Livros como forma de presentear e elogiar
11 dezembro 2024 às 16h20
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Continuo repetindo que minha visão de mundo será sempre pelos livros. Então nessa época em que se aproxima as datas comemorativas que costumamos presentear, acredito e defendo que dar ou ganhar livros de presente, não é só uma bonita gentileza, mas é um baita elogio.
Portanto, penso em alguns títulos que poderiam ser presenteados e que dificilmente não agradariam a todo tipo de leitor.
“Memphis” é minha primeira sugestão. É um livro simples, de beleza singular, delicado, mas que sua narrativa continua reverberando por essa simplicidade, mas sem deixar de falar sobre assuntos tão pesados quanto racismo, violência e abuso.
Alternando os pontos de vista entre 3 gerações de mulheres negras, a história se passa de 1930 aos anos 2000. Assim, vemos Miriam retornando a sua cidade natal, Memphis, com suas duas filhas para a casa que era de seus pais, após uma separação tumultuada. Na casa, agora vive sua irmã August e seu filho.
É delicado porque vemos como uma família pode ser cheia de afeto, amor, mas também de encontros perturbadores e silêncios doloridos. Um livro de estreia bonito demais, cheio de cadência, com uma trama complexa, mas lírica. Que fala de dor, perdas, racismo, mas também de beleza e esperança.
Outro livro que adorei demais e foi uma das melhores leituras que fiz em 2023, é o belíssimo “Humanos exemplares”. Juliana Leite, a autora desse livro, tem uma beleza na escrita, que até me deixa comovente. Sem rebuscamento, ou frases de efeito, sua narrativa é delicada.
Natália, uma senhora, vai revivendo sua vida e seus amores através de suas memórias, já que é a única sobrevivente de um grupo de amigos. E que coisa linda é seu buquê de afetos e a construção narrativa que nos permite acompanhar com delicadeza os pormenores dessa vida.
Uma trama toda construída em sutilezas: nada é dito as clara (e daí talvez a beleza), mas tudo sentido: o fato da filha morar longe, a ausência da mãe na vida da filha (nunca dito, mas pressentido por ambas), tudo é “sentido” através de sofrimentos, culpas e redenções.
Simples, singular, é uma das leituras mais belas que fiz, ao resgatar essa beleza da inevitabilidade da velhice e toda a lindeza que provém de uma vida bem vivida.
“A rua” foi outro livro que terminei de ler completamente impressionada tanto com a escrita quanto com o final surpreendente. E essa rua é o Harlem dos últimos anos da Segunda Guerra Mundial.
Aqui, o cenário e personagem principal é essa rua, a 116th Street, que é a representação de tudo de ruim que a personagem Lutie Johnson, uma mulher negra, mãe solteira de um menino de 8 anos, acredita existir e representar: racismo, sexismo e pobreza, e o efeito devastador deles.
Inspirada por Benjamin Franklin, ela acha que “qualquer um poderia enriquecer se quisesse, se trabalhasse duro o suficiente.” No entanto, a realidade de uma mãe solo, negra, é bem diferente. E assim, a autora Ann Petry faz perspicazes críticas sociais.
Através dessa narrativa, vemos a dureza de uma mulher negra, que a vida foi dura demais com ela, e não sabe ser de outro jeito.
Mas o principal aqui, é o final extremamente surpreendente e avassalador.
Outra sugestão é um gênero literário que adoro: HQ. E a dica é o “Escuta, formosa Márcia”, que é uma preciosidade do Marcelo Quintanilha.
Contando a história de Márcia, uma enfermeira nascida e criada em uma comunidade no Rio de Janeiro, ela tem uma vida já corrida e complicada, mas que piora ainda mais quando sua filha Jaquelline se envolve com o crime organizado.
Com uma narrativa inteligente, perspicaz e engraçada, Quintanilha nos faz ao mesmo tempo rir, chorar, desesperançar e nos surpreender.
Rimos com os diálogos entre Márcia e Jaquelline, mas ao mesmo tempo nos surpreendemos com a leitura certeira dos meandros do Brasil marginalizado.
A sutileza com que Quintanilha conseguiu mostrar, através dos seus desenhos, como a maior parte dos problemas da classe baixa brasileira passam ao largo do que é noticiado, é de uma delicadeza e beleza singular. E está ali, na labuta de todo dia.
Um livro muito bonito, daqueles que, ao terminar a leitura, deu vontade de falar para todo mundo.
E se você gosta de romances policiais, acredito que deva ler, sem demora, “O seminarista”, de Rubem Fonseca.
O narrador, José, é um assassino profissional que decidiu se aposentar precocemente. Considerado o melhor na sua profissão, ele tem o apelido de “Especialista” por sua precisão ao executar os serviços encomendados.
Ao acumular uma boa grana ao longo dos anos matando pessoas de maneira fria e calculista, José, por outro lado não aceita violência contra as mulheres e os animais, é um apaixonado por livros, filmes e música e fala latim fluentemente (idioma aprendido quando ele era um seminarista). Ao decidir levar uma vida calma e longe do crime, ele decide se aposentar.
Porém, seus planos duram pouco. Inimigos do passado passam a perseguir José e sua nova vida fica ameaçada.
Rubem Fonseca talvez seja o maior expoente da literatura policial brasileira, e o que eu mais gosto é que ele é um escritor totalmente urbano, onde seus personagens são pessoas comuns, homens e mulheres do cotidiano.
Sua narrativa é forte, que conta o cotidiano terrível e incômodo das grandes cidades, em um texto enxuto e seco. E aqui temos uma leitura fluída, viciante e bem eletrizante, que você lê em um fôlego só.
Por fim, tenho um certo apreço por Haruki Murakami. E gosto bastante do realismo mágico que é característico do autor. Mas “Sul da fronteira, oeste do sol”, é uma das obras mais realistas do autor, caso raro.
Ele adora personagens introspectivos, solitários, com enorme apego á memórias e um egoísmo nato. E aqui, temos um protagonista totalmente sem direção, caracterizado desde o inicio por enormes faltas: a falta de um irmão na infância/adolescência e depois a falta de um norte, demonstrado por um apego e memória ao passado.
Outra característica de Murakami é como ele trabalha o processo de amadurecimento dos personagens, e gosto bastante disso. Gosto também como ele constrói muito bem uma certa poética da ausência, mostrando que apesar da tristeza, tem uma beleza contida ali.
Mas já aviso: ler Murakami é estar ciente da falta de respostas e finais abertos, e que nós iremos chegar as nossas próprias conclusões sore o que é “real” ou não.
Livros podem ser uma ótima opção de presente de amigo secreto, ou um elogio especial para alguém. Venha até a Palavrear, uma livraria de rua, independente, que você irá encontrar ótimas sugestões de leitura e também para presentear.