A racionalidade jurídica na esperança da lógica bolsonarista

05 abril 2025 às 21h00

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Adequação e razoabilidade estão, segundo o jurista Português Joaquim Gomes Canotilho, como o princípios que norteiam que as decisões e ações devem ser racionais e lógicas. Racionais porque devem seguir um prisma jurídico de adequação e justa medida, lógico porque deve ser tratado filosoficamente como forma de pensamento geral formado por convenções, regras e hipóteses.
É certo que, após recente decisão de admissibilidade da denúncia, o Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar uma das ações mais emblemáticas da história recente do Brasil.
A Corte analisará as denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus aliados, sob a acusação de tentativa de golpe de Estado e outros crimes correlatos. A denúncia decorre de investigações realizadas no âmbito da Operação Tempus Veritatis, que examina uma possível trama para derrubar o processo democrático e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022.
Segundo as provas reunidas, Bolsonaro e um grupo de militares, políticos e assessores teriam discutido a implementação de medidas inconstitucionais para se manter no poder. No total, 34 indivíduos foram acusados, contudo, a PGR optou por dividir a acusação em blocos de julgamento.
As investigações sugerem que o grupo teria disseminado informações enganosas sobre o sistema eleitoral, realizado investidas contra as instituições democráticas e incentivado condutas antidemocráticas que resultaram nos atos de 8 de janeiro de 2023 nas sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Além disso, a Procuradoria-Geral da República atribui a Bolsonaro e seus aliados a conspiração para um golpe de Estado, chefiar uma organização criminosa armada, eliminação violenta do Estado Democrático de Direito, provocar dano significativo ao patrimônio da União e provocar a deterioração de bem cultural protegido.
A Procuradoria solicita pedidos para aplicação de multas e outras sanções penais, as penas podem somar mais de 40 anos de reclusão. Há também a possibilidade de perda de direitos políticos, e que os envolvidos sejam obrigados a indenizar os cofres públicos pelos prejuízos gerados durante os atos antidemocráticos.
A acusação fundamenta-se em um conjunto de evidências que incluem gravações de encontros, mensagens interceptadas, documentos confiscados e depoimentos de testemunhas que confirmam a existência de um esquema para obstruir a transição democrática do poder.
Em casos desse tipo, somente o Ministério Público tem a competência para apresentar a acusação oficial. Como o processo está no STF, essa responsabilidade recai sobre a Procuradoria-Geral da República, o órgão do MP encarregado de atuar perante o Supremo.
O Supremo Tribunal Federal aprovou a admissibilidade da denúncia que transformou em uma ação penal, tornando Bolsonaro e os demais investigados réus.
O sistema jurídico não permite recurso contra a aceitação da denúncia. Contudo, a defesa pode recorrer a um instrumento chamado embargos de declaração, no qual são solicitados esclarecimentos sobre determinados aspectos da decisão.
Se a Corte acolher a acusação, será instaurado um procedimento penal e uma nova audiência será agendada. Antes dessa etapa, ocorrerá toda a fase de instrução, com depoimentos dos réus e das testemunhas, além de novas evidências e exames periciais, se necessário. Durante esse intervalo, as defesas terão prazos para apresentar suas manifestações, e testemunhas indicadas tanto pela acusação quanto pela defesa serão ouvidas. Caso a denúncia seja rejeitada, o processo é encerrado.
Independentemente do resultado, o julgamento das acusações contra Bolsonaro e seus aliados será um divisor de águas na história do Brasil e um teste para a força do Estado Democrático de Direito. O país observará atentamente os próximos passos do STF e as repercussões que essa decisão poderá trazer para o cenário político nacional.
Voto de Fux
O voto do ministro Luiz Fux traz a linha da racionalidade jurídica. Cria uma linha de pena mais branda, sem prisão, mas com inelegibilidade estendida. Como explicar ser possível?
Fux começou o voto com ponderações e sinalizando divergência. O ministro faz uma análise acerca da dosimetria da pena. “”Em determinadas ocasiões, me deparo com uma pena exacerbada”, afirma.
O eixo central no voto de Fux foi o sentido de saber se houve a tentativa de golpe e crime consumado. “Se o legislador cria um crime tentando como consumado […] todo crime tem atos preparatórios, todo crime tem tentativa, está na lei. Tudo isso vai ser avaliado”, disse ele.
Portanto: abriu o eixo sobre se o 8 de janeiro aconteceu. A trama golpista passará, então, por uma nova rota jurídica, em que as penas podem ser reduzidas, e o atentado ao Estado Democrático de Direito poderá ser desclassificado, ou para crime não consumado, sem a validação legislativa de crime impossível na forma tentada, ou, em hipóteses para crimes de menor vulto: como vandalismo, depredação do patrimônio público e histórico.
A defesa de Bolsonaro, através do advogado Celso Vilardi elogiou posicionamento do ministro ao questionar dosimetria das penas do 8 de Janeiro e crime de tentativa de golpe. Isso porque, o ponto de partida da lógica bolsonarista combate a tese da Procuradoria Geral da República de que os atos anti-democráticos não foram orquestrados pelos agora réus.
O fato da semana foi a negativa de prisão de Bolsonaro, em decisão do próprio Alexandre de Moraes, acenando que essa não é a vontade da Corte, desde que ele, o próprio ex-presidente, desinflame os atos pós 8/1. As mensagens de que o “Brasil pode parar”, ou que os “EUA deverão retaliar diplomaticamente o Brasil” só confirma a certeza dos riscos à instabilidade política, o que afeta, a ordem jurídica.
DANUBIO CARDOSO REMY ROMANO FRAUZINO é advogado, mestre em Direito e especialista em Direito Eleitoral.