Thomas Mann lia sobre o Brasil, empolgou-se com elogio de Gilberto Freyre e planejou visitar o país

21 abril 2020 às 13h00

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O autor alemão apreciou o romance “O Túnel”, do argentino Ernesto Sabato, e manteve contato com uma parente brasileira
“Terra Mátria — A Família de Thomas Mann e o Brasil” (Civilização Brasileira, 321 páginas, tradução de Sibele Paulino), de Karl-Josef Kuschel, Frido Mann (neto de Thomas) e Paulo Astor Sorthe, é uma dessas maravilhas que às vezes chegam às livrarias. Aponta os encontros de Thomas Mann com Sérgio Buarque de Holanda, na Alemanha, em 1929, e com Erico Verissimo, nos Estados Unidos, em 1941 (o escritor gaúcho conta a história no belíssimo “Gato Preto em Campo de Neve”), e relata que o escritor apreciou a informação de que o sociólogo Gilberto Freyre havia sugerido que a Academia Brasileira de Letras o convidasse a visitar o Brasil. Há também as cartas trocadas entre o tradutor Herbert Caro (austríaco que morava em Porto Alegre) e Thomas Mann, nas quais se fala de “Os Buddenbrook” e “A Montanha Mágica”). Conta-se que um filho do autor de “Doutor Fausto”, o historiador Golo Mann, quase veio para o Brasil, na época da hegemonia do totalitarismo nazista na Alemanha. Chegou a obter um visto.

Thomas Mann era filho da brasileira Júlia da Silva-Bruhns e de pai alemão. “Não se pode escrever uma história da família Mann sem pensar em suas raízes brasileiras”, anota Karl-Josef Kuschel. O escritor chamou o Brasil de “Mutterland” (terra mátria) e lia sobre o país.
O autor de “Confissões do Impostor Felix Krull” leu “Brazilian Adventures”, de Peter Fleming (1907-1971). Em setembro de 1935, anotou no seu diário: “Leio com prazer o livro de viagens sobre o Brasil do jornalista inglês Fleming”. Demonstrando interesse pela obra, acrescenta: “Vou tarde para a cama”.

Stefan Zweig também estava na pauta de Thomas Mann, notadamente “Brasil — Um País do Futuro”. Registrou no diário, em 1941: “Após o jantar, o livro de Stefan Zweig sobre o Brasil”.
O livro “Brazil Under Vargas”, de Karl Loewenstein (1891-1973), foi lido por Thomas Mann em 1942. A obra foi dedicada ao prosador alemão.
Em 1951, Thomas Mann registrou no diário: “‘Estrangeiro’, romance de H. E. Jacob (1889-1967), algo brasileiro”. Numa carta ao escritor, o criador da novela “Morte em Veneza” diz que o livro é “envolvente” e “emocionante”.
Numa carta a Marthe Brill (1894-1969), autora do romance “Der Schmelztiegel”, Thomas Mann elogia sua “tenacidade e pertinácia artística”. Neste livro, Marthe Brill “narra sua vinda ao Brasil como exilada por causa da perseguição aos judeus da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial”.

Além de ler livros sobre o Brasil, Thomas Mann trocava cartas com uma parente brasileira. Em 1942, registrou em seu diário: “Carta em inglês para Julia Pedroso em São Paulo, prima”. “Terra Mátria” revela que “Julia Pedroso (1870-1969) era filha de Heinrich Nicolaus Stolterfoth e de sua mulher, Maria, nascida da Silva Bruhns, irmã de Julia Mann. Anos mais tarde, em 9 de janeiro de 1948, uma nova informação no diário de Thomas Mann sobre esse contato familiar: ‘Grande contentamento pela carta em inglês de Julio Pedro [sic], nascida Stolterfoht de São Paulo’”. Erika Mann, filha de Thomas Mann, encontrou-se com a prima Carolina Amalia Oscara Stolterfoht.
Thomas Mann anotou no diário sobre o romance “O Túnel”, do escritor argentino Ernesto Sabato: “Muito bem impressionado”. Um encontro com a poeta chilena Gabriela Mistral (Prêmio Nobel de Literatura de 1945) não foi muito positivo.
[Texto publicado no Jornal Opção na edição de 21 a 27 de julho de 2013]
Mãe de Thomas Mann nasceu no Estado do Rio de Janeiro
A história da família Mann — de Thomas Mann e de sua mãe, a brasileira Julia da Silva Bruhns — podem ser mais amplamente verificada em alguns livros:
1 – “Thomas Mann —Uma Biografia” (Nova Fronteira, 666 páginas, tradução de Luciano Trigo), de Donald Prater. Prater diz que Thomas Mann “era moreno como sua mãe e se sentia o filho mais próximo de seu coração”. Ela bancou a edição de sua primeira obra.
2 – “Na Rede dos Magos — Uma Outra História da Família Mann” (Nova Fronteira, 512 páginas, tradução de Erlon José Paschoal), de Marianne Krüll. A autora conta que, com Frido Mann, encontrou uma bisneta de Manoel da Silva Bruhns, o pai de Julia Mann. Evangelina Borges tinha 97 anos.
3 – “Os Irmãos Mann — As Vidas de Heinrich e Thomas Mann” (Paz e Terra, 549 páginas, tradução de Raimundo Araújo), de Nigel Hamilton.
4 – “Julia Mann — Uma Vida Entre Duas Culturas” (Estação Liberdade, 159 páginas, tradução de Angel Bojadsen), vários autores.
No livro sobre Julia Mann, um dos ensaios mais interessantes é o de Frido Mann, neto do autor de “A Montanha Mágica”. O relato de Frido: Thomas Mann “sofria, como escolar na cidade de Lübeck, por ter uma mãe brasileira, pois isso fazia com que fosse ‘diferente’ dos colegas loiros e de olhos azuis de sua cidade, os Hans Hansens de sua novela ‘Tonio Kröger’, por exemplo, que invejava, muito embora se sentisse excluído. Por outro lado, também tinha orgulho de suas origens brasileiras”.
Em 1936, Thomas Mann escreveu que ele e seu irmão Heinrich “contribuíram com sua ‘gota de latinidade’ para este componente internacional da literatura alemã, isto sem serem judeus”.
Contrariando a tese de Sérgio Buarque de Holanda e do próprio Thomas Mann, Frido Mann diz que “a influência materna parece ter sido mais clara e profunda” em Heinrich Mann. “Sem esta influência, Heinrich provavelmente não teria escrito seu romance ‘Zwischen den Rassen’ [“Entre as Raças”], em cujas páginas ele descreve o nascimento de sua mãe Julia na selva brasileira, usando praticamente as palavras da própria Julia”.
Julia da Silva Bruhns, chamada de Dodô, nasceu em 14 de agosto de 1851, entre Angra dos Reis e Paraty. Ela foi batizada em Parati. Seus pais eram o alemão Johann Ludwig Herman Bruhns e Maria Luiz da Silva, filha de um português. Quando a mãe morreu, o pai a levou para Lübeck, lá casou-se com Thomas Johann Heinrich Mann, um homem rico. Ela não tinha 18 anos e ele tinha 28 anos.