O governo do presidente Jair Bolsonaro prioriza sites aliados, ainda que publiquem fake news? Se não prioriza, ao menos valoriza alguns deles, e isto não começou entre outubro e novembro deste ano. Por isso, não deixa de ser estranho que só agora, com evidências que certamente não são novas, o Tribunal de Contas da União tenha decidido agir. Seria o TCU o Rip van Winkle dos trópicos? Talvez sim, talvez não. Frise-se que o corpo técnico do órgão é altamente profissionalizado, republicano e sério.

Mas todos os sites alinhados com o bolsonarismo são propagadores de notícias falsas? Talvez não. Por isso, é preciso examinar caso a caso. A Jovem Pan, por exemplo, pode ser considerada como mera divulgadora de fake news? Me parece que não. Há, ou havia, um alinhamento automático com a gestão do presidente Jair Bolsonaro. Mas isto é o mesmo que sugerir que a Pan se tornou um veículo de publicação de notícias não-verdadeiras? O grupo não abre espaço para o contraditório? Pelo que tenho visto, abre. Porém, de fato, há, ou havia, prevalência de comentaristas pró-bolsonaristas (recentemente, um bolsonarista conseguiu a demissão de um não-bolsonarista).

Presidente Jair Bolsonaro | Foto: Reuters/Ricardo Moraes

Na quinta-feira, 24, o TCU exigiu que o governo federal pare de aportar recursos financeiros, via campanhas publicitárias, em plataformas e mídias que, informa reportagem do UOL, “não tenham o público-alvo das ações de comunicação, em especial sites que reproduzem fake news e desinformação”. A determinação inclui plataformas que “incentivem jogo do bicho e apostas ilegais”.

A determinação do TCU é correta, mas por que o órgão decidiu agir apenas a um mês e alguns dias do fim do governo do presidente Jair Bolsonaro? Não teria sido correto se proceder a uma investigação rigorosa sobre quanto a gestão de Bolsonaro gastou antes — em quatro anos — com tais sites? O TCU teria sido omisso? Se foi, qual o motivo? Recebeu pressões? Quem pressionou?

O ministro Vital Rêgo, numa ação correta, “determinou que o Ministério das Comunicações publique um documento, direcionado a todos os órgãos da administração pública, com orientações sobre contratos com agências de publicidade para que sejam previstas cláusulas de identificação e combate à divulgação de campanhas da União em mídias digitais associadas a fake news”. Trata-se de uma orientação para o governo Bolsonaro, que está findando, ou para o governo Lula da Silva, que começa daqui a um mês?

O TCU avalia que o governo Bolsonaro “teria investido dinheiro para veicular propaganda em sites e canais cujo público seria diferente daquele que o governo federal pretende alcançar em suas campanhas publicitárias” (cita-se reportagem do UOL). Vital Rêgo explicita: “Seria igualmente inconcebível a monetização com recursos públicos de mídias que patrocinem atividades ilegais ou delas se aproveitem porque não se admite que a Administração Pública financie, ainda que de forma indireta, a prática de ato relativo à realização ou exploração da loteria denominada jogo do bicho”.

A história do contato do governo federal com site que promove o jogo do bicho merece ser mais bem explorada. O governo federal, direta ou indiretamente, estaria beneficiando o jogo do bicho? Por intermédio de quem? Quais foram os beneficiários diretos? Quem articulou as operações? Espera-se que o TCU vá fundo e não fique tão-somente na superfície dos fatos. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal também deveriam ser convocados para investigar o “contubérnio” entre o governo Bolsonaro e os fabricantes de notícias falsas. É possível que uma investigação ampla e objetiva, a respeito de quatro anos, e não apenas do período final do governo, revele coisas, digamos, do arco da velha.