“O Globo” e o “Estadão” publicaram duas entrevistas e um artigo sobre economia questionados, com ideias próximas e, às vezes, distintas. As entrevistas são de Marcos Lisboa (“O Globo”: “‘Escolhemos um caminho da mediocridade’, diz o economista Marcos Lisboa”) e de Luiz Carlos Mendonça de Barros (“O Estado de S. Paulo”: ‘“A raiva contra Bolsonaro contagiou as previsões econômicas’, diz Mendonça de Barros”) e o artigo de Bernard Appy (“Estadão”: “A que custo se deu essa melhora na economia?”).

1

Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, começa com um comentário positivo: “A economia em 2022 está surpreendendo positivamente. O PIB deverá crescer cerca de 2,5%, a inflação está em queda (sobretudo por conta da redução de tributos) e o desemprego também está caindo”.

Mas a melhora da economia tem um custo? “A resposta é: ao custo de uma piora relevante das contas públicas via aumento de despesas e redução de receitas.”

O economista sublinha que “as medidas que pioram o resultado fiscal são permanentes. (…) O governo atropelou o teto de gastos de 2022. Mas qual o tamanho do atropelo? Para estimar esse valor comparei o valor real das despesas primárias da União nos primeiros oito meses de 2022 com o mesmo período de 2018. (…) O resultado é um crescimento real das despesas de 8,5% relativamente a 2018 concentrado em 2022”.

Appy aponta que, “incorporando o aumento do Auxílio Brasil para 600 reais, o crescimento real das despesas chega a 11,8% relativamente a 2018. Em termos anualizados, o adicional de despesa supera 2% do PIB, o que seria observado se a despesa tivesse sido corrigida pela inflação, seguindo o teto dos gastos. Vale notar que esse aumento subestima a real deterioração fiscal do período, por conta da contenção dos reajustes salariais dos servidores, inviável por mais quatro anos”.

Então, Appy insiste que “o aumento de receita de 2022 é temporário e a maioria dos efeitos das medidas crescentes, permanente, o que deve resultar em grande piora do reultado fiscal nos próximos anos”.

O economista postula que é estranho “que se cobre de Lula da Silva por uma política de responsabilidade fiscal e se deixe passar quase em branco a piora do resultado das contas públicas em 3% do PIB em um único ano. A situação fiscal do país é preocupante e exigirá medidas de ajuste, mas essa é a consequência da irresponsabilidade fiscal do atual governo, ditada essencialmente por motivos eleitorais”.

2

Na entrevista a José Fucs, do “Estadão” (edição de 7 de outubro), o economista e ex-presidente do BNDES Mendonça de Barros, o Mendonção, é mais otimista do que Bernard Appy. “A inflação está caindo e daqui a pouco você vai ver o pessoal do mercado rever a estimativa de crescimento do ano que vem. Hoje, eles estão projetando uma alta de 0,5% no PIB, mas acredito que o Brasil deverá ter um resultado semelhante ao deste ano e crescer de 2,5% a 3% em 2023.”

Mendonção afirma que economistas erraram ao avaliar os dados sobre crescimento, inflação e contas públicas. “Toda a revolta pelo jeito de ser de Bolsonaro acabou permeando esse quadro. Quando você é analista de economia, não pode agir com o fígado, ficar amarrado a pensamentos ideológicos e não olhar o que está acontecendo. (…) O que fiz simplesmente foi abstrair o Bolsonaro e ver a recuperação que estava ocorrendo, que era normal. (…) Nesta semana, saiu a inflação ‘cheia’ de setembro, medida pela FGV e pela Fipe, e o que aconteceu? Foi zero.”

