Uma pequena história de como Brasília foi possível e se tornou a capital do Brasil

07 outubro 2015 às 16h22
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Juscelino Kubitschek teve o mérito de, sob intensa pressão, construir Brasília. Mas houve uma luta anterior, pouco conhecida, pela construção da nova capital
Jarbas Silva Marques
No dia 15 de abril de 2015, comemoramos os 60 anos da escolha do Sítio Castanho — área onde hoje está situada Brasília — pela Comissão de Planejamento, Coordenação e Mudança da Capital Federal, presidida pelo marechal José Pessoa Cavalcanti e que tinha como secretário Ernesto Silva.
Em 2004, Getúlio Dorneles Vargas foi lembrado pelo cinquentenário do seu suicídio e pelo que fez pelo Brasil, emulando as bases sociais e econômicas de um Estado nacional moderno que rompeu com a estrutura agrária de uma dependente monocultura. No entanto, não se fez justiça à participação do seu governo no cumprimento do primado constitucional da localização, demarcação e transferência da capital federal para o Planalto Central.
No dia 8 de junho de 1953, o presidente Getúlio Vargas assina o decreto nº 32.976, criando a Comissão de Planejamento, Coordenação e Mudança da Capital Federal para proceder aos estudos definitivos para a escolha do sítio e da área da nova capital e, por consequência, do Distrito Federal. Vargas nomeia para a presidência da Comissão de Planejamento Coordenação e Mudança da Capital Federal o general Aguinaldo Caiado de Castro, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República.
Imediatamente após ser empossado, o general Aguinaldo Caiado de Castro [foto ao lado] contrata a Cruzeiro do Sul Aerofotogrametria para proceder ao levantamento aerofotogramétrico do Retângulo do Congresso (os 52.000 quilômetros quadrados autorizados pelo Congresso Nacional), na área compreendida entre os Paralelos S 15º 30’ e 17º e o Meridiano Oeste de Greenwich 46º 30’. Em janeiro de 1954, a Cruzeiro do Sul conclui os trabalhos de aerofotogrometria e, já no dia 25 de fevereiro, a empresa Donald J. Belcher and Associates Incorporated, sediada em Ithaca, Estados Unidos, é contratada para proceder aos estudos de fotoanálise e de fotointerpretação para a seleção dos sítios mais favoráveis para a localização da nova capital federal na área definida pela Lei nº 1.803, de 5 de janeiro de 1953, que passou à história como o “Retângulo do Congresso”.
Getúlio Vargas suicida-se em 24 de agosto de 1954 e assume a Presidência da República o vice-presidente João Café Filho.
Café Filho demite o general Aguinaldo Caiado de Castro e convida o marechal José Pessoa para presidir a Comissão de Planejamento, Coordenação e Mudança da Capital Federal, que, imediatamente, reconhece a qualidade técnica e científica dos trabalhos da empresa Donald Belcher e a importância deles para abreviar o tempo da escolha para o local da edificação da futura capital da República; providencia, ainda, o pagamento das prestações atrasadas devidas à empresa americana.
No dia 5 de fevereiro de 1955, o vice-governador de Goiás, Bernardo Sayão, espera, em Formosa, Estado de Goiás, com um comboio de seis jipes, o marechal José Pessoa [na primeira foto, em Brasília], o seu ajudante-de-ordens e secretário da Comissão, capitão Ernesto Silva, e o marechal Mário Travassos.
Depois de andar pelo cerrado por mais de quatro horas, chegam no ponto mais alto do Sítio Castanho (1.172 metros), onde é hoje o Cruzeiro — no Eixo Monumental — próximo ao Memorial JK.
No dizer do doutor Ernesto Silva, ali “é a Pedra Fundamental de Brasília”.
Meta-síntese
De volta ao Rio de Janeiro, o marechal Pessoa designa uma subcomissão para fixar os critérios e normas técnicas para a comparação dos vários locais no “Retângulo do Congresso” e a seleção dos cinco sítios elaborados pelo Relatório Belcher.
Durante o mês de março de 1955, três engenheiros dessa subcomissão passam a fazer manobras dilatórias para prolongar, por tempo indeterminado, a escolha imediata do sítio definitivo. Percebendo estas manobras, Ernesto Silva, secretário da Comissão de Localização, alerta o marechal Pessoa e este decide ampliar a subcomissão e nomeia o engenheiro Raul Pena Firme como relator.
