A Livraria Palavrear acabou de fazer 7 anos, e como belamente disseram, 7 anos para uma livraria de rua é como 91. Pois nessa guerra dos livros, as livrarias de rua são as mais prejudicadas. Os e-commerce vendendo a preços obscenos e eventos universitários onde as editoras praticam preços muito aquém do que fazem para as próprias livrarias, os descontos que são oferecidos ao leitor final, as livrarias de rua não conseguem acompanhar.

Para evitar o predatismo, estamos lutando pelo respeito ao preço de capa, que é a Lei Cortez, onde os lançamentos devem ter o mesmo preço por 12 meses. Mas enfim, vamos ao que pensei em realmente em escrever nesse espaço.

Poderia ser sobre o aniversário da 7 anos da Livraria Palavrear, que acabamos de completar na última quinta-feira. Poderia ser sobre os eventos em comemoração a esse aniversário: o jazz com Fabiano Menezes, Marcelo Maia e Fred Valle, em uma noite linda aqui na livraria, seguido pela nossa já tradicional feira de livros promocionais, que acontece todo ano, no dia 24 de outubro, como um presente para a cidade e para nossos clientes/amigos, que fazem a Palavrear junto com a gente, e finalizando em um sarau, sábado, no jardim, em uma feirinha de troca de livros, mostrando que a literatura é isso, pulsante, viva, dinâmica.

Ou ainda escrever sobre um livro que acabei de ler e não me canso de indica-lo, na Palavrear e com todo mundo que converso (e que vai ficar para uma próxima coluna).

Mas decidi falar, ou melhor, escrever, sobre um tema que a dias venho pensando: em livros que gosto de indicar, mas confesso que não sei se gosto.

Assim, aqui estão quatro livros para os quais inventei essa nova categoria, a de livros que talvez eu goste:

  • Estação atocha – Bem Lerner
  • A terceira vida de Grange Copeland – Alice Walker
  • Tudo de bom vai acontecer – Sefi Atta
  • Indígenas em férias – Thomas King

Estação Atocha, um livro que ainda me pergunto se gostei ou não: tem uma escrita diferente, daquelas que devemos ter cuidado para não perder nenhum detalhe.

Adam Gordon é um americano vivendo em Madri com um bolsa de estudos. Se diz poeta, mas passa mais tempo flanando e fumando pelas ruas do que propriamente escrevendo.

A princípio, ele nos parece um personagem intragável, mas ao longo da narrativa percebemos que tudo que ele faz, ou deixa de fazer, são maneiras de disfarçar sua insegurança e ansiedade.

Um livro simples, vemos que Adam é bem fruto da sua geração: aquela que não consegue vivenciar os momentos que está vivendo, seja emocional ou material.

Como uma espécie de observador externo do próprio momento em que vive. Isso define bem o Adam.

É escrito de maneira muito sincera, e é uma leitura divertida. Faz várias referências a obras de arte, literatura e acontecimentos históricos. Mas ainda não sei se gostei.

Já em A terceira vida de Grange Copeland, acredito que o livro tenha desempenhado sua função, pois vira e mexe, me vejo pensando nessa história escrita de maneira tão crua, como uma narrativa carregada de tensão, que mesmo ao fim da leitura, não terminou em mim.

Racismo, machismo, violência contra a mulher, dificuldade de romper ciclos de violência, tudo isso está aqui, no primeiro livro da autora do famoso “A cor púrpura”, Alice Walker.

Nos Estados Unidos pós-guerra civil, vemos os resultados psicológicos e traumáticos de uma exploração e violência que não terminou com o sistema escravocrata.

As insatisfações dos homens no livro são todas descontadas nas mulheres, sejam esposas ou filhas dos personagens, mostrando que o patriarcado é o sistema dominante, sempre, sobre as mulheres.

Gosto como Alice Walker mostrou a origem da violência dos personagens, ao mesmo tempo em que não usa desse passado para justificar a violência que esses personagens perpetuam no presente, passando de oprimido a opressor.

Não foi um livro fácil nem otimista, e nos mostra a violência direta, crua, real.

Outro livro dessa categoria de livros que não sei se gosto, mas acho que você deve ler, é o Tudo de bom vai acontecer, de Sefi Atta.

Durante a leitura, a impressão que tinha era de alguém me contando, enquanto tomávamos um café, os últimos acontecimentos políticos e como foi a vida em Lagos, na Nigéria. O contexto político marcado pela corrupção, ditadura militar e opressão de gênero na Nigéria dos anos 70 e 80.

Quem nos conta essa história é Enitan, que começa aos 11 anos e vai narrando até a vida adulta. É legal ver como Enitan vai se desconstruindo ao longo da narrativa: de uma menina que perpetrou o machismo estrutural em que foi criada, a uma mulher que luta pela liberdade e independência financeira, mesmo que isso lhe custe seu casamento e convívio com aqueles que ama.

Enitan me fez pensar muito sobre o papel da mulher nos serviços domésticos. Como a gente emancipa a mulher deles sem colocar alguém no lugar? Não substituindo pessoas, mas padrões de comportamento.

A mesma temática abordada por Chimamanda em “Meio sol amarelo”, mas de uma perspectiva totalmente diferente.

De todos que citei até agora, o que eu mais tenho dúvidas se gostei ou não, é Indígenas em férias. Thomas tem uma escrita cheia de humor e ironia, e já subverte os preconceitos no próprio título, em que “índio”, um termo genérico imposto aos povos originários, nos mostra um casal de férias tipicamente ocidental, uma atitude que a maioria das pessoas não imagina que os nativos possam ter. É uma perspectiva interessante esse livro, desde o título subvertendo nossa lógica estereotipada.

E o autor, em uma entrevista, disse que esse livro foi uma tentativa de destruir essa noção estereotipada dos indígenas, já que ele próprio, Thomas King, foi um dos primeiros escritores indígenas norte-americanos.

Conseguiu construir personagens longe dos clichês, personagens indígenas contemporâneos e, ao mesmo tempo, preservando as tradições da oralidade.

Ele usa muito ironia e humor para tratar assuntos sérios, dando um certo ar de leveza.

Blackbird e Mimi Bull Shield são o casal indígena em férias na República Tcheca. Ao mesmo tempo em que vão nos mostrando os pontos turísticos e histórias das cidades, eles resgatam a história colonial do Canadá e das Américas.

Uma das reflexões que o livro traz, é a respeito da saúde mental de Blackbird. Com depressão, ele não consegue aproveitar tudo que a viagem proporciona. Mas a impressão que temos, é que ele se sentirá assim em todo e qualquer lugar.

Enfim, pode parecer estranho, indicar livros que talvez goste, talvez não, mas é que eu ainda acredito que esses livros tem o que Kafka dizia ser a função da literatura: algo que me “incomodou” de alguma forma, que me faz pensar neles mesmo depois de tempos lidos. E também sempre defenderei a ideia de que sempre tem um livro para cada leitor.