Na vida e no futebol, lidera-se pelo exemplo e pelas palavras. Neymar, de 30 anos, lidera, quando quer, pelo exemplo, pois joga muito bem. Falta liderar pelas palavras, sugerindo o que se deve fazer em campo. Mas falta-lhe maturidade.

Quando quer, sobretudo se acossado pela crítica, Neymar joga bem e encanta as torcidas do próprio time e dos clubes adversários. Seu futebol é vistoso e, por vezes, produtivo.

Dada certa irregularidade do craque, espécie de Peter Pan do futebol, nenhum time pode confiar inteiramente nas suas ações em campo. Por isso, o Paris Saint-Germain mantém o francês Mbappé — que excede na rejeição ao brasileiro — e o argentino Messi ao seu lado. O PSG sabe que não pode fiar-se tão-somente em Neymar e por isso precisa de outros astros mais constantes.

Vini Jr., craque que pode se tornar o sucessor de Neymar na seleção | Foto: Reprodução

Craque de verdade, e não produto de marketing, Neymar talvez seja uma criança que se fez homem, em termos de idade, mas ainda não tem maturidade suficiente para a tomada de decisões cruciais. Controlado pelo pai, que é sua cabeça nos negócios, o menino que se tornou balzaquiano vive de acordo com o princípio do prazer. No campo, às vezes tem dissabores, como a rivalidade com Mbappé — que é bom e aplicado, mas não tem a genialidade do aliado-rival — e as vaias dos torcedores. Reage com irritação, como se fosse um garotinho que, na loja de brinquedos, dá birra porque os pais não querem comprar o carrinho motorizado.

Se em campo, sua primeira casa, Neymar enfrenta contrariedades, fora dele, nas festas e em encontros com mulheres belas, Neymar esbalda-se — sentindo-se muito bem. Milionário, famoso e bonito, o ás do futebol parece cada vez mais alegre com a vida que leva fora dos gramados. Fica-se com a impressão de que os prazeres extracampo estão se tornando mais atrativos.

Richarlison: centroavante pode-se tornar o Furacão da Copa de 2022 | Foto: Reprodução

Nos gramados, apesar de se dizer que Neymar é “cai-cai”, o atacante é caçado, de maneira implacável, pelos zagueiros e jogadores de outras posições. Parece que há jogadores que são escalados, não para marcá-lo, e sim para pisoteá-lo. Como joga bonito, iluminando os olhos dos torcedores, os adeptos do futebol-feio, o violento, decidem que é preciso pará-lo de qualquer maneira. Então, no lugar de criticarmos aquele que cai, devíamos vituperar aqueles que batem duro nos jogadores-artistas — os que levantam as torcidas, que exclamam: “Ah!”, “que belo!”

Neymar é um craque, dos raros — os que jogam bonito e ainda fazem gols. Mas os zagueiros, alas e até volantes são pagos para não deixá-lo jogar. O que se defende, na prática, é um futebol mais objetivo, anti-belo. Tal futebol o atacante, espécie de Aquiles ou Ulisses dos gramados, não sabe praticar. Mesmo caçado em campo, por adversários vorazes, continua jogando bonito, partindo para cima, driblando todo mundo e fazendo gols que empolgariam Picasso e Van Gogh ou dando assistências magistrais.

Casemiro não faz firulas, mas dita o jogo da seleção | Foto: Reprodução

Por que Messi aprecia Neymar? Porque o percebe como um par. Não à toa ambos são caçados em campo. O belo, a arte de esculpir com a bola, é cada vez mais punido.

Ah, e o Neymar bolsonarista? Arrisco-me a sugerir que Neymar nem sabe direito o significado do que são bolsonarismo e petismo. Sabe por alto, por assim dizer. Política certamente não lhe interessa. Alguém, talvez seu pai, pode ter lhe dito: “Vá lá e declare apoio ao presidente Jair Bolsonaro”. O assunto, dez minutos depois da declaração, que lhe arrancaram a fórceps, certamente logo será esquecido. Amanhã, se o pai lhe pedir uma declaração pró-Lula da Silva, o presidente da República eleito pelo PT, o jogador não hesitará. O que o garoto quer mesmo é bater um bolão nos e fora dos estádios.

Pode-se postular que, a rigor, Neymar não é bolsonarista, e sim “interesserista”. Se há impostos ditos escorchantes, porque a gula do Estado é pantagruélica, o que há de se fazer senão adular os homens do poder — daqueles que, na circunstância, mandam em quase tudo, inclusive no “afrouxamento” das regras fiscais.