Os economistas, de acordo com Mendonção, deram “vexame”. “Eles erraram demais.” Projetaram uma inflação de 7,5% em 2022. “Só agora estão dizendo que a inflação vai ficar em 6%. (…) Hoje, está falando [Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil] que o déficit público vai a 6% do PIB. Pelo amor de Deus. O secretário da Fazenda de São Pulo, Felipe Salto, chegou a dizer que a dívida pública iria chegar a 100% do PIB, quando ela deverá fechar 2022 em torno de 75%. (…) Como existe esse mal-estar com o Bolsonaro, pelo jeito dele, pelo que ele representa, era mais ou menos regra geral que as coisas não poderiam dar certo. Mas, apesar dos problemas, do orçamento secreto, que é ‘dinheiro de pinga’ perto do PIB, o Brasil está indo para a frente”.

O economista postula que, “se o emprego está crescendo e se a arrecadação está aumentando [leia Bernard Appy, acima], não dá para dizer que a economia está em recessão. (…) Todos os indicadores econômicos, todos, estão crescendo, porque a economia está crescendo. O Caged, que indica o nível de emprego formal no país, começou a subir. De outro lado, o desemprego total, calculado pela Pnad, continuou aumentando. Os caras disseram: ‘Tem alguma coisa errada. Não é possível o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados subir e o desemprego da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios aumentar’. Lógico que é possível, porque, no tempo, são coisas distintas. Se o emprego está crescendo e se a arrecadação está aumentando, a economia só pode estar crescendo”.

O teto de gastos, que Henrique Meirelles projetou no governo do ex-presidente Michel Temer, é necessário, afirma Mendonção. Porque “funciona”. “O teto e o superávit primário são indicadores que mostram como estão indo os gastos públicos e dão um sinal para o governo, em caso de aumento das despesas, de que é preciso tomar alguma medida para conter isso. Você não pode ter um governo que gasta o que demandarem. Tem que ter prioridades. Então, para mim, se o indicador for o teto de gastos, o superávit primário ou alguma coisa mais sofisticada, tanto faz. Precisa ter.”

Aos 80 anos, Mendonção é crítico de Bolsonaro, diz que está mais próximo de Lula. Mas não decidiu se votará no segundo turno. “O PT é um partido autoritário”, afirma.

3

O economista Marcos Lisboa, assim como Bernard Appy, não tem o mesmo entusiasmo de Mendonção. O presidente do Insper sustenta que “a sociedade brasileira apoia os muitos incentivos fiscais existentes atualmente, o que causas distorções e impede uma necessária reforma tributária”.

Aos colunistas de “O Globo” Carlos Andreazza e Vera Magalhães, o economista enfatizou que “o próximo presidente da República vai ter mais dificuldades para manobrar os gastos do governo federal. ‘Esse poder foi capturado pelo Congresso’”. É como se o Congresso, sobretudo a Câmara dos Deputados, estiveram “governando”, como se fosse o primeiro-ministro do país.

A respeito da necessidade de uma âncora fiscal, o dirigente do Insper diz que há um empecilho para o estabelecimento de uma nova política econômica. “Discute-se muito teto de gasto, mas o problema do Brasil é que a gente tem um Estado capturado por grupos de interesse e quando você tem uma folga nas contas públicas, logo essa folga é capturada.”

O Orçamento Secreto não é mera “pinga”, ao contrário do que diz Mendonção, frisa Marcos Lisboa. “O problema não é o Parlamento controlar o orçamento, mas a sociedade apoiar a disseminação de interesses específicos de deputados e pequenos grupos abocanharem os muitos benefícios distribuídos e que depois não se consegue tirar. A tradição brasileira é autoritária, a gente não confia na democracia.”

O professor assinala que a reforma mais urgente é a tributária. “O imposto sobre consumo é disfuncional no Brasil.” O economista garante que “quase todos os países usam o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), por não distorcer as decisões de investimento.”

O “debate” infelizmente não aparece na campanha eleitoral deste ano. O que avultam são o “caos” e, paralelamente, a ideia de que se pode construir um paraíso na Terra.

