Quedé atónita ante su inteligencia efervescente que bebía a traguitos por el cosquilleo de agua mineral que me producía. Era como estar delante de una chimenea encendida: uno sigue el baile de las llamas. Todo cuanto él decía estaba dicho de una manera especial y penetrante. Me acuerdo de su manera de decir las cosas más que las cosas que decía. Ortega tomaba un tema y lo seguía como los reflectores siguen, en un ballet, los ‘entrechats‘ del bailarín solista. Con esta diferencia, él era a la vez los reflectores y el bailarín. — Victoria Ocampo, em sua ‘Autobiografía’.

Silvina Ocampo e Victoria Ocampo (1890-1979) são duas autoras importantes da Argentina. Como escritora, na minha apreciação, Silvina é superior à irmã e um par de Bioy Casares, seu marido, e Julio Cortázar (com o qual, aqui e ali, sua literatura tem algum parentesco). Porém, como agitadora cultural, digamos assim, Victoria estava anos luz à frente da hermana mais jovem.

Ortega y Gasset e Victoria Ocampo | Foto: Fundación Ortega e Marañón

A família Ocampo era riquíssima e Victoria fez excelente uso de seu dinheiro. A escritora, editora e mecenas das artes criou a revista “Sur” e a editora “Sur”. Com as duas, além de incentivar os criadores locais (Jorge Luis Borges e Oliverio Girondo, por exemplo), divulgou o que havia de melhor na literatura internacional (Virginia Woolf, James Joyce, entre outros).

Politicamente conservadora (e anti-fascista), Victoria era revolucionária como editora, tanto da revista quanto da editora, e como mulher. Casou-se com um homem que não amava e manteve um relacionamento com outro homem, que amava, Julián Martínez, e namorou o escritor francês Pierre Drieu la Rochelle. Sua obra literária e sua correspondência estão sendo publicadas, o que robustece sua importância como criadora artística e, ao mesmo tempo, como incentivadora do que se produziu de melhor na literatura de seu país e do mundo.

Em 1916, Victoria conheceu o filósofo Ortega y Gasset, em Buenos Aires, e ele a influenciou nas suas “aventuras” intelectuais e editoriais. A “Revista do Occidente” e a editora Occidente influenciaram a argentina na criação da revista e da editora Sur.

Ao se conhecerem, Victoria, de 27 anos, não se deslumbrou com o filósofo espanhol, um brilhante especialista em Kant, então com pouco mais de 30 anos. Ao contrário da escritora, Ortega y Gasset ficou siderado pela aristocrata argentina — uma mulher rica, poderosa, independente e inteligente.

Ortega e Gasset acercou-se de Victoria e começou a cortejá-la. Deu-se mal. Ela explicou-lhe que estava apaixonada por Julián Martínez.

Quanto voltou para a Espanha, ainda mesmerizado, Ortega y Gasset entabulou uma correspondência animada com Victoria. Entretanto, quando o filósofo desmereceu Julián Martínez, sugerindo que não estava à sua altura, a escritora argentina cessou a correspondência por sete anos. Apesar disso, quanto retomou a troca de cartas, disse: “Eu nunca deixei de pensar em você como uma ‘intacta e profunda amizade’”. A história está muito bem contada nas biografias “Victoria Ocampo” (Circe, 341 páginas), de Laura Ayerza de Castillo e Odile Felgine, e “Victoria Ocampo — El Mundo Como Destino” (Seix Barral, 317 páginas), de Maria Esther Vázquez. Não li o recém-lançado “Vida de Victoria Ocampo” (Eila, 234 páginas), de Lidia Andino Trione.

Bioy Casares , Victoria Ocampo e Jorge Luis Borges | Foto: Reprodução

Na “Autobiografía”, Victoria Ocampo menciona a “inteligência efervescente” de Ortega y Gasset, a quem admirava e respeitava como intelectual. Os dois trocaram várias cartas.

A correspondência entre a argentina e o espanhol está reunida no livro “Cartas: José Ortega y Gasset-Victoria Ocampo (1917-1941) — Entre el Corazón e la Razón” (Editorial Biblos, 430 páginas). A obra contém 122 cartas e há várias notas com o objetivo de esclarecer alguns pontos às vezes obscuros.

Carmen R. Santos, do jornal espanhol “Abc”, resenhou o livro na edição de quinta-feira, 9. A recensão saiu com o título de “Ortega y Gasset y Victoria Ocampo, las confesiones de una de las relaciones intelectuales más sugerentes”.

Porém, ao contrário do que assinala a jornalista espanhola, a fascinação de Victoria por Ortega y Gasset não foi imediata. Como escrevi acima, o filósofo ficou encantado, à primeira vista. A argentina passou a apreciá-lo, mas não rapidamente.

“Abc” diz que o livro “recolhe uma ampla e suculenta correspondência entre” Victoria e Ortega y Gasset de 1917 a 1941. “O gênero epistolar era um dos preferidos de Ocampo”, escreve Carmen R. Santos. Os interlocutores “confiavam” um no outro. “Além das questões profissionais [ambos eram escritores e editores], manifestavam afeto e falavam de como estavam se sentindo.”

Numa das últimas cartas, de 1941 — a Alemanha nazista de Adolf Hitler estava, nesse ano, vencendo a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) —, Ortega y Gasset relata a Victoria que não está bem. Inicialmente, diz que o “carinho” que sente pela argentina é “o mesmo de sempre”. Mas ressalva que não pode ir vê-la, na Argentina, porque “não” tem “forças”. Nada de interessante ocorre na sua vida e, por isso, o filósofo acrescenta: “Atravesso a etapa mais dura de minha vida”. Ele diz que teme morrer e admite que está “angustiado”.

Numa carta de 1928, Victoria escreve para Ortega y Gasset: “Estou passando os dias de maior angústia de minha vida. Não tenho forças, não tenho tranquilidade. Vivo num estado de pânico ‘quase contínuo’”. A escritora afirma que, apesar da provável depressão, precisa fingir que está tudo bem.

Nas cartas, Ortega y Gasset chama Victoria de “Gioconda de la Pampa”, “Gioconda Austral” e “Nike” (“deusa da vitória em grego” — Atena).

Victoria recrimina Ortega y Gasset por “não colaborar assiduamente com a revista ‘Sur’”. O autor de “A Rebelião das Massas” e “Meditações do Quixote” escrevia mais na “Revista de Occidente”, além, claro, de se dedicar à densa produção filosófica.

Até o final do ano, deve sair o segundo volume com cartas entre Victoria e Soledad Ortega, filha do filósofo. Ela e o filho, o historiador José Varela Ortega, criaram a Fundação Ortega de Madri, “hoje Orteza/Marañón, que custodia seus legados”.