Numa coincidência metafísica, no dia 4 de abril de 1955, à mesma hora em que Raul Pena Firme apresenta à Comissão as normas técnicas com base na Lei nº 1.803, de 5 de janeiro de 1953, para o julgamento do melhor sítio dentre os cinco apresentados pela Donald Belcher, Juscelino Kubitschek de Oliveira [foto ao lado] faz o seu primeiro comício de campanha à Presidência da República, em Jataí, Goiás, e é questionado por Antônio Soares Neto — Toniquinho — se irá cumprir a Constituição Federal. Ao responder afirmativamente, Toniquinho retruca: “Então o senhor vai transferir a capital federal para o Planalto Central?” Juscelino Kubitschek fica paralisado por quase um minuto, respondendo em seguida: “Se está na Constituição, eu vou transferir”.
Nesse momento, Brasília passa a ser a “Meta Síntese” do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek.
No dia 15 de abril de 1955, já com os critérios elaborados pelo relator Raul Pena Firme, realiza-se a reunião que decide oficialmente pelo Sítio Castanho, onde, hoje, está edificada Brasília.
O marechal José Pessoa solicita, então, uma audiência ao presidente da República, Café Filho, e é recebido, no dia 28 de abril de 1955. Após expor todo o arrazoado legal e técnico da escolha do Sítio Castanho, solicita que o presidente baixe um decreto declarando de utilidade pública, para fins de desapropriação, o perímetro a se constituir o Distrito Federal.
Café Filho, aliado da União Democrática Nacional (UDN) e dos antimudancistas, nega-se a mandar elaborar o decreto de desapropriação. No dia seguinte, 29 de abril, o marechal Pessoa solicita um avião ao ministro da Aeronáutica e, acompanhado apenas de Ernesto Silva, se dirige a Goiânia e, no dia seguinte, em audiência com o governador de Goiás, José Ludovico de Almeida [foto ao lado], expõe o impasse e faz um apelo para que o Estado de Goiás, por meio de decreto estadual, declare de utilidade pública, para efeito de desapropriação, todas as terras dentro do perímetro já definido do futuro Distrito Federal.
Juca Ludovico faz a história avançar: chama os procuradores Jorge de Moraes Jardim e Segismundo de Araújo Melo, que propõem chamar os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, favoráveis ao Movimento Mudancista, para buscar uma solução jurídica.
As discussões arrastam-se até as 3 horas da manhã do dia 1º de maio e decide-se pela criação da Comissão de Cooperação para a Mudança da Capital Federal.
Numa manobra política magistral, Juca Ludovico nomeia para presidir a Comissão o médico Altamiro de Moura Pacheco [foto ao lado, em Brasília], manobra que Juscelino Kubitschek irá repetir, em 1956, ao nomear Iris Meinberg para a primeira diretoria da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).
No dia 30 de dezembro de 1955, em solenidade realizada no Palácio das Esmeraldas, em Goiânia, Jorge Pelles e Jerônimo da Silva assinam a escritura de desapropriação amigável da Fazenda Bananal, que abriga, hoje, quase toda a área onde está edificada Brasília.
Sem a coragem e a determinação pessoal e política do marechal José Pessoa e o descortino político e histórico do governador Juca Ludovico, o presidente Juscelino Kubitschek e os milhares de candangos vindos de todos os rincões da pátria não poderiam construir, em pouco mais de 1.000 dias, a capital da República e oferecer ao mundo o Patrimônio Cultural da Humanidade que é Brasília.
Quase ia me esquecendo do quinquagésimo nono aniversário artístico do pintor e muralista D.J. Oliveira [foto ao lado] que, a pedido do doutor Francisco Manoel Brandão, diretor de Expansão do Serviço de Alimentação da Previdência Social (Saps), fez as primeiras obras de arte para os construtores da cidade, no Restaurante do SAPS, na Candangolândia, e que, inquestionavelmente, é o Batismo Cultural do Distrito Federal.
Jarbas Silva Marques, jornalista, professor e historiador, é colaborador do Jornal Opção.