Brasilianas da Companhia Editora Nacional e da Itatiaia-Edusp sintetizam o Brasil de todos os tempos
01 setembro 2022 às 12h38
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Estão disponíveis na internet diversas listas de livros “indispensáveis para a compreensão do Brasil”, reproduzidas de revistas ou livros. Essas listas foram organizadas em diversas épocas e com indicações de vários autores, como por exemplo, a do sociólogo e crítico literário Antônio Cândido, que publicou na edição 41 da revista “Teoria e Debate” (30/09/2000), os onze livros que considerava fundamentais para se entender o Brasil. Recentemente (04/05/2022), para a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil, o jornal “Folha de S. Paulo” ouviu de 169 intelectuais, não só no Brasil, mas também em Portugal, Angola e Moçambique, a resposta para a seguinte pergunta: “Quais são os 200 livros mais importantes para se entender o Brasil?”.
A lista foi surpreendentemente capitaneada por Carolina Maria de Jesus (“Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada”, 1960) que, com 29 indicações, superou pesos pesados do quilate de Guimarães Rosa (“Grande Sertão: Veredas”, 20 indicações), Sérgio Buarque de Holanda (“Raízes do Brasil”, 17 indicações), Gilberto Freyre (“Casa Grande & Senzala”, 16 indicações), Machado de Assis (“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, 16 indicações), Mário de Andrade (“Macunaíma”, 15 indicações), Graciliano Ramos (“Vidas Secas”, 15 indicações), Euclides da Cunha (“Os Sertões”, 12 indicações) e Raymundo Faoro (“Os Donos do Poder”, 10 indicações), além de outras 190 obras de renomados autores que desnudaram a vida e a alma brasileira e são responsáveis por uma síntese do Brasil.
A formação da inteligência nacional, contudo, vai além dos livros essenciais a respeito deste país e seu povo, contidos nas listas citadas. Para os brasilianistas e qualquer pessoa que queira compreender o Brasil, pelo menos duas coleções de livros – as chamadas “brasilianas” – são obrigatórias e complementares. Composta por obras esgotadas, todas elas são ainda encontradas em sebos e livrarias que comercializam livros usados.
A Brasiliana original
A primeira delas é a Brasiliana da Biblioteca Pedagógica Brasileira, série V, cuja 1ª fase foi dirigida pelo intelectual e educador Fernando de Azevedo (1894-1984) para a Companhia Editora Nacional, fundada por Monteiro Lobato (1882-1948) e Octalles Marcondes Ferreira (1901-1973), em novembro de 1925. Lançada em 1931, a publicação desta 5ª série de livros (as outras eram Literatura Infantil; Livros Didáticos; Atualidades Pedagógicas e Iniciação Científica) denominada Brasiliana se estendeu até 1948, e é composta por quase 300 títulos, nas áreas de arqueologia, pré-história, antropologia, demografia, botânica, zoologia, filologia, folclore, geografia, geologia, história, cartas, direito, economia, educação, ensaios, etnologia, medicina, higiene, política e viagens.
Editado em formato reduzido (10 cm x 15 cm) os títulos contemplaram autores brasileiros e estrangeiros que já eram ou tornar-se-iam clássicos, como Saint-Hilaire, Henry Bates, Padre Antônio Vieira, Pandiá Calógeras, Couto de Magalhães, Ruy Barbosa, Visconde de Taunay, Alfredo Taunay, Roquette-Pinto, Josué de Castro, Almeida Prado, Marechal Rondon, Alfredo Ellis Júnior, Oliveira Vianna, Theodore Roosevelt, Ernesto Ennes, Basílio de Magalhães, Washington Luís, Pedro Calmon, Afrânio Peixoto e Luís da Câmara Cascudo, dentre outros. Os livros de viagens de Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) ao Brasil, por exemplo, e várias obras de autores da escola de Ellis Júnior e Alfredo Taunay – que ressignificaram a importância de São Paulo e do bandeirismo paulista –, estão contemplados nessa Brasiliana. Ela é a mais importante coleção sobre o Brasil publicada na primeira metade do Século XX, período em que se dedicou à republicação e à tradução de textos clássicos.
