Sergio Moro e a “Folha de S. Paulo” não agiram com correção no caso do Triplex “de” Lula

20 setembro 2020 às 00h00

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Num livro polêmico, o advogado Arthur Rios sustenta que o ex-magistrado excedeu e que o jornal cometeu deslize ético
Ademir Luiz
Especial para o Jornal Opção
O escritor, jornalista e advogado Arthur Edmundo Souza Rios, mineiro nascido na cidade de Campo Belo, no dia 22 de agosto de 1938, fixou-se em Goiás na década de 1960, construindo uma vitoriosa carreira jurídica. Mestre em Direito, atuou como professor de Direito das Obrigações na Universidade Federal de Goiás. Porém, jamais se descuidou de sua vocação para o jornalismo. Escreveu nos jornais mineiros “Pampulha” e “Vida Esportiva”, e posteriormente nos periódicos goianos “IV Poder” e “O Popular”, onde criou e foi titular durante anos de uma longeva coluna sobre “Direito e Justiça”. Escreveu os livros “Direito Agrário, Recursos Humanos e Desenvolvimento, Responsabilidade Civil pelo Risco Profissional”, “Manual de Direito Imobiliário”, “Direito e Justiça” e um elogiado ensaio biográfico sobre a vida e a obra do escritor, médico e militar Americano do Brasil. Aos 82 anos de idade bacharelou-se em Jornalismo pela PUC-GO. O livro “Como Moro conseguiu condenar Lula — Uma Traição aos Princípios Constitucionais da Imparcialidade do Juiz e da Presunção de Inocência e Gritante Falha Ética do Jornal Folha de S. Paulo” é resultado de seu trabalho de conclusão de curso. O livro nasceu polêmico. Sua cerimônia virtual de lançamento, realizada no dia 27 de agosto pela UBE-GO, chegou a sofrer um ataque hacker na tentativa de inviabilizar o evento. Nesta entrevista, Arthur Rios analisa a atuação dez Sergio Fernando Moro quando juiz no famoso caso do “Triplex do Lula”, a influência da Operação Mãos Limpas na Operação Lava Jato, o papel da imprensa na formação da opinião pública no Brasil, a saída de Moro do governo Bolsonaro, suas pretensões políticas e muito mais.
O livro “Como Moro Conseguiu Condenar Lula” possui um subtítulo instigante e provocador: “Uma traição aos princípios constitucionais da imparcialidade do juiz e da presunção de inocência e gritante falha ética do jornal Folha de S. Paulo”. Por que considera que a condenação de Lula foi a “crônica de uma morte anunciada”?
A postura de Sergio Moro como juiz e de toda a Operação Lava Jato jamais foi cientificamente contraditada, durante o processo em primeira instância. Não houve isenção técnica e não se considerou a opinião pública. Se seguirmos a longa sentença, com 238 páginas, da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e guiando-nos pela análise de discurso, notamos claramente que parte significativa do texto consiste quase que unicamente de Moro afirmando sua “imparcialidade”. O ex-magistrado considera a parte da defesa de Lula da Silva em menos de 1% do texto total. São mais de 900 parágrafos e somente nos cinco finais alinha sua denúncia e sentença baseada, exclusivamente, na “teoria do domínio do fato”, ou seja, uma sentença firmada em ilações a partir de uma teoria que não possui aceite universal. A conclusão não é robusta e costura de forma clara e argumentativa as premissas, a metodologia e o modelo adotado de investigação. Parece que mal disfarçou sua pressa em liquidar sua vítima. Assim, a sentença do caso do “Triplex do Guarujá” foi, realmente, uma “crônica de uma morte anunciada”.
Sergio Moro foi muito influenciado pelo modelo judiciário italiano usado na Operação Mãos Limpas. Como ele conseguiu aplicar essas diretrizes no sistema brasileiro?
Na Itália, juízes e promotores têm a mesma carreira, que é a da “magistratura”. A real aproximação italiana entre juízes e promotores em um só grupo e pensamento fica evidente na fase de investigação processual. Veio para o Brasil com Moro e o sistema da Lava Jato, indo contra as definições constitucionais brasileiras, de que ao juiz cabe julgar, ao promotor cabe investigar. Conseguiu aplicar porque conquistou e entorpeceu a opinião pública por meio da imprensa com agendamentos e enquadramentos e valências pré-fabricadas. A Escola de Comunicação de Frankfurt considera o processo de comunicação de massas como manipulativo e opressivo, dando uma imagem do mundo favorável à classe dominante. Não se fala de persuasão e manipulação, mas sim da força que os meios de comunicação possuem em determinar grande parte do que o público pensa e discute sobre a realidade social. Primeiro, é a mídia que define quais são os acontecimentos e os atores que serão noticiados. Segundo, é a mídia que dá ênfase ou não aos temas, fatos e atores. Terceiro, é a mídia que cria as proeminências. Moro é um exemplo. Quarto, é a mídia que adota enquadramentos positivos e negativos, neutros ou ambivalentes. Zygmunt Nauman critica a cobertura da mídia sobre a fome no mundo. Destaca que a questão não é transmitida numa perspectiva que relacione a riqueza global com a pobreza local, dentro do seguinte: “Os interesses econômicos acabaram por esmaecer a atuação política da imprensa e tornar a mídia uma mercadoria, mas não deixando de ser um espaço rico de conflito, de lutas e de contradições”.
A falha ética da “Folha de S. Paulo”
Como o jornal “Folha de S. Paulo” falhou eticamente?
É necessário problematizar os agendamentos e enquadramentos construídos, identificar interesses explícitos e implícitos nas notícias. No caso da “Folha”, em suas matérias do Triplex do Guarujá, é preciso verificar se respeitou princípios básicos do jornalismo, como isenção e direito ao contraditório. O espaço dado ao assunto atendeu principalmente aos interesses da “Folha” como ator político. Tornou-se necessário fazer a análise dos enquadramentos e agendamentos e aplicação da Metodologia de Análise de Valências (MAV), indicando se as valências foram favoráveis, contrárias, neutras ou ambivalentes. O agendamento compreende, em linhas gerais, as escolhas feitas pela mídia entre o que deve e o que não deve ser noticiado e a influência dessas escolhas no debate público. O enquadramento trata dos pontos de vista, ou vieses, em que os fatos são transmitidos, consolidando-se, assim, de formas pouco democrática para beneficiar determinado ponto de vista da mídia. No caso do Triplex do Guarujá, como enquadramento, a “Folha” adotou o método de personalizar o debate. Mostrou Lula de forma excessivamente negativa e, por outro lado, mostrou Moro de forma desmesuradamente positiva. Não se adotou o enquadramento neutro para nenhuma personalidade. A “Folha” falhou em não ter apontado, com o processo em andamento, durante cerca de 500 dias, tudo aquilo que o The Intercept Brasil apontou com o processo já findo. A “Folha de S. Paulo” tinha obrigação de apurar e ir à fundo nas notícias por uma obrigação do código de ética do jornalismo.
Sergio Moro é uma figura controversa. Herói para uns, vilão para outros. Seu rompimento com o governo custou parte considerável de seus apoiadores, que passaram a considerá-lo “traidor”. Como interpreta o ex-magistrado e ex-ministro?
Parece que tinha Moro a mentalidade de investigador, que não é papel do juiz, e sim do promotor, no Brasil. Não via a defesa ou teria certo gosto em punir, algo que se revelou na sua sentença. Por isso insistia tanto em sua imparcialidade. Como na Teoria da Negação de Freud. “Ao negar algo, de fato, o sujeito está é afirmando que se trata de uma relação de sentido existente, que se está reprimindo”, dizia o criador da psicanálise.

Conforme seu livro demonstra, a Operação Lava Jato começou inspirada na Operação Mãos Limpas da Itália. Considera que pode ter um fim parecido?
Houve grande influência da legislação italiana, pois lá não existe a carreira do Ministério Público. Juízes e promotores são magistrados e à magistratura pertence tanto juízes quanto promotores, daí possuírem um corporativismo único. Serem julgadores ou acusadores, na Itália, é uma simples questão de decisão administrativa na carreira, que pode ser revertida a qualquer tempo. Na Operação “Mania Palite”, ou Mãos Limpas, como na Lava Jato, os juízes e os promotores plantaram a técnica jurídica do agendamento da sociedade, para que a sociedade pensasse como eles pensavam. O que o juiz ou promotores queriam, vazavam e a mídia publicava. Em seguida, os implantadores usavam o que implantaram, num círculo vicioso, transformando o juiz Sergio Moro, ou o procurador Deltan Dallagnol como os realizadores de sonhos. Ou seja, os “exterminadores implacáveis da corrupção”. Arnold Schwarzenegger protagonizou o filme “O Exterminador do Futuro” e saltou da profissão de ator para governador da Califórnia. Moro parece ter sonhos de ser presidente do Brasil. A operação Mãos Limpas condenou muita gente, mas, com o tempo, desmoralizou-se e contribuiu para eleger fenômenos como o de Silvio Berlusconi, que se dizia não político, como se isso bastasse, para o eleitor. Isto já se inicia no Brasil.
A argumentação de seu livro pretende-se técnica, baseado em sua experiência como advogado e jornalista. Apesar desse cuidado, o sr. avalia que existe possibilidade de o livro ser interpretado, ou mesmo usado, como uma defesa política de Lula?
O que fiz no livro não foi uma defesa, nem uma acusação, mas uma análise técnica jornalística. É uma pesquisa no aspecto convergente jornalístico e jurídico. A interpretação política pode ocorrer por terceiros, atendendo os normais interesses que se conflitam.

O ministro Gilmar Mendes anunciou que pretende colocar em julgamento no colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) a imparcialidade de Moro no julgamento de Lula da Silva. Obviamente, há interesses políticos nesta decisão. Considerando que o ex-presidente foi condenado em mais duas instâncias, a proposta de Gilmar Mendes se justifica tecnicamente?
Moro precisa ser avaliado no aspecto específico da imparcialidade de juiz, no caso do Triplex do Guarujá. O Judiciário ficou devendo essa transparência à sociedade e a mídia foi coautora.
Como avalia a saída de Sergio Moro do governo do presidente Jair Bolsonaro? Sobretudo considerando que essa decisão aconteceu em plena pandemia?
A saída dele do governo Bolsonaro é decorrência de sua aparente incapacidade de aceitar divergências e lideranças. Supõe-se que nunca trabalhou em órgãos colegiados de trabalho ou de decisão.
Aparentemente, Sergio Moro possui pretensões políticas para 2022. O sr. que ele é um candidato competitivo para Presidência da República? Teria interesse em outro cargo?
Será um candidato competitivo para a Presidência da República. A sua campanha foi feita pela Lava Jato e pela mídia. Um cargo de ministro do Supremo poderia causar desconfortos para si e terceiros, nos julgamentos colegiados.
Havia muita expectativa na indicação de Sergio Moro para o STF pelo presidente Bolsonaro ainda em 2020. Esse cenário tornou-se inviável, mas é possível fazer um exercício de imaginação de como seria sua atuação na Suprema Corte? Seria um bom nome?
Teria uma atuação marcantemente positivista, pois a visão que possui de si mesmo é de um convicto “exterminador de corruptos”. Porém, teria dificuldades nos colegiados.
O presidente Bolsonaro reclama muito da imprensa tradicional, afirmando que superdimensionam os aspectos negativos e que não reportam as ações positivas do governo. De modo geral, existe problemas éticos na cobertura da imprensa ao governo?
A imprensa, diante da azáfama diária, não faz sempre julgamentos aprofundados cumprindo “o compromisso fundamental do jornalista, que é com a verdade, no relato dos fatos, atendendo muitas vezes os interesses das direções dos órgãos em que trabalha, ou os seus próprios interesses decorrentes de sua cultura. Sempre deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela correta divulgação”, conforme o artigo 4º do Código de Ética.
O sr. atua na imprensa desde a década de 1960, mas decidiu fazer bacharelado em Jornalismo recentemente, formando-se na PUC-GO em 2019. Como foi essa experiência de “voltar às aulas”, depois de uma carreira bem-sucedida na advocacia?
A experiência de voltar as aulas foi forte. Tive choques, como ser levado à diretoria para ser processado, por ter opiniões formadas. Tive dificuldades de empatia com jovens ligados ao movimento LGBT, ao feminismo e ao gramscismo [do filósofo italiano Antonio Gramsci], embora respeitasse suas posições políticas. Tive a contrariedade de professor da cátedra do meio ambiente, quando observei que o ambientalismo nasceu na Alemanha nazista. Quando se olha para os movimentos xenófobos de direita na Europa do século 20, incluindo o fascismo alemão, é frequente verificar que tinham uma dinâmica ambiental muito forte. Antes de galgar politicamente o poder, Hitler disse em uma reunião do partido nazista que “qualquer política que não tenha uma base biológica ou objetivos biológicos é uma política cega”.

O sr. escreveu um ensaio biográfico sobre Americano do Brasil. Qual a importância desse personagem no cenário cultural goiano?
É uma figura que merece ser lembrada. Nasceu em 1892, em Bonfim, atual cidade de Silvânia. Com 18 anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Formou-se em Medicina em 1917, sendo o orador da turma. No mesmo ano começa sua carreira militar, chegando a capitão. Entre 1921 e 1924 atuou como deputado federal. Teve projetos importantes, como a lei do curso primário obrigatório, a lei da vacinação antivariólica e a lei de fixação da capital da República no chamado “Tabuleiro do Descoberto”, aqui no Planalto Central. Politicamente foi um caiadista atraído pela Aliança Liberal. Por conta de questões amorosas, foi assassinado, com cinco tiros em 1932, pelo agrônomo Aldovrandro Gonçalves. Vinte e nove anos após a sua morte, tivemos a inauguração de Brasília em louvor ao idealizador, Americano do Brasil. Escrevi essa biografia para ajudar na manutenção dessa memória.