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Não é fácil transmitir o poder para um opositor. Não é fácil passar a faixa presidencial para um político que, meses atrás, te acusava dos maiores crimes e te criticava por tudo que fez no governo.

Juscelino Kubitschek sabia disso e já estava preparado. Se Jânio Quadros falasse alguma coisa de ruim sobre o seu governo, se repetisse as críticas feitas durante a campanha, ele partiria para as vias de fato e daria um soco no recém-eleito. Mas não foi preciso nada disso.

Jânio Quadros fez um discurso protocolar e ficou por isso mesmo. Juscelino Kubitschek deixava o poder nos braços do povo, entregando para o seu sucessor um país desenvolvido, pacificado, com uma nova capital. Totalmente diferente do país que recebeu cinco anos antes (o Brasil deixou, digamos assim, de ser provinciano — daí, entre outras coisas, a Bossa Nova de João Gilberto).

A primeira posse presidencial em Brasília aconteceu em 31 de janeiro de 1961. A cidade era um poeirão só. A Praça dos Três Poderes ostentava os três palácios que sediavam os três poderes. Do parlatório do Palácio do Planalto, lá estava Juscelino Kubitschek cumprindo sua última promessa de governo: passar a faixa presidencial para o sucessor eleito pelo povo.

Jânio Quadros, que foi eleito com o apoio da União Democrática Nacional (UDN), prometia varrer a corrupção do país. Ele era mato-grossense, mas fez sua carreira política em São Paulo. Foi prefeito e governador paulista. O “varre, varre, varre, varre, vassorinha”, tema de sua campanha presidencial, conquistou muitos votos e o fez vencer as eleições de 1960, derrotando o candidato governista marechal Henrique Teixeira Lott. Jânio Quadros era tão populista que, dizem, colocava caspas no seu terno para parece sempre informal, gente como a gente.

A democracia respirava fundo em 31 de janeiro de 1961. Depois da tentativa de golpe em 1956, um presidente eleito pelo povo tomava posse pacificamente, sem tanques nas ruas para garantir a sua posse.

Juscelino Kubitschek deixava um grande legado para sempre e esperava voltar ao poder cinco anos depois. A propósito, o lema “JK-65” já era divulgado ainda em 1961.

Se Jânio Quadros não fez nenhuma crítica ácida na frente de Juscelino, o fez horas depois da posse, no programa “Voz do Brasil”.

Juscelino Kubitschek encerrou o seu livro de memórias “50 anos em 5” comentando a respeito: “Jânio Quadros deblaterava, dando murros na mesa. Atacava-me desabridamente, lendo o discurso elaborado por Clemente Mariani. Ouvi alguns trechos, desliguei o rádio e voltei para minha poltrona. Fechando os olhos, numa tentativa para dormir um pouco, pensei: “Não, não vivemos em um clima igual ao da Inglaterra. Infelizmente ainda continuamos na América Latina”. De fato, não é fácil passar o poder para um opositor.