Limites da Constituição, excessos do Judiciário e o direito de defesa: um olhar jurídico sobre o caso Bolsonaro

11 agosto 2025 às 11h22

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No ordenamento jurídico brasileiro, a regra é a presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal). Medidas cautelares, como a prisão domiciliar ou o monitoramento por tornozeleira eletrônica, são excepcionais e devem estar estritamente fundamentadas, conforme o art. 282 do Código de Processo Penal (CPP), que exige necessidade para aplicação da lei penal, para investigação ou para evitar a prática de infrações penais; – Adequação à gravidade do crime, às circunstâncias e à periculosidade do agente.
No caso Bolsonaro – que tem como eixo principal – a apuração de crimes cometidos pelos atos de 8 de janeiro – a decisão teve como base um vídeo publicado por Bolsonaro em 10 de janeiro de 2023, no qual ele contesta o resultado das eleições de 2022. O conteúdo, já retirado do ar, foi interpretado pelo ministro como um indício de incitação a atos antidemocráticos.
No entanto, a pergunta que surge é: isso basta para justificar a imposição de medidas tão graves, sem sequer uma condenação em primeira ou segunda instância? A resposta pode ser pesos e medidas adversas.
É inevitável a comparação com o caso do atual presidente Lula. Este, à época, foi preso apenas após condenação em primeira e segunda instância, em um processo que tramitou sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
No caso de Bolsonaro, trata-se de medida cautelar imposta monocraticamente, sem que haja sentença judicial transitada em julgado, e sem que tenha sido julgado culpado por qualquer crime em instância alguma. Trata-se, portanto, de um paradigma processual inédito para um ex-chefe de Estado, que exige debate jurídico profundo e responsabilidade institucional.
Embora as decisões do ministro Alexandre de Moraes estejam, em tese, inseridas no âmbito de sua relatoria no Inquérito dos Atos Antidemocráticos, muitas das medidas vêm sendo tomadas monocraticamente, sem análise colegiada imediata pelo plenário do STF.
O Judiciário, em especial o STF, tem por natureza o dever de zelar pela Constituição. Contudo, quando decisões concentradas passam a produzir efeitos de natureza legislativa ou executiva, sem o devido freio dos demais Poderes, é legítima a indagação sobre possível extrapolação de competências, nos termos da Lei n.º 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade).
A Constituição de 1988 estabeleceu um modelo de separação de Poderes. A atuação do STF em defesa da ordem democrática é prevista e necessária, especialmente diante dos atentados registrados em 8 de janeiro de 2023. No entanto, a resposta institucional precisa observar os limites da legalidade e da proporcionalidade.
O ex-presidente Bolsonaro foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base no art. 22, inciso XIV da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar n.º 64/1990). No entanto, a inelegibilidade é passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal, mediante Recurso Extraordinário.
Portanto, a inelegibilidade não está definitivamente consolidada. Há possibilidade jurídica de reversão, desde que o STF entenda por eventual nulidade ou desproporcionalidade da decisão do TSE.
A proposta de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro ganhou força em alguns setores da sociedade e do Congresso Nacional. Caso aprovada uma anistia ampla e genérica, Bolsonaro poderia ser beneficiado, desde que incluído expressamente no texto da norma, conforme art. 5º, XLIII da Constituição e jurisprudência do STF.
Contudo, crimes considerados inafiançáveis ou imprescritíveis – como os previstos na Lei de Segurança Nacional ou contra o Estado Democrático de Direito – não são, em tese, alcançados por anistias genéricas.
Recentemente, entidades americanas anunciaram a inclusão de nomes brasileiros em uma suposta lista de sanções com base na Global Magnitsky Act, legislação dos Estados Unidos voltada a punir autores de violações de direitos humanos e corrupção em escala global.
No entanto, não há no Brasil legislação equivalente em vigor. Portanto, a aplicação da “lei Magnitsky” em território nacional tem caráter político e simbólico, sem efeitos legais diretos no ordenamento jurídico brasileiro, por não ser aplicada no âmbito juridico interno.
Reportagem publicada pela organização Civilization Works afirma que o ministro Alexandre de Moraes teria violado a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ao requisitar, em processos sigilosos, informações privadas de pessoas supostamente envolvidas nos atos de janeiro. A LGPD (Lei n.º 13.709/2018) assegura que o tratamento de dados deve respeitar os princípios da finalidade, adequação, necessidade, segurança e transparência. Qualquer violação a esses princípios, sem autorização legal expressa, pode configurar ilícito administrativo, civil e, em alguns casos, penal.
Essa denúncia deve ser analisada com seriedade, inclusive pelas instâncias de controle externo, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Senado Federal, a quem cabe o julgamento de ministros do STF em caso de crimes de responsabilidade (CF, art. 52, II). O Estado Democrático de Direito não se sustenta apenas pela repressão aos excessos, mas também pela garantia dos direitos fundamentais, inclusive àqueles com quem não se concorda. O combate a discursos de ódio e atos antidemocráticos é imprescindível, mas não pode servir de justificativa para afastar garantias constitucionais básicas.
A atuação do Supremo Tribunal Federal, especialmente em momentos de crise institucional, deve inspirar equilíbrio, cautela e estrita fidelidade à Constituição.
A democracia brasileira precisa, mais do que nunca, do respeito mútuo entre os Poderes e da confiança inabalável no devido processo legal.
*Danúbio Cardoso Remy é advogado, mestre em Direito e especialista em Direito Público e Eleitoral