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Morreu na última sexta-feira, 22 de agosto, no Rio de Janeiro, aos 86 anos, Miguel Proença, pianista, gestor, professor e, sobretudo, um apaixonado pela música brasileira. Sua vida é uma história de dedicação à arte e de insistência em mostrar que o piano, mesmo com raízes europeias, podia e devia dizer muito sobre o Brasil.

Nascido em Quaraí, no extremo sul do país, filho de farmacêutico, Proença chegou a formar-se em Odontologia. Mas foi um piano ouvido ao acaso, vindo de um casarão da pequena cidade, que despertou a paixão que o acompanharia por toda a vida. Estudou no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e na Alemanha com mestres como: Homero de Magalhães, Eliza Hansen, Yakov Zak e Karl Engel, mas nunca perdeu o sotaque musical do seu lugar de origem.

Ao longo de seis décadas, Miguel fez carreira internacional, mas construiu também um repertório que prestigiou os compositores nacionais. Gravou a integral para piano de Lorenzo Fernandez e de Alberto Nepomuceno, as Cirandas de Villa-Lobos, obras de Guerra-Peixe, Camargo Guarnieri, Radamés Gnattali e Marlos Nobre. Seu monumental projeto Piano Brasileiro, em 10 CDs e duas grandes turnês pelo país, ainda hoje é referência para estudantes e ouvintes.

Foi um dos primeiros pianistas a levar esse repertório ao grande público em recitais, gravações e programas de rádio. Costumava dizer, em entrevistas, que não fazia concessões de repertório: tocava no interior do Brasil o mesmo programa que apresentava em um grande centro. Em uma dessas ocasiões, contou que, após um concerto em Caruaru, um menino de 12 anos se aproximou e lhe disse:

Integral da obra para piano de Lorenzo Fernandes | Foto: Reprodujção

“Moço, eu também quero ser crente”

Para Proença, naquele instante, o garoto havia descoberto sua religião: a música.

Miguel Proença também foi gestor incansável. Presidiu a Funarte, dirigiu a Sala Cecília Meireles, a Escola de Música Villa-Lobos, foi Secretário de Cultura do Rio de Janeiro e fundou a Orquestra de Câmara da Cidade do Rio. Na sala de aula, ensinava que, além da técnica, o essencial era a imaginação sonora e o fraseado. Costumava repetir:

“O público não quer apenas perfeição técnica. O público quer a emoção da música.”

Sua trajetória deixa clara a convicção de que a música é também um bem coletivo, que precisa ser cultivado e compartilhado. Ao dirigir instituições, Miguel pensava em como aproximar novos públicos, acreditando que a música de concerto podia emocionar tanto em uma grande metrópole quanto em um pequeno auditório do interior.

Amigos e colegas lembram sua simpatia e entusiasmo. A perda de sua esposa, a pianista Marly Lisboa, durante a pandemia, abalou-lhe o ânimo nos últimos anos. Internado há meses, não resistiu às complicações de saúde. Deixa três filhos e uma legião de discípulos, colegas e ouvintes que o admiravam.

Miguel Proença | Foto: Reprodução

O velório foi realizado no último domingo, 24/08, na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, espaço que ele  foi um dos diretores.

Mais do que um pianista, Miguel Proença foi um tradutor do Brasil através do piano, um artista que acreditava que a música não se impunha pela força, mas se revelava pela persistência, pela ternura e pela emoção. Sua ausência deixa um silêncio que só poderá ser preenchido com suas lembranças.

Ouviremos o pianista Miguel Proença interpretando a Valsa “Expansiva” de Ernesto Nazareth (1863 – 1934) em gravação realizada pela TV Cultura nos anos 80. Fique atento à interpretação de Proença, pianista que traz para o piano todo o seu entusiasmo e sensibilidade.