A segunda fase dessa Brasiliana foi dirigida por Américo Jacobina Lacombe (1909-1993), a partir do início da década de 1950, até sua morte, em 1993. Nesse período, Lacombe tentou dar um trato de modernidade na coleção. De acordo com a historiadora Giselle Martinnense (UFF), Lacombe “pensava que o Brasil passava por uma grande produção intelectual [naquele momento] e que era preciso publicar o que havia de novo”, e as páginas da Brasiliana “eram o palco dessas disputas entre o antigo e o moderno [no que se refere à história do Brasil]”. O intelectual só foi bem-sucedido quanto ao ineditismo, contudo, entre 1956 e 1961, voltando a publicar traduções a partir da década de 1960.
Para dar vitalidade à coleção, que padecia certa decadência, o editor organizou um concurso em 1957, a fim de escolher um trabalho de destaque para a edição 300 da Brasiliana. Os jurados foram o próprio Lacombe, juntamente com Florestan Fernandes, Aroldo de Azevedo, Herbert Baldus (nasceu na Alemanha, mas é considerado brasileiro) e Yan de Almeida Prado, “todos intelectuais paulistas muitos próximos da Universidade de São Paulo”. Segundo a pesquisadora, a iniciativa fracassou, pois não se encontrou um trabalho inédito considerado digno de compor a efeméride da publicação, e que “inaugurasse outra Brasiliana, que fosse escrita por brasileiros com textos inéditos”. No ano seguinte organizaram outro concurso, que teve como jurados o próprio editor, além de Sérgio Buarque de Holanda, e outros. O trabalho vencedor foi Medicina Rústica, escrito por Alceu Maynard Araújo, após disputa entre Jacobina e os jurados, em que o editor saiu vencedor.
Na década de 1970 a coleção foi “modernizada”, após um convênio da Companhia Editora Nacional com o Instituto Nacional do Livro, do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Dezenas de títulos foram editados e outros reeditados, agora em formato maior (15 cm x 20 cm), papel mais claro e menos propenso à oxidação, além das capas plastificadas. A Brasiliana publicou livros até 1993, constituindo-se em valioso repositório da inteligência nacional.
Brasiliana Itatiaia-Edusp
As décadas de 1970 e 1980 constituem a segunda época áurea das edições brasilianas. O consórcio entre a Editora Itatiaia, de Belo Horizonte, e a Editora da Universidade de São Paulo deu origem à “Coleção Reconquista do Brasil”, que trouxe a lume mais de duas centenas de livros sobre vários aspectos do conhecimento no Brasil, principalmente, História e, em particular, relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XIX e XX.
Com capas plastificadas e orelhas, miolo costurado e feito com papel nacional pouco propenso à oxidação, as edições em formato 15 cm x 21 cm foram dirigidas por Mário Guimarães Ferri (1918-1985) até o volume 92 e por Antônio Paim, Roque Spencer Maciel de Barros e Ruy Afonso da Costa Nunes a partir do volume 93.
Nas três séries da coleção, podem ser encontradas as obras clássicas dos viajantes Hans Staden, Luiz e Elizabeth Agassiz, Aires de Casal, George Gardner, Emanuel Pohl, Thomas Ewbank, Theodore Roosevelt, John Mawe, Príncipe Adalberto da Prússia, Ferdinand Denis, André Thevet, Barão de Santa Anna Néry, Richard Burton, Luís D’Allincourt, Henri Condreau, Henry Bates, Alfred Wallace, Rugendas, Spix & Martius, Saint-Hilaire, Debret, Hamilton Rice, Daniel Kidder e dezenas de outros viajantes, artistas e naturalistas que singraram o Brasil de Norte a Sul, a partir da chegada da Família Real no país.
Também na coleção, as Cartas Jesuíticas, do Brasil quinhentista, pelos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, além das várias História do Brasil, por João Armitage, Frei Gaspar da Madre de Deus, Adolfo de Varnhagen, Handelmann e Robert Southey. Não falta o clássico “Cultura e Opulência do Brasil”, de André João Antonil, e o imprescindível “Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica” – em três volumes –, de Pedro Taques Paes Leme, que remonta as origens familiares indígenas, mamelucas e ibéricas na Capitania de São Paulo. A antropologia de Câmara Cascudo, os cantos e os contos populares de Sílvio Romero e Mário de Andrade e a botânica do editor, Guimarães Ferri, estão presentes nessa brasiliana.
Para se conhecer o território, as gentes e a inteligência dos inúmeros brasis dentro do Brasil, são necessários a reflexão e os ensaios de centenas de cabeças que pensam a nação desde seus primórdios. As coleções brasilianas da Companhia Editora Nacional e da Itatiaia-Edusp são importantes ferramentas para se compreender este país.