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A pesquisa histórica nos traz inúmeras riquezas que dinheiro nenhum consegue quantificar. Enquanto eu pesquisava para o meu Mestrado, fui várias vezes ao Memorial JK, em Brasília, consultar seu acervo. Como meu objeto de estudo era Carlos Lacerda, pensei se tinha alguma coisa sobre ele no memorial. Adversário ferrenho de Juscelino Kubitschek e, posteriormente, seu amigo, talvez dentre os inúmeros documentos históricos ali guardados eu encontrasse algo sobre o ex-presidente e seu opositor. Encontrei inúmeras edições das revistas Manchete e Cruzeiro que falavam sobre os dois, mas nada que pudesse ser acrescido à pesquisa.

Enquanto passava os olhos sobre as páginas das revistas amareladas pelo tempo, ouvi uma conversa vinda de uma mesa próxima a que eu estava. “Ela foi secretária do JK”. Olhei para ver quem era e descobri que seu nome era Cirlene Ramos, secretária do ex-presidente por muitos anos. Antes de ir embora, me dirigi até a Dona Cirlene e me apresentei, falei do meu projeto de mestrado. “O Lacerda era Governador da Guanabara quando fui convocada para ser professora no Rio de Janeiro”. Ela me falou que guardava com carinho o telegrama da convocação. “Espere um pouco que eu vou te mostrar uma coisa”.

Dona Cirlene entrou por uma porta e, após alguns minutos, voltou com um papel. “Esta é uma carta que o Juscelino escreveu para o Lacerda, mas nunca enviou”. Olhei aquele papel e quase tive um troço. Estava diante um documento inédito, escrito por Juscelino Kubitschek endereçada para Carlos Lacerda! Senti um arrepio. Li o escrito, fiz anotações. Era uma resposta de JK a outra carta enviada por Lacerda. Antes de ir embora, Dona Cirlene me mostrou a caderneta de telefones que JK trazia no bolso quando morreu em 1976. “Está vendo aquele ‘Cir’? Sou eu!” Dona Cirlene me disse que estava pensando em escrever um livro contando suas histórias enquanto foi secretária de Juscelino. Não sei se ela escreveu. Só sei que aquele dia que passei no Memorial JK, em julho de 2011, confirmou que a minha vocação, o meu chamado, é a História.

Acredito que essa mesma emoção tenha sido experienciada pela historiadora Jussara Soares, moradora de Poços de Caldas, interior de Minas Gerais. Ela está cursando Museologia no Centro Universitário Leonardo Da Vinci e faz estágio no Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas. No dia 28 de julho último, Jussara estava trabalhando na reorganização e digitalização do acervo do museu quando pegou um livro intitulado “Livro de Ouro” e descobriu que, no seu interior, tinha um tesouro histórico. Era uma carta escrita à mão pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek em janeiro de 1961. Nela, o ex-presidente agradecia o apoio durante a sua gestão na Presidência da República e renovava seus esforços em lutar pelo bem do Brasil. “Sejam quais forem os rumos da minha vida pública, levarei comigo ao deixar o honroso posto que me confiou a vontade popular, o firme propósito de continuar servindo ao Brasil com a mesma fé, o mesmo entusiasmo e a mesma confiança nos seus altos destinos”. Naquela época, Kubitschek estava encerrando seu mandato e, ao escrever que desejava continuar servindo ao Brasil, ele demonstrava o desejo de voltar ao poder em 1966.

Jussara Soares contou para a reportagem do site G1 que, logo após a descoberta histórica, procurou saber de quem era aquele “Livro de Ouro” onde estava a carta. E não é que ela descobriu? A dona se chamava Tereza Bonifácio e trabalhava no Palácio do Planalto na época da inauguração de Brasília. Talvez seja por isso, pela proximidade com o ex-presidente que ela tenha recebido uma carta tão especial. Era comum guardar papel entre as páginas de um livro. Ao guardar aquele escrito, Dona Tereza não queria que ficasse guardado em uma gaveta ou em um armário. Era a melhor forma de proteger o seu tesouro.
Essas descobertas fazem renovar o nosso amor pela História, a certeza de que a pesquisa histórica, por mais cansativa que seja, tem as suas recompensas. Há tesouros que nenhum dinheiro compra. E a História oferece aos seus pesquisadores uma infinidade de tesouros escondidos como uma carta escrita pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek e que ficou tantos anos guardada entre as páginas de um livro.

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