3 economistas debatem um Brasil que não aparece na campanha eleitoral

Bernard Appy, Mendonção de Barros e Marcos Lisboa discutem, separadamente, o crescimento econômico, a crise fiscal e a captura do Estados por grupos

“O Globo” e o “Estadão” publicaram duas entrevistas e um artigo sobre economia questionados, com ideias próximas e, às vezes, distintas. As entrevistas são de Marcos Lisboa (“O Globo”: “‘Escolhemos um caminho da mediocridade’, diz o economista Marcos Lisboa”) e de Luiz Carlos Mendonça de Barros (“O Estado de S. Paulo”: ‘“A raiva contra Bolsonaro contagiou as previsões econômicas’, diz Mendonça de Barros”) e o artigo de Bernard Appy (“Estadão”: “A que custo se deu essa melhora na economia?”).

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Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, começa com um comentário positivo: “A economia em 2022 está surpreendendo positivamente. O PIB deverá crescer cerca de 2,5%, a inflação está em queda (sobretudo por conta da redução de tributos) e o desemprego também está caindo”.

Mas a melhora da economia tem um custo? “A resposta é: ao custo de uma piora relevante das contas públicas via aumento de despesas e redução de receitas.”

O economista sublinha que “as medidas que pioram o resultado fiscal são permanentes. (…) O governo atropelou o teto de gastos de 2022. Mas qual o tamanho do atropelo? Para estimar esse valor comparei o valor real das despesas primárias da União nos primeiros oito meses de 2022 com o mesmo período de 2018. (…) O resultado é um crescimento real das despesas de 8,5% relativamente a 2018 concentrado em 2022”.

Appy aponta que, “incorporando o aumento do Auxílio Brasil para 600 reais, o crescimento real das despesas chega a 11,8% relativamente a 2018. Em termos anualizados, o adicional de despesa supera 2% do PIB, o que seria observado se a despesa tivesse sido corrigida pela inflação, seguindo o teto dos gastos. Vale notar que esse aumento subestima a real deterioração fiscal do período, por conta da contenção dos reajustes salariais dos servidores, inviável por mais quatro anos”.

Então, Appy insiste que “o aumento de receita de 2022 é temporário e a maioria dos efeitos das medidas crescentes, permanente, o que deve resultar em grande piora do reultado fiscal nos próximos anos”.

O economista postula que é estranho “que se cobre de Lula da Silva por uma política de responsabilidade fiscal e se deixe passar quase em branco a piora do resultado das contas públicas em 3% do PIB em um único ano. A situação fiscal do país é preocupante e exigirá medidas de ajuste, mas essa é a consequência da irresponsabilidade fiscal do atual governo, ditada essencialmente por motivos eleitorais”.

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Na entrevista a José Fucs, do “Estadão” (edição de 7 de outubro), o economista e ex-presidente do BNDES Mendonça de Barros, o Mendonção, é mais otimista do que Bernard Appy. “A inflação está caindo e daqui a pouco você vai ver o pessoal do mercado rever a estimativa de crescimento do ano que vem. Hoje, eles estão projetando uma alta de 0,5% no PIB, mas acredito que o Brasil deverá ter um resultado semelhante ao deste ano e crescer de 2,5% a 3% em 2023.”

Mendonção afirma que economistas erraram ao avaliar os dados sobre crescimento, inflação e contas públicas. “Toda a revolta pelo jeito de ser de Bolsonaro acabou permeando esse quadro. Quando você é analista de economia, não pode agir com o fígado, ficar amarrado a pensamentos ideológicos e não olhar o que está acontecendo. (…) O que fiz simplesmente foi abstrair o Bolsonaro e ver a recuperação que estava ocorrendo, que era normal. (…) Nesta semana, saiu a inflação ‘cheia’ de setembro, medida pela FGV e pela Fipe, e o que aconteceu? Foi zero.”

