Fico pensando em como é fascinante para um leitor conhecer um lugar que parece ter saído das páginas de um livro que gostou muito. E essa foi a minha experiência ao conhecer Atenas depois de ter lido “A ilha das árvores perdidas”, da britânico-turca Elif Shafak.

Ele é narrado por uma narradora pouco usual, e sob duas perspectivas: a de Ada, uma adolescente que busca entender sua própria identidade através da história dos pais; e a de uma figueira, que nos conta sobre duas histórias de amor entrelaçadas por uma guerra civil entre gregos e turcos, e fatos muito interessantes sobre árvores, principalmente as figueiras.

O livro apresenta, de forma poética e bem pouco convencional, a busca de Ada por desvendar o passado de seus pais, um casal que veio do Chipre por causa de uma guerra civil, para viver em Londres.

Tragédias históricas e histórias de amor em meio a violência étnico-religiosa, são o pano de fundo para a origem de Ada, que vamos descobrindo através da perspectiva de mundo da figueira.

A falta de informação sobre suas raízes, a história de seus pais, leva Ada em busca por suas origens, o que causa nela sempre essa sensação de não-pertencimento, de desconforto em relação a seu lugar no mundo.

E isso para que Ada, através da história de seus pais, consiga entender quem ela é e pode vir a ser, construindo a sua própria história.

Quando temos a história narrada pela figueira, lemos de um ponto de vista interessante, o que nos causa uma certa estranheza, pelo narrador tão inusual. Mas ao mesmo tempo, nos gera tanta proximidade, já que essa narradora nos dá uma “aula” de botânica e experiência de mundo, que todos deveriam ter tido.

Narradores não convencionais nos desafiam, nos gera ao mesmo tempo empatia e estranhamento. Esse estranhamento e empatia que a narrativa da figueira nos causa, gera ainda mais interesse e emoção nessa busca por identidade dos personagens.

Esses capítulos são belíssimos e seria útil na preservação do meio ambiente. Fiquei maravilhada sobre os conhecimentos acerca das árvores que esse livro nos dá. Na minha humilde opinião, informações que deveríamos aprender na escola.

Além de uma visão linda e poética de mundo! E eu te desafio a terminar essa leitura e não querer uma fícus em casa.

A figueira tem vasto conhecimento sobre a história da humanidade, e foi através dela que entendi um pouco mais sobre o conflito entre gregos e turcos. E fico sempre impressionada como sabemos tão pouco de guerras que devastam tanto o mundo de outras pessoas.

O Chipre foi alvo de ocupações ao longo de sua história pela proximidade com o Oriente Médio, o norte da África e Europa. Por séculos, os gregos tiveram forte influência na ilha, sendo até hoje maioria étnica do país.

Ao anexarem o Chipre, os britânicos intensificaram os laços com a Grécia e o Chipre. Ao batalharem por sua independência, os cipriotas viram os britânicos se unirem aos turcos (que eram 20% da população), assim foram instigados a rever e defender os seus direitos na ilha.

Resultado? Os turcos passaram a se opor à união com a Grécia. Seu objetivo passou a ser dividir o Chipre em duas partes.

Foi uma guerra civil, étnico-religiosa. Muitos veem a ilha como uma extensão da Grécia e gostariam de uma união formal.

As feridas profundas que guerras causam são mostradas de forma muito concreta aqui, e a forma como a autora escolheu para contar, emociona em diversos trechos.

Eu, uma eterna apaixonada por livros, sempre me impressiono e encanto em como aprendo história de mundo pelos livros. A literatura é isso: dar voz aos silenciados, ao que não sabemos.

Mas vamos ao paralelo do livro com Atenas, além da proximidade cultural. Atenas é repleta de charmosas ruas com todos os tipos de restaurantes, mas um em especial chamou a atenção: sem telhado, repleto de plantas, flores, árvores e quadros, o “Cuba psiri” pareceu ter sido a inspiração de Elif para o “Figueira Feliz”, o restaurante do livro.

Assim como no restaurante que conheci em Atenas, o “Figueira feliz” tinha no cardápio a deliciosa baba ghanoush com tahini, servido com pão pita (tipo um pão sírio) e a maravilhosa salada grega, com queijo feta.

 A carne de porco assada com orégano selvagem, a mousaka picante… tudo idêntico ao restaurante real.

Ao chegar no restaurante, realmente fiquei emocionada, ao ver ali uma reprodução quase fiel de um lugar que vi descrito em uma das histórias mais bonitas e tristes de amor que já li.

Um livro muito bonito, que traz uma visão de mundo tão diversa, complexa e interessante!

 “As pessoas acham que é uma questão de personalidade, a diferença entre otimistas e pessimistas. Mas eu acredito que tudo se resume a uma incapacidade de esquecer. Quanto maior a capacidade de retenção, menores serão as chances de ser otimista. (…)”

A segunda história de amor do livro, tendo como pano de fundo o relacionamento proibido entre homossexuais e também entre turcos e gregos, é de uma delicadeza sem fim. A relação, coadjuvante do enredo dos pais de Ada — mas que permeia todo o livro —, é a de Yusuf e Yorgos, e é uma pena que tivéssemos tão pouco dela. Um desfecho que nos despedaça por ser tão real, tão contemporâneo e ao mesmo tempo tão arcaico.

Ao terminar a leitura, fiquei pensativa como é para Ada ser fruto de um romance com muito amor, mas também muitas feridas e fendas históricas?

Bonito também ver a força dos nomes. A força dos significados que cada nome traz para a vida dessa pessoa.

Um livro bem escrito, com uma vasta pesquisa sobre as árvores, para dar voz a essa narradora inusitada e tão imprescindível para o livro. E que me deixou tão pensativa a cerca de como tragédias históricas são pano de fundo para vivências e dramas pessoais.

Muito bonito! mostrando que nem sempre as relações familiares, mesmo com muito amor, são fáceis!

As histórias das guerras sempre tão dolorosas para quem fica, independente de que lado estão.