Sofisticado e, ao mesmo tempo, simples, o jornalista brilhou nas páginas do Jornal do Brasil e do Estadão como repórter e colunista político

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Villas-Bôas Corrêa, que morreu (falência múltipla dos órgãos) na quinta-feira, 15, aos 93 anos, era um grande jornalista. Ao lado de Carlos Castello Branco, o Castelinho, merece figurar na lista dos maiores colunistas políticos do país. Culto, quando um político bem informado dizia que estava lendo Metastasio (1698-1782), não publicava “Metástase” (como aconteceu, há algum tempo, com um jornalista celebrado da “Folha de S. Paulo”, ao entrevistar José Guilherme Merquior). No momento, se a fonte mencionar Shakespeare, é possível que algum repórter desavisado pergunte: “É algum cantor de rock ou sertanejo?” O jornalista, que se apresentava como repórter — editor é cargo, pois só há uma profissão, a de repórter —, era culto, mas não era pedante. Era um homem que conseguia ser, a um só tempo, sofisticado e simples. Mas jamais simplista.

O brilhante repórter teve duas grandes casas jornalísticas: o “Jornal do Brasil”, onde trabalhou 30 anos, e “O Estado de S. Paulo”, onde atuou durante 23 anos. No segundo, dirigiu a sucursal do Rio de Janeiro.

Pai de Marcos Sá Corrêa, outro jornalista brilhante, com passagens pelo “Jornal do Brasil” e pela “Veja”, Villas-Bôas Correa começou no jornal “A Notícia”, em 1948. Depois, trabalhou nas redações do “Diário de Notícias”, “O Dia”, “Jornal do Brasil”, “O Estado de S. Paulo”, TV Manchete, Radio Nacional, TV Bandeirantes.

Villas-Bôas Corrêa publicou dois livros: “Casos da Fazenda do Retiro”, de 2001, e “Conversa Com a Memória — A História de Meio Século de Jornalismo Político”, de 2002. O último deveria ser leitura obrigatória para jornalistas — e não apenas para os que trabalham na cobertura política. Ele era formado em Direito.

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Em 2008, o “JB” publicou a reportagem “Villas-Bôas Corrêa, 60 anos de um patrimônio do jornalismo político”, de Alexandre Werneck e Leandro Mazzini. O título é apropriado: ele é um patrimônio do jornalismo (e não apenas do político), porque era um profissional, competente e sério.

Aos jornalistas do “JB”, Villas-Bôas Corrêa ressaltou que “as sessões do Congresso não apresentam mais discussões de ideias, são mais argumentações de assuntos práticos banais, de aumentos de salário de funcionalismo a compra de material de escritório”.

Ao produzir as notícias, a partir dos fatos colhidos e de sua visão privilegiada da política, adotava um critério: “A necessidade de debater os diferentes pontos de vista”. Isto não quer dizer que a exposição das contradições, dos pensamentos divergentes, era endosso a um deles. Por mais que fosse independente, Villas-Bôas Corrêa era um jornalista de posições, daqueles que avaliam que a divulgação da verdade pode até ferir uma das partes, mas é inescapável. A fidelidade aos fatos é crucial, dizia.

“Nunca acatei uma orientação editorial que fosse em nenhuma coluna minha. Sempre disse o que quis. Não por vaidade ou por reivindicação, mas para sempre poder dizer algo novo, algo no calor da hora”, conta Villas-Bôas Corrêa aos repórteres. A “plantação” de notícias não lhe agradava.

Como Villas-Bôas Corrêa aprendeu a ser jornalista? Simples: o editor Silva Ramos, de “A Notícia”, entregou-lhe uma máquina de escrever e sugeriu que o “resto” era rua. Sua tese de vida inteira não mudou: o repórter precisa ir atrás das notícias, conversar com as pessoas. Jamais trocar o “campo” pelo “gabinete”, que, claro, é mais cômodo e agradável. O jornalista precisa ver as pessoas de carne e ossos. O jornalismo feito exclusivamente pelo telefone cria seres virtuais e o “uso” de um, o repórter, pelo outro, o político (ou outra fonte), torna-se corriqueiro, quase normal. A relação olho no olho, o contato quase físico, é responsável pela produção de relações (mais) verdadeiras. Hoje, sem uma pauta quilométrica, que se torna quase a reportagem, poucos jornalistas saem a campo. No tempo do colunista, quem precisava de pauta era músico.

No “Jornal do Brasil”, convidado pelo editor Odylo Costa, Filho, um de seus primeiros reformadores, Villas-Bôas Corrêa começou em 1956. A coluna “Coisas da Política”, uma das mais celebradas do jornal, foi criada por Villas-Bôas Corrêa.

Em 1978, deixou o jornalimo, pois havia decidido se aposentar. A aposentadoria só durou seis meses e ele assumiu a editoria de política do “Jornal do Brasil”.

Aos jornalistas do “JB”, na entrevista de 2008, disse que a política está desacreditada. Um dos motivos, segundo Villa-Bôas Corrêa, é a transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília. Uma pena que os repórteres não tenham avançado na questão.