Yunchan Lim: quando o essencial se torna extraordinário
17 dezembro 2025 às 15h11

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Yunchan Lim tem apenas 21 anos e já ocupa um lugar de destaque no imaginário da nova geração pianística. O pianista sul-coreano, tornou-se conhecido mundialmente em 2022 ao vencer, aos 18 anos, o Concurso Internacional de Piano Van Cliburn, feito histórico que o consagrou como o mais jovem vencedor da competição. No ano seguinte, assinou contrato exclusivo com o selo Decca, marco que confirma não apenas uma promessa, mas uma carreira em plena consolidação.
Não deixa de ser significativo, contudo, que mais uma vez um jovem pianista homem ocupe o centro dos grandes pódios internacionais. Em coluna recente, discutimos como a história do piano, apesar de sua forte associação simbólica às mulheres, consolidou, ao longo do século XX, uma lógica de consagração majoritariamente masculina, sobretudo nos concursos, nas grandes carreiras e nos circuitos de prestígio. A trajetória de Yunchan Lim não se explica por esse dado estrutural, mas tampouco está dissociada dele. Seu sucesso convida, portanto, não à negação do talento evidente, mas à reflexão sobre os mecanismos que continuam a moldar quem é visto, ouvido e legitimado no cenário global.
No entanto, mais revelador do que os prêmios, os números ou a velocidade de sua ascensão é a natureza de sua musicalidade. Em um mundo frequentemente seduzido pelo excesso de gestos, de velocidade, de efeitos, Yunchan Lim chama atenção justamente pelo contrário, pela contenção, pela escuta profunda, pela fidelidade ao essencial.
Isso se evidencia de forma quase simbólica quando, em um bis, escolhe Autumn Leaves. Trata-se de uma canção simples, amplamente conhecida, quase um lugar-comum do repertório popular. Ainda assim, nas mãos de Yunchan, ela se transforma em um espaço de refinamento sonoro e de atenção absoluta ao gesto musical. Nada é exagerado, nada soa afetado. Cada nota parece escolhida, cada silêncio, respeitado. O que se ouve é música bem tocada, e isso, hoje, é tudo menos banal.

Há nele um raro equilíbrio entre naturalidade e precisão, entre espontaneidade e rigor técnico. Um senso musical que, em geral, associamos a intérpretes muito mais experientes, amadurecidos por décadas de palco. A Maestra Marin Alsop, presidente do júri do Cliburn, resumiu com precisão:
“Yunchan é aquele raro artista que une musicalidade profunda e técnica prodigiosa de forma orgânica.”

Não há separação entre meio e fim: a técnica está sempre a serviço da ideia musical. Sua interpretação dos Estudos Transcendentais de Liszt, apresentada na semifinal do concurso, causou forte impacto na critíca internacional. A Gramophone falou em “virtuosismo inteligente” e “imersão total na linguagem de Liszt”. Já no concerto final, com o Concerto nº 3 de Rachmaninov, o reconhecimento foi imediato com aplausos intermináveis, um vídeo que se tornou viral e entrou para a lista das dez melhores performances de música clássica de 2022 do The New York Times. Mais do que um fenômeno de internet, tratava-se do nascimento público de um intérprete singular.
Desde então, Yunchan Lim tem se apresentado nas mais importantes salas de concerto do mundo como: Carnegie Hall, Wigmore Hall, Concertgebouw, Suntory Hall, e com algumas das principais orquestras internacionais. Ainda assim, o que permanece constante é sua postura artística e o compromisso radical com a música, sem concessões ao espetáculo midiático.
Em uma entrevista após o Cliburn, ele afirmou:
“Decidi que viverei minha vida apenas pela música e que abrirei mão de tudo por ela. Quero que minha música se aprofunde e, se esse desejo alcançar o público, ficarei satisfeito.”
A frase poderia soar grandiloquente se não fosse confirmada, nota a nota, em suas interpretações. Talvez seja exatamente isso que explique por que Yunchan Lim se tornou referência tão rapidamente. Ele faz o básico, tocar com atenção, escutar o som, respeitar o texto, buscar sentido com uma qualidade extraordinária. E, em tempos de pressa e excesso, essa escolha silenciosa pela profundidade não apenas impressiona, renova a esperança de que a música, quando tratada com seriedade e sensibilidade, ainda é capaz de dizer muito.
Vamos ouvir o Concerto para Piano nº 3 em ré menor, op. 30, de Serguei Rachmaninov, na interpretação de Yunchan Lim, sob a regência de Marin Alsop com a Orquestra Sinfônica de Fort Worth em 17 de junho de 2022.
Vale observar especialmente essa obra repleta de armadilhas técnicas, acordes massivos, saltos extremos, passagens de resistência física. Em vez de enfatizar o virtuosismo como espetáculo, Yunchan o integra naturalmente ao discurso musical. A técnica impressiona justamente por não se impor.
Mais do que uma performance “brilhante”, esta leitura de Yunchan Lim revela consciência estrutural, escuta refinada e profundidade expressiva. Trata-se de uma interpretação que impressiona não pelo impacto imediato apenas, mas pela sensação rara de que tudo está no lugar, um equilíbrio que costuma ser fruto de longa maturação artística. É justamente isso que torna este registro histórico, não apenas o nascimento de uma estrela, mas a afirmação precoce de um intérprete que já pensa a música em grandes proporções.