Rodrygo: o craque do Real Madri é um garoto, mas tem personalidade e joga bem | Foto: Reprodução

Mas agora falemos um pouco da Copa do Catar (ou Qatar). No jogo contra a Sérvia, com sua defesa quase inexpugnável — eram 11 “zagueiros” em campo —, Neymar praticamente não brilhou e acabou se machucando, ou melhor, um jogador rival o machucou.

Um dos motivos de Vini Jr., outro craque — aos 22 anos, parece mais maduro do que o colega de 30 —, brilhar, sempre levando perigo ao gol adversário, tem a ver com Neymar. A Sérvia, por conhecer a capacidade de explosão do atacante do PSG, dedicou-lhe uma marcação especial, tanto que o tirou de campo. 

Com sua habilidade habitual, além de sua ampla percepção do jogo, Vini Jr. deitou e rolou. Depois, quando perceberam que representava um perigo, os sérvios passaram a marcá-lo com mais atenção, mas sem se descuidar de Neymar. O cerco ao jogador do Real Madri e a Neymar “libertou”, de alguma maneira, Paquetá e Richarlison, também bons jogadores.

Thiago Silva: o zagueiro-craque que é um lorde em campo | Foto: Reprodução

Richarlison é um atacante de primeira linha, altamente produtivo — fez dois gols contra a Sérvia, um deles belíssimo —, mas não tem um jogo tão vistoso quanto o de Neymar e o de Vini Jr. Mas faz gols, e alguns belos, e é isto o que importa realmente para um atacante, um centroavante. Ele é como o Jairzinho da Copa de 70: um homem-gol. Talvez esteja nascendo um outro Furacão.

Há mais a dizer sobre Neymar e o time. Se o craque não estava muito bem, errando passes elementares, o time, sobretudo no segundo tempo, parece ter tomado uma decisão — do tipo que não se explica, quiçá “inconsciente” — que se mostrou produtiva. Não deixou a estrela de lado, mas “resolveu” que precisava jogar e vencer à sua revelia. Então, todos começaram a se movimentar em campo, traçando várias jogadas, com ou sem a participação direta de Neymar — o que resultou em dois gols bem articulados.

Tite: um técnico que lida bem com a garotada, fortalecendo seu talento | Foto: Reprodução

Não se pode deixar de mencionar Casemiro, que, se não é um craque como Neymar e Vini Jr., é uma espécie de Clodoaldo, o da seleção de 1970. Trata-se de um jogador-presente, que arma e desarma, e, agindo assim, lidera o time.

Além de Casemiro e Lucas Paquetá, os zagueiros Thiago Silva — um lorde operacional em campo — e Marquinhos deram segurança à seleção.

Há dois aspectos cruciais. Primeiro, mesmo com Neymar nas nuvens — tipo Enéas, o da Portuguesa —, a seleção funcionou bem. Tanto que ganhou de um time que, se não é excelente, armou uma retranca que, no primeiro tempo, funcionou muito bem. Fica-se a impressão de que, se não acabou, a neymardependência diminuiu. Porque o time cresceu exatamente quando deixou de jogar via Neymar, e sim por meio de outros jogadores, como Casemiro, Paquetá, Vini Jr. e Richarlison. Isto significa que Neymar é dispensável? De maneira alguma.

Quando Neymar está em campo, a seleção adversária mantém, em regra, dois jogadores para marcá-lo — o que libera outros atletas, como Vini Jr. e Richarlison. Então, mesmo sem jogar bem, o nosso Peter Pan não deixa de ser valioso.

Segundo, mesmo batalhando para marcar gols e esbarrando na retranca da Sérvia, a seleção brasileira, composta de jovens, não se desesperou. Pelo contrário, manteve o bom jogo, mostrou-se tranquila e acabou por fazer dois gols, e “golos” que resultaram do trabalho de equipe e não apenas do esforço individual de uma estrela. Os garotos mostraram-se maduros e, de alguma maneira, foram “educativos” para Neymar.

Por fim, duas perguntas. Primeira, a Sérvia tem uma grande seleção? O que se pode dizer é que se trata de uma equipe bem armada, na defesa, mas sem um ataque consistente. Ao atacar mal, com receio de contra-ataques, a seleção red acabou abrindo espaço para a seleção brasileira manter-se inteiramente no ataque, pressionando o tempo todo, sobretudo pelas pontas. Pode-se sugerir que a “covardia” da Sérvia, que não soube atacar e acabou por perder a capacidade de se defender, deu a vitória ao Brasil.

Segunda, quem deve substituir Neymar? O técnico Tite, que sabe lidar com a garotada, certamente vai optar por um jogador mais experiente. Mas, se perguntasse a mim, eu daria uma sugestão não ortodoxa: colocaria o jovem Rodrygo, de 21 anos, para jogar ao lado de Vini Jr. Os dois têm brilhado no Real Madri.