Tiago Henrique Gomes da Rocha: um assassino tão assustador que parece ter saído de algum romance policial dos mais exagerados l Foto: André Costa
Tiago Henrique Gomes da Rocha: um assassino tão assustador que parece ter saído de algum romance policial dos mais exagerados l Foto: André Costa

Os melhores romances sobre a crueldade humana — como “Crime e Castigo”, do russo Fiódor Dostoiévski, e “A Sangue Frio”, do americano Truman Capote — são, quase sempre, baseados em casos reais. Mas é a imaginação poderosa dos escritores que tendem a plasmar os crimes e a torná-los emblemáticos. Fica-se, assim, com a impressão de que os escritores exageram e até forçam a realidade. Mas o fato é que esta às vezes é mais fantástica do que a ficção.
No seu romance, Dostoiévski constrói a história de um criminoso intelectualizado, Raskólnikov, que pretende cometer o crime perfeito e lógico. Mata duas mulheres e, muito bem investigado, é preso.

Truman Capote leu no “Times”, em 1959, uma notícia sobre o assassinato brutal de uma família no Kansas e propôs escrever um texto para a revista “New Yorker”. Astucioso, percebeu de imediato que o crime continha material para uma obra mais alentada, mas que precisava ir além do jornalismo tradicional, que faz um recorte rápido da realidade e o apresenta aos leitores como se fosse um retrato preciso da realidade.

No Kansas, Capote começou uma investigação detida sobre as mortes da família Clutter (o casal Herbert e Bonnie e seus filhos Nancy e Kenyon) e a respeito dos assassinos Perry Smth e Dick Hikcock. Chegou a ficar íntimo dos criminosos, sobretudo de um deles, e em 1965, na “New Yorker”, publicou a história que, depois, foi levada ao formato livro com o título de “A Sangue Frio”. Explicar um criminoso à exaustão, suas motivações, não é perdoá-lo, e sim uma forma de entender as ações dos homens — que continuarão matando independentemente de leis flácidas ou rígidas.

Há críticas ao romance de não-ficção de Capote, sugerindo que exagerou e que imaginou mais do que devia, mas, na verdade, seu livro iluminou a história, tornando-a, trágica e humanamente, mais compreensível. Não à toa psiquiatras, psicólogos e advogados-criminalistas o estudaram e estudam detidamente.

Willian Novaes, diretor da editora Geração, sugere que um jornalista de Goiás escreva um livro sobre a história do assassino serial Tiago Henrique Gomes da Rocha, de 26 anos, que matou 22 mulheres e 17 homens (pode ser mais e pode ser menos). É possível escrever dois tipos de livros a respeito. Uma obra de oportunidade, escrita em cima da hora, relatando o básico, os crimes e o sofrimento das famílias, e uma obra mais detida, ao estilo de “A Sangue Frio”.

O momento, claro, é de consternação e a sociedade quer e exige que Tiago Henrique, que trabalhava como vigilante e tem porte de galã, seja condenado. É inescapável: não há outro caminho. A pena do assassino deve ser a mais alta possível.

Entretanto, passada a pressão inicial, talvez seja o caso de se investigar mais a fundo a história. Não se trata de apresentar muitas novidades, por exemplo novos crimes — é provável que se chegará a um número limite —, mas sim de alargar a compreensão de quem é, de fato, Tiago Henrique. A compreensão inicial, o fato de que teria sido abusado sexualmente na infância, daí sua “raiva do mundo” — matar seria uma forma de aplacá-la —, é importante, mas é possível ir além disso.

Para entender e explicar Tiago Henrique, o jornalista (ou escritor) terá de se despir de certo preconceitos e ouvi-lo várias vezes, assim como sua família, para criar um perfil para além do que afirma o criminoso (o jornalista e escritor americano Gay Talese só entendeu a fundo a máfia ítalo-americana ao se tornar amigo de um mafioso, chegando a frequentar sua casa e conviver com sua família). A “raiva do mundo”, como resultante do assédio sexual quando tinha 11 anos, explica alguma coisa, mas não tudo. O jovem criado pela mãe, sem a presença do pai, odiaria mulheres diferentes daquela mulher que o ama incondicionalmente e é seu provável modelo de perfeição feminina? Trata-se de um homem acima de tudo mau?
O rótulo “psicopata” explica muitas coisas, mas não tudo. Psicopatas têm comportamentos parecidos, mas com variantes — daí que é preciso definir o que é específico do caso de Tiago Henrique.

Aquele que quiser escrever sobre o criminoso deverá escavar mais fundo, quem sabe com a ajuda de psiquiatras, psicólogos, sociólogos, antropólogos e linguistas. Policiais e peritos devem ser consultados. O caso é de uma riqueza ímpar e sugere uma abordagem menos perfunctória.

Por que Tiago Henrique preferia atirar no peito (lembraria mãe,maternidade?) de algumas mulheres e não na cabeça? Ele apresentou uma explicação pouco esclarecedora, mas, ouvido com atenção e em circunstâncias diferentes, certamente poderá apresentar uma versão mais detida. Há detalhes, mesmo nas falas curtas publicadas na imprensa, que precisam ser examinados pelo jornalista, o que for escrever o livro, com o rigor de um legista. Entender bem o jovem criminoso possivelmente será útil para que se compreenda outros criminosos e se esclareça crimes parecidos.