Frequentemente encontram-se referências à hipótese de que as baratas e os escorpiões sobreviveriam a uma eventual hecatombe nuclear que dizimasse a espécie humana e a vida na Terra. A hipótese tem sua razão por analogia com outras cinco extinções massivas já ocorridas durante a história evolutiva deste planeta (ler resenha de minha autoria, no Jornal Opção, sobre o livro “A Sexta Extinção – uma história não natural”, de Elizabeth Kolbert, clicando no link ao final).

Entretanto, dentre as cerca de 1,5 milhões de espécies conhecidas de seres vivos, as formigas se sobrepõem como campeãs de adaptabilidade ao planeta Terra. Surgidas no Período Cretáceo Inferior, há pelo menos 100 a 112 milhões de anos – baseando-se no fóssil da formiga “Cariridris bipetiolata”, o mais antigo já encontrado, descrita pelo mirmecologista (especialista em formigas) Carlos Roberto Brandão, do Museu de Zoologia da USP, e colaboradores – as formigas agregam uma série de predicados que explicam sua adaptabilidade e dispersão bem sucedidas. Escopo de distribuição semelhante só encontra paralelo entre os fungos e bactérias, pertencentes a Reinos distintos dos “Animalia”.

As cerca de 13,5 mil espécies de formigas já descritas, pertencentes à mesma família Formicidae, dentro da Ordem Hymenoptera, dão mostras da adaptação desses seres a todos os ecossistemas terrestres, com exceção dos polos. Habitam continentes e ilhas, solos, gramados, florestas e troncos de árvores, folhas e flores de plantas e ambientes domésticos, conforme se pode constatar nas cozinhas, banheiros, tubos de fiação residenciais e até eletrodomésticos. Uma espécie foi descoberta no túmulo de um faraó, recebendo o nome de “Monomorium pharaonis”, ou formiga-faraó.

A massa de formigas estimada atinge o formidável número de 10 quatrilhões de indivíduos (1016 espécimes) em qualquer tempo, comparável à massa de todos os 7 bilhões de humanos. Em uma floresta tropical, a massa de formigas equivale a 25% da massa total de todas as espécies animais ali existentes. As formigas nidificam no solo, na areia, nas fendas das rochas, nos ramos e plantas, em ninhos feitos de folhas, em troncos de árvores, em ninhos de vespas, abelhas ou pássaros ou nas minúsculas reentrâncias das construções humanas.

Dentre as várias características biológicas que favorecem a adaptabilidade das formigas, pode-se citar a capacidade de fundação massiva de novas colônias, a poliginia das rainhas de algumas espécies (várias rainhas em oviposição), a fundação de novas colônias por fissão de ninhos, as supercolônias e a partenogênese, capacidade que algumas espécies encontram para produzir progênie sem o concurso do macho. Existe na Europa uma supercolônia de formigas que se distribui por vários países, com indivíduos que se reconhecem por emissões de substâncias químicas captadas pelas sensilas antenais das companheiras.

Contudo, a principal característica que explica o sucesso evolucionista das formigas é seguramente a Eusociabilidade, que se caracteriza pela sobreposição de gerações em uma mesma colônia (ovos, larvas e adultos), cuidado cooperativo com a prole e divisão de tarefas. As formigas constituem uma sociedade de castas, em que as centenas de milhares de operárias são fêmeas estéreis, voltadas para o trabalho abnegado em prol da colônia. Em algumas colônias as rainhas são únicas, como no caso das formigas saúva (gênero “Atta”) e quenquéns (gênero “Acromyrmex”), ambas cortadeiras de folhas, com as quais produzem um fungo, rico em proteínas, para a alimentação da prole. Outras espécies, como as formigas antrópicas (as que vivem em residências humanas) são poligínicas, ou seja, há várias rainhas capazes de produzir ovos. Assim, em determinada época do ano, ou sob ameaça de inimigos ou extinção por inseticidas, as rainhas aladas se dispersam e cada uma busca formar um novo ninho. Daí a dificuldade de se eliminar as formigas ditas “caseiras”.

Os poucos machos de cada colônia, alados como as rainhas, são produzidos com a única finalidade de procriar. Após o vôo nupcial, em que 99,5% dos machos morrem por adversidades como vento, predadores, afogamento, desidratação ou de exaustão, os remanescentes procuram uma fêmea para acasalar, inseminando-a para produzir ovos pelo resto da existência da colônia.

Finalizando, volto ao título apenas para afirmar que, por sua adaptabilidade, as formigas certamente são os seres dominantes do planeta Terra, mais que o “Homo sapiens”, devendo sobreviver, em caso de extinção humana. A Teoria da Evolução por Meio da Seleção Natural, de Darwin e Wallace, ao contrário do que se propaga comumente, não preceitua a sobrevivência dos mais fortes, e sim dos mais aptos. Os mais adaptados à sobrevivência em uma situação de extinção massiva, conforme sabemos do evento que dizimou os dinossauros, há 66 milhões de anos, não são necessariamente os mais fortes ou mais inteligentes, características que se aplicavam aqueles que dominaram a Terra por 160 milhões de anos, do início do Jurássico, até o final do Cretáceo. As formigas, mais adaptadas, sobreviveram, enquanto que os dominantes dinossauros foram extintos.

A rotina do interior de um formigueiro, com as divisões de trabalhos entre as várias castas, assim como o cuidado cooperativo que faz com que as formigas rejeitem determinados alimentos “suspeitos”, como algumas iscas formicidas, será detalhada na próxima semana, neste Periscópio.

Acesse a resenha sobre “A sexta extinção”