Judiciário busca penhora de criptomoedas – será possível?

29 maio 2022 às 00h00

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Especialistas do meio afirmam ser quase impossível a realização de bloqueio e penhora de criptomoedas

A penhora on-line sempre foi o meio mais eficaz de se conseguir haver um crédito pelos meios judiciais. Por muito tempo, a penhora on-line era realizada pelo sistema do Bacenjud, onde o magistrado encaminhava a ordem de restrição de valores ao banco, que efetivava e transferia para conta judicial na sequência.
Contudo, era uma penhora que demorava pra ser efetivada, e, no fim, o devedor conseguia “prever” quando a ordem de bloqueio recairia sobre sua conta. Visando a melhora das buscas em contas bancárias, no final de 2020, entrou em operação o Sisbajud, substituto do Bacenjud, que prometia uma penhora mais célere, além da inovadora modalidade denominada “teimosinha” onde o sistema cumpre sucessivamente a ordem de bloqueio, por 30 dias ininterruptos, até que se encontrem valores suficientes para a penhora judicial.
O sistema se mostrou um sucesso quando, em 2021, penhorou cerca de R$ 18.9 bilhões de reais por meio de bloqueio e penhora on-line. Entretanto, muitos credores continuam a ver navios quando se trata de executar seu crédito judicialmente.
Não obstante a isso, alguns advogados começaram com uma inovação sem precedentes no judiciário, o requerimento de penhora de criptoativos junto a corretoras de compra e venda de criptomoedas. Alguns juízes indeferiram o pedido, por não se tratarem de sistemas regulamentados pelo banco central, entretanto, juízes do TJSP têm inovado e deferido o pedido.
Em março, a 11ª Vara Cível de São Paulo decidiu pela penhora de criptoativos de um empresário que deixou de pagar quase R$ 18 milhões em um empréstimo. O juiz determinou o envio de ofício a dezenas de corretoras para que informem sobre a existência de recursos custodiados em nome do devedor.
Em que pese a intenção de pretender o sucesso com a penhora de criptoativos, especialistas do meio afirmam ser quase impossível a realização de bloqueio e penhora de criptomoedas.
Operações com criptoativos, como o próprio nome já diz, são criptografadas, e com um alto nível de risco, consequentemente, com um alto nível de segurança. Dificilmente podem ser hackeadas, tal qual possuem controle das plataformas. A diferença de uma corretora de seguros comum ou de bancos, é que elas funcionam como intermediadoras na compra e venda de ativos financeiros (CDBs, Títulos do Tesouro Nacional, ações na bolsa de valores B3…), entre pessoa física ou jurídica, para com pessoa jurídica pública ou privada. Já as plataformas de criptoativos funcionam apelas como palco de negócios entre pessoas físicas, e de diversas partes do mundo.
Tal operação de negócios funciona através de chaves de segurança, altamente encriptada, onde pessoas do mundo todo negociam a compra e venda de criptoativos (bitcoin, ethereum, litecoin, etc…). Grande parte das plataformas operam em modalidade blockchain, ou seja, um livro razão onde registra as transações, usada para gerar a criptomoeda. Blockchain nada mais é que o sistema que permite o tráfego de dados pela internet, a partir de blocos de dados (código) que carregam informações conectadas.
Ocorre que o blockchain apenas registra a transação de criptomoedas entre os usuários, não tendo poder para interferir na negociação, bloqueá-la, ou retirá-la. Além do mais, é impossível ter acesso ao valor de fato da compra e venda de criptoativos, as plataformas não tem esse “poder”. A única forma de se transferir os valores em criptoativos é por meio de uma chave gerada ao portador titular da conta, e essa chave é protegida por senha, senha essa também encriptada e que somente é de conhecimento do portador, tornando praticamente impossível a penhora de criptomoedas em geral.
Mas há uma luz no fim do túnel aos credores e advogados que atuem em execução. Existe uma exceção que pode ser utilizada. A exceção se dá quando a criptomoeda está delegada a um terceiro, como por exemplo uma exchange ou custodiante. Nesse caso, a corretora poderá, mediante ordem judicial, realizar a penhora se as chaves privadas estiverem em sua posse.
Contudo, essa delegação normalmente ocorre por tempo reduzido, apenas o necessário para realizar operações de compra ou de venda, com retomada imediata da wallet pelo usuário da criptomoeda, e, em alguns casos, mesmo durante as operações, são oferecidos softwares em que o próprio usuário fica com a custódia das chaves.
Nesse contexto, se a corretora não mais estiver custodiando as criptomoedas ou não detiver as chaves privadas, embora possa fornecer informações do usuário, como foi solicitado decisão do juízo da 11ª Vara Cível de São Paulo, não poderá efetivar a penhora ou o arresto e nada mais poderá ser feito, pois a criptomoeda não permite o atendimento de ordem judicial à revelia da vontade do seu titular.
Em sendo o devedor uma pessoa experiente no ramo de criptoativos, sendo um bom conhecedor da nuance de como funciona o sistema e a plataforma, escolhendo a que melhor lhe possibilitar “segurança” torna-se praticamente impossível a penhora de criptomoedas por meio de ordem judicial, vez que, em que pese se localize valores nas contas, não poderão ser transferidas para conta judicial sem a chave de autorização que, em 100% dos casos, pertence ao executado.