Sem querer, Bolsonaro “derrubou” Olavo de Carvalho da Editora Record?
30 julho 2021 às 13h27
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Será que a verdadeira democracia é esta em que se exclui quem pensa diferente de nós? Até pouco tempo, o filósofo era um xodó da maior editora do país
O filósofo Olavo Carvalho não mudou um milímetro nos últimos dez anos. Pois, neste período, a Record faturou alto com seus livros e os promovia de maneira incessante. De repente, a editora descobriu que, conservador e de extrema-direita, não lhe serve mais. Felizmente, para a empresa, não há, por certo, em seus quadros nenhum escritor de extrema-esquerda, desses que vivem a justificar tanto o soviético Ióssif Stálin quanto o chinês Mao Tsé-tung. Teria coragem de exclui-lo?
O que se deve concluir, considerando que Olavo de Carvalho não mudou? O óbvio: a Record esteve, durante mais de dez anos, inteiramente equivocada.
Mas o que, de fato, aconteceu para Olavo de Carvalho ser expurgado da Record, se antes era respeitado, inclusive pelo editor anterior, Carlos Andreazza, que o promovia com fervor? O filósofo talvez não esteja vendendo como antes, por ter se tornado uma espécie de “guru do fundamentalismo” bolsonarista. Mais: o radicalismo dos tempos atuais, com a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula da Silva (PT), que amam se odiar, talvez seja a causa do rompimento do contrato entre o filósofo e a editora.
Ficar com Olavo de Carvalho é o mesmo que ficar com Bolsonaro. Esta parece ser a conclusão da editora, evidentemente não expressa. A explicação da Record é mais polida: “O Grupo (Editorial Record), que completa oito décadas em 2022, segue publicando autores que representam as mais variadas correntes de pensamento, tanto do campo conservador quanto do progressista, com a convicção de que desta forma contribui para o debate público. A pluralidade e o incentivo ao debate de ideias são compromissos que norteiam e seguirão norteando as decisões editoriais da Record”.
A rigor, Bolsonaro é “ruim” por ser de direita? O problema do presidente é a intolerância com aqueles que pensam diferentemente dele e o fato de manter a democracia sob tensão, ameaçando, com frequência, o Supremo Tribunal Federal e a Imprensa, que, valorosamente, não se calam. Quem é democrata de verdade, mesmo não sendo de esquerda, tem dificuldade, imensa, de ficar ao lado de quem ameaça a democracia e se diz um apóstolo da ditadura, por certo não apenas a de 1964 a 1985. Ele não é ditador, pois as instituições, mesmo sob pressão, ainda funcionam livremente, mas seu discurso é de pró-ditadura.
Se Bolsonaro é ruim, dada a intolerância em relação aos democratas — suas críticas à imprensa não são de matiz democrático —, deve-se aceitar que uma editora boicote a obra de um filósofo só porque é seu seguidor? A Record é uma empresa privada, por isso pode decidir sobre quem publicar. Mas, numa casa de tradição democrática — trata-se de uma editora de excelente qualidade, com vários selos (ou editoras) —, o que se fez com Olavo de Carvalho não beira à censura? É um assunto a debater.
O editor-executivo da editora, Rodrigo Lacerda — parente de Carlos Lacerda, talvez o maior golpista de direita da história brasileira (o que não quer dizer que Rodrigo Lacerda pense da mesma forma) —, disse ao jornal “O Globo” na quinta-feira, 29: “O posicionamento do Olavo hoje é de uma convivência péssima com as vozes discordantes, para dizer o mínimo”. O que o escritor (um dos meus prosadores preferidos, além de ótimo tradutor) e editor diz não é falso. Mas, insistindo: a Record descobriu isto agora? Ou está apenas querendo retirar a “tribuna” — do maior grupo editorial do país — de um apologista de Bolsonaro?
Será que a verdadeira democracia é esta em que se exclui quem pensa diferente de nós? Será que inventaram a “intolerância do bem”?
[Quem escreveu o texto acima não está no mesmo campo político nem de Bolsonaro nem de Olavo de Carvalho e prefere um candidato a presidente da República que seja de centro. Mas, na hipótese de um segundo turno contra o PT de Lula da Silva, não ficará ao lado do presidente.]