O boxe é como o romance: volta e meia, sem nada para fazer, jornalistas criam pautas anunciando o seu fim. Mas eles continuam

O boxe não morre. O boxe é imortal. Mas volta e meia alguém, em geral quem não aprecia a nobre arte, decreta sua morte.

É sempre assim: depois da aposentadoria de um de