Os economistas, de acordo com Mendonção, deram “vexame”. “Eles erraram demais.” Projetaram uma inflação de 7,5% em 2022. “Só agora estão dizendo que a inflação vai ficar em 6%. (…) Hoje, está falando [Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil] que o déficit público vai a 6% do PIB. Pelo amor de Deus. O secretário da Fazenda de São Pulo, Felipe Salto, chegou a dizer que a dívida pública iria chegar a 100% do PIB, quando ela deverá fechar 2022 em torno de 75%. (…) Como existe esse mal-estar com o Bolsonaro, pelo jeito dele, pelo que ele representa, era mais ou menos regra geral que as coisas não poderiam dar certo. Mas, apesar dos problemas, do orçamento secreto, que é ‘dinheiro de pinga’ perto do PIB, o Brasil está indo para a frente”.

O economista postula que, “se o emprego está crescendo e se a arrecadação está aumentando [leia Bernard Appy, acima], não dá para dizer que a economia está em recessão. (…) Todos os indicadores econômicos, todos, estão crescendo, porque a economia está crescendo. O Caged, que indica o nível de emprego formal no país, começou a subir. De outro lado, o desemprego total, calculado pela Pnad, continuou aumentando. Os caras disseram: ‘Tem alguma coisa errada. Não é possível o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados subir e o desemprego da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios aumentar’. Lógico que é possível, porque, no tempo, são coisas distintas. Se o emprego está crescendo e se a arrecadação está aumentando, a economia só pode estar crescendo”.

O teto de gastos, que Henrique Meirelles projetou no governo do ex-presidente Michel Temer, é necessário, afirma Mendonção. Porque “funciona”. “O teto e o superávit primário são indicadores que mostram como estão indo os gastos públicos e dão um sinal para o governo, em caso de aumento das despesas, de que é preciso tomar alguma medida para conter isso. Você não pode ter um governo que gasta o que demandarem. Tem que ter prioridades. Então, para mim, se o indicador for o teto de gastos, o superávit primário ou alguma coisa mais sofisticada, tanto faz. Precisa ter.”

Aos 80 anos, Mendonção é crítico de Bolsonaro, diz que está mais próximo de Lula. Mas não decidiu se votará no segundo turno. “O PT é um partido autoritário”, afirma.

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O economista Marcos Lisboa, assim como Bernard Appy, não tem o mesmo entusiasmo de Mendonção. O presidente do Insper sustenta que “a sociedade brasileira apoia os muitos incentivos fiscais existentes atualmente, o que causas distorções e impede uma necessária reforma tributária”.

Aos colunistas de “O Globo” Carlos Andreazza e Vera Magalhães, o economista enfatizou que “o próximo presidente da República vai ter mais dificuldades para manobrar os gastos do governo federal. ‘Esse poder foi capturado pelo Congresso’”. É como se o Congresso, sobretudo a Câmara dos Deputados, estiveram “governando”, como se fosse o primeiro-ministro do país.

A respeito da necessidade de uma âncora fiscal, o dirigente do Insper diz que há um empecilho para o estabelecimento de uma nova política econômica. “Discute-se muito teto de gasto, mas o problema do Brasil é que a gente tem um Estado capturado por grupos de interesse e quando você tem uma folga nas contas públicas, logo essa folga é capturada.”

O Orçamento Secreto não é mera “pinga”, ao contrário do que diz Mendonção, frisa Marcos Lisboa. “O problema não é o Parlamento controlar o orçamento, mas a sociedade apoiar a disseminação de interesses específicos de deputados e pequenos grupos abocanharem os muitos benefícios distribuídos e que depois não se consegue tirar. A tradição brasileira é autoritária, a gente não confia na democracia.”

O professor assinala que a reforma mais urgente é a tributária. “O imposto sobre consumo é disfuncional no Brasil.” O economista garante que “quase todos os países usam o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), por não distorcer as decisões de investimento.”

O “debate” infelizmente não aparece na campanha eleitoral deste ano. O que avultam são o “caos” e, paralelamente, a ideia de que se pode construir um paraíso na Terra.