Sérgio Abranches diz que as ruas e o Judiciário não têm como superar a crise política do Brasil
25 março 2016 às 16h38
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Os políticos criaram a crise e agora têm a obrigação de resolvê-la. Mas, para superá-la, é preciso despolarizar. Lula da Silva está polarizando e impede qualquer entendimento
A revista “Época” publicou uma entrevista, na edição de 21 de março, que merece debate, mas, no clima polarizado do país, não deve ter agradado os que defendem e os que criticam a presidente Dilma Rousseff, do PT. Tempos quentes sugerem engajamento e menos reflexão. Pois reflexão e ponderação inteligente é o que o cientista político Sérgio Abranches oferece ao leitor na entrevista “Atacar juízes exacerba a polarização”, concedida ao repórter Marcelo Moura.
Autor da expressão “presidencialismo de coalizão” — que não sai da boca até do ex-presidente e senador Fernando Collor —, Sérgio Abranches afirma que o convite para Lula da Silva se tornar ministro do governo Dilma Rousseff, que teoricamente seria a salvação dos dois petistas (um se livraria da cadeia e a outra, manteria o mandato), acabou polarizando ainda mais a política. “Para ter solução negociada, é preciso despolarizar”, sugere. Lula, que era apontado como agregador, está ampliando as arestas.
As críticas dos petistas ao Judiciário, notadamente ao juiz Sergio Moro, mas também ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, podem açular a militância. “Atacar juízes é exacerbar a polarização. O Judiciário está investigando a corrupção e a constitucionalidade de certos comportamentos. Para isso ele segue um trâmite, um ritual. Se Moro exorbitou, o caminho efetivo é recorrer ou denunciar. Existem instâncias superiores, corregedorias.”
Há uma espécie de Partido do Judiciário do Brasil (PJB)? Não há. Mas o Judiciário ganhou espaço na política e Sérgio Abranches apresenta uma explicação convincente para o fato: “A hiperjudicialização da política é consequência do modelo de presidencialismo de coalizão que emergiu da Constituição. Depois de 1988, o Judiciário passou a cumprir, constitucionalmente, o papel interventor que os militares até então desempenhavam inconstitucionalmente. Nosso modelo político tornou-se muito dependente da harmonia entre os poderes Executivo e Legislativo. Quando governo e Congresso entram em impasse, restam poucas alternativas.
Sem buscar uma saída negociada e sem mudar o discurso, é praticamente impossível. A radicalização polarizada produz paralisia e conduz a um processo de instabilidade cada vez pior. Temos um cenário que aponta para alguma ruptura: ou a renúncia, uma decisão particular e imprevisível, ou a cassação do mandato. Caminho obrigatório para a cassação, o Judiciário se torna decisivo na política. A hiperjudicialização decorre da incapacidade do sistema político de resolver suas próprias crises”.
Mas o Judiciário tem condições de resolver crises políticas? A resposta de Sérgio Abranches é um dos pontos fortes da entrevista. O cientista político sugere que a capacidade do Judiciário solucionar crises políticas é “pequena”. “O Judiciário interfere no processo político, mas sua lógica de atuação é politicamente ruim. Fundamentalmente, a Justiça é cega. Não tem objetivo de conciliação, apenas de investigar e julgar questões, à luz da lei. A solução das crises políticas tem de ser política e, no caso do presidencialismo de coalizão, a margem para isso acontecer é muito pequena.” O Judiciário julga, condenando ou absolvendo, mas sua missão não é resolver a crise política.
O repórter Marcelo Moura observa que as ruas e o Judiciário “abalam” a política, mas não chamam “para si a responsabilidade de erguer algo no lugar”. Deveria ter acrescentado: nem tem instrumentos para isto. Sérgio Abranches concorda com o repórter da “Época”: “No curto prazo, eles agravam a crise.”
O governo de Dilma Rousseff tem condições de resolver a crise de maneira negociada? Sérgio Abranches sublinha que a situação é complicada: “O atual cenário macroeconômico é incompatível com alguma estabilidade política. Temos inflação alta, desemprego alto e recessão pronunciada. A radicalização entre governo, Congresso e ruas torna a sobrevivência política ainda mais delicada. A única forma de superar essa crise é pela negociação. Uma negociação transpartidária, que encontre uma solução de compromisso. Historicamente, no Brasil, quando falhou a solução negociada para a crise, houve ruptura. Institucional ou política”.
As pessoas nas ruas brasileiras, independentemente de orientação partidária ou ideológica, não são um fato isolado. Trata-se de um fenômeno global. “As ruas são um novo ator político no mundo inteiro. (…) Esse novo ator político se articula pelas redes sociais, sobretudo por smartphones. Ele não quer o governo atual nem os políticos convencionais, mesmo os de oposição. Mas falta clareza sobre o que quer no lugar”, diz Sérgio Abranches.
Nas próximas eleições — para prefeito, governador, presidente, vereador, deputado e senador —, qual o tipo de perfil político será escolhido pelos eleitores para legislar e administrar? “Os candidatos que conseguirem mostrar que atendem melhor às demandas das ruas, como a lisura, devem ganhar espaço já nas próximas eleições municipais”, sugere Sérgio Abranches.