito, dá nome e rosto para oposição.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, precisou entrar em campo para manter a militância bolsonarista animada. Para isso foi preciso colocar a ex-primeira dama na jogada. Coube a ela falar com bolsonaristas e fazer críticas ao atual governo. A estratégia não decolou, logo ela se viu alvo de ataques e voltou para “trás das cortinas”. 

Nesses 100 dias de oposição, coube ao grupo bolsonarista raiz – pois os oportunistas desapareceram do radar – fazer a defesa do ex-presidente, deixando em segundo plano se opor ao governo petista. Nesses 100 dias entrou em campo um ardil plano do senador Marcos do Val, que manipulou a repercussão de um  suposto plano golpista, na tentativa de envolver o ministro do STF Alexandre de Morais. A mentira contata pelo parlamentar se revelou ter foco em garantir espaço na mídia para Bolsonaro, além de tentar comprometer o juiz em relação aos julgamentos contra o ex-presidente. 

Ainda coube aos oposicionistas a função de defender as acusações feitas por integrantes do governo Lula de que a gestão de Bolsonaro teria sido responsável pela crise humanitária do povo indígena Yanomami. E ainda, talvez a mais trabalhosa missão, tiveram que se colocar na defesa do uso da estrutura da Presidência para reaver joias apreendidas pela Receita Federal e que haviam sido dadas ao presidente por autoridades da Arábia Saudita – três presentes, um deles avaliado em R$ 16 milhões.

Bolsonaro ainda enfrenta 33 processos na justiça, e é inegável o temor de se tornar inelegível. Esse é um fato que coloca em risco não só o futuro político do ex-presidente, mas também de todos seus apoiadores que ainda buscam alinhar um discurso para e encampar uma estratégia para de fato se consolidar como uma oposição incomoda a Lula. 

Por fim, é preciso deixar claro que, assim como o governo de Lula pode recalibrar as ações após uma avaliação dos 100 primeiros dias de gestão, a oposição pode fazer o mesmo. É um engano quem pensa que Bolsonaro e o bolsonarismo estão enfraquecidos ao ponto de não fazer uma oposição consistente. Mais ainda, Bolsonaro, se consegui se livrar dos processos judiciais que o ameaçam a Inelegibilidade, e ainda fazer uma oposição coerente (seguindo os conselhos de FHC) será um candidato com chances reais em 2026.