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Goiânia tem no dia 20 de agosto uma data que marca o nascimento de duas mulheres que se tornaram símbolos da cultura goiana e brasileira: Cora Coralina e Nhanhá do Couto. Duas trajetórias distintas, mas igualmente marcadas pela coragem de transformar sua realidade em arte e legado.

Ana Lins dos Guimarães Peixoto, a poetisa Cora Coralina (1889–1985), precisou esperar a maturidade para ter sua obra publicada. Tornou-se, aos 75 anos, uma das vozes mais potentes da literatura brasileira, lembrando-nos que a palavra não envelhece e que a sensibilidade feminina pode ser uma força transformadora.

Já Maria Angélica da Costa Brandão, conhecida como Nhanhá do Couto (1880–1945), fez da música e da educação instrumentos de emancipação cultural. Pianista, cantora lírica, professora e promotora cultural, criou orquestras, grupos de teatro e música, alfabetizou crianças e adultos. Seu nome está inscrito na história não apenas pela atuação musical, mas por ter fundado bases sólidas para o ensino e a difusão da arte em Goiás. Sua influência se perpetuou na neta, Belkiss Spencière Carneiro de Mendonça (1928 – 2005), que consolidou o sonho da avó ao liderar o grupo da criação do Conservatório Goiano de Música, núcleo originário da atual Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás. Musicista reconhecida internacionalmente por seu talento, Belkiss projetou o Brasil com seus concertos, sempre valorizando e divulgando a música brasileira. 

Para que a memória não se apagasse, em 1946 o professor Joaquim de Carvalho Ferreira instituiu um recital anual em homenagem à Nhanhá do Couto, realizado sempre no dia 20 de agosto, data do aniversário de Nhanhá. Desde então, por 79 anos ininterruptos, Goiânia tem se reunido para celebrar essa herança musical. Trata-se de uma tradição rara, que preserva a memória e afirma o papel decisivo da mulher na construção da identidade artística goiana.

Neste ano de 2025, o recital acontece no Centro Cultural UFG, às 20 horas, com entrada franca. A pianista Ivani Venturieri, intérprete goiana de sólida carreira internacional, formada pela EMAC-UFG na classe da professora e pianista Glacy Antunes de Oliveira, e pelo Mozarteum de Salzburgo, será a responsável por dar continuidade a esse elo entre passado e presente. Sua trajetória, marcada por atuações em orquestras nacionais e europeias, gravações e docência em instituições de prestígio, reforça a dimensão universal do legado iniciado por Nhanhá do Couto.

A coincidência de datas entre Cora Coralina e Nhanhá do Couto nos convida a refletir sobre a força da mulher goiana. Uma, pela palavra poética que brotou das margens do Rio Vermelho; outra, pela música a partir do ensino e dos saraus domésticos. Juntas, mostram que a arte, quando semeada com persistência e coragem, se torna herança duradoura.

Belkiss Spencière Carneiro de Mendonça (1928 – 2005)

O dia 20 de agosto, portanto, não é apenas uma data no calendário cultural: é um símbolo de resistência, criação e continuidade. Ao lembrar de Cora e Nhanhá, celebramos não apenas duas vidas, mas a presença indubitável da mulher na tessitura da cultura goiana e brasileira.

Vamos ouvir a pianista Belkiss Spencière Carneiro de Mendonça, neta da influente pianista e professora Nhanhá do Couto.  Desde 1946, Belkiss se dedicou ao estudo aprofundado e à promoção da música brasileira, transmitindo conhecimento por meio de gravações, recitais, publicações, workshops, master classes e palestras. Em 1984, ela gravou um disco com as Dez Valsas de Camargo Guarnieri, e, aqui ouviremos a “Valsa No.  3”.

Observe!  Na Valsa nº 3 o termo com moleza sugere leveza, suavidade e flexibilidade no fraseado. Fique atento, embora Guarnieri seja conhecido por sua brasilidade, aqui o centro está mais no refinamento das harmonias, com cromatismos e ambiguidade funcional evocando um ambiente introspectivo, menos obviamente nacionalista, mas ainda carregado de sensibilidade.