Terremoto da Turquia: foto de pai segurando mão da filha morta comove o mundo

12 fevereiro 2023 às 00h00

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Kim Phuc Phan Thji decidiu contar sua história no livro “A Menina da Foto — Minhas Memórias: Do Horror da Guerra ao Caminho da Paz” (Mundo Cristão, 338 páginas, tradução de Cecília Eller Nascimento).
Há uma foto do Vietnã, de 1972, que galvaniza minha atenção, deixando-me melancólico, às vezes. Olho e lamento. Lamento e olho. Há uma tristeza infinita na fotografia feita por Nick Ut, que ganhou o Pulitzer, merecidamente. Uma menina, nua e queimada, corre, desesperada, em busca de alguma coisa, talvez da mãe, talvez com o único objetivo de escapar e conseguir ajuda médica.

Há pouco tempo, li o livro “A Menina da Foto — Minhas Memórias: Do Horror da Guerra ao Caminho da Paz” (Mundo Cristão, 338 páginas, tradução de Cecília Eller Nascimento), de Kim Phuc Phan Thji (fará 60 anos em abril). É de uma tristeza sem par, não há dúvida. Mas o que surpreende é a força de vontade da menina, da adolescente e da adulta. Esperança, quem sabe, é a palavra que define sua vida, que não é feita de mágoas e ressentimentos, e sim de resiliência. Perdoou até o piloto que jogou o napalm que a marcou para sempre, definindo sua vida.
O livro, a história de Kim Phuc Phan Thji, me comoveu. Ela esteve em Cuba (não apreciou o país, dada a falta de liberdade) e mora no Canadá, onde, por fim, encontrou um lar e tratamento adequado.
A fotografia de Kim Phuc Phan Thji, tentando escapar da violência da guerra — os americanos perderam a batalha, mas fizeram um estrago no país asiático —, correu o mundo, comoveu o mundo e, de certa maneira, mexeu com a psiquê dos americanos. A guerra que queima uma menina, que não está envolvida diretamente no conflito, é absolutamente inútil. Parece ser a conclusão que restou cristalizada.

Diz-se: “Há imagens que valem por mil palavras”. Millôr Fernandes, o filósofo do humor, contrapôs: “Agora diga isto sem palavras”. Pois bem: há fotografias que, de tão valiosas, pelo desnudamento da crueldade dos homens, que valem mesmo por mil palavras. A foto de Kim Phuc Phan Thjie correndo — queimada por napalm — mostrou ao mundo aquilo que, ao combater o comunismo em “nome da democracia”, os Estados Unidos estavam fazendo no Vietnã, cometendo as maiores barbaridades. É o tipo de foto que contém seu próprio texto, ainda que precise de palavras para se tornar ainda mais chocante.
Lembrei-me da foto de Kim Phuc Phan Thji ao ver uma fotografia feita em Kahramanmaras, região da Turquia, onde ocorreu o terremoto que matou milhares de pessoas.
Olhei a fotografia de um homem com um chamativo casaco laranja segurando uma mão de uma pessoa e saltei para ler uma notícia ao lado. Mas aquilo me intrigou, despertando minha atenção. Voltei à imagem. Li o texto. Retornei à foto. Procurei outros textos a respeito, pois queria saber mais a respeito. Li várias reportagens brasileiras e estrangeiras e colhi poucas informações (quase todas repetidas).

O homem é Mesut Hancer e ele segura uma das mãos de Irmak Hancer, de 15 anos, morta, esmagada, em decorrência do terremoto. Ela está deitada num colchão.
Se Irmak está morta, o que faz ali Mesut Hancer, seu pai? Sob um frio intenso, abaixo de zero, o homem, forte e firme, não arreda pé. Ele “protege” a menina morta, é seu guardião — o sentinela de uma brigada de um homem só. Faz-lhe “companhia”, algo assim.
O que pensa Mesut Hancer? Não sei. Talvez nem pense muito. A tristeza que abala todo o seu ser talvez seja o elemento central da trama da vida real. Para onde ir: ele ainda tem um lar? Ou sua casa, agora, é a solidão? Quem era Irmak Hancer? Não sei. Talvez fosse uma menina alegre, amada pelos pais. O que ela queria ser? Uma médica, advogada, escritora, cientista, geofísica-sismóloga? Talvez quisesse apenas ser feliz, e talvez tenha sido feliz nos seus escassos 15 anos. Lia Orhan Pamuk, o escritor turco que ganhou o Nobel de Literatura?
Mesut Hancer terá de viver sem a presença de Irmak Hancer daqui pra frente. Viverá com sua memória. Ao postar-se ao seu lado, segurando sua mão de adolescente, o pai certamente quis vê-la mais um pouco — sentir sua mãozinha — antes que fosse retirada dos escombros para ser enterrada. Sua vida, doravante, pode ter alegrias, mas uma gota de tristeza sempre a permeará. A fotografia é uma memória, por assim dizer, “viva”. Ela tornou Mesut Hancer e Ismak Hancer tristemente famosos.
Ao fazer a foto, transformando um instante turco num fato global, o que terá pensado o repórter-fotográfico Adem Altan, da AFP? Não sei. Talvez já tenha sido entrevistado, mas não acompanhei o que, possivelmente, disse. Talvez tenha pensado que era uma foto como outra qualquer, a respeito de uma tragédia que, sendo coletiva, também é do indivíduo. Depois, observando bem, deve ter percebido que era uma grande fotografia — um dos mais dolorosos “textos” em imagem a respeito do terremoto que abalou tanto a Turquia quanto a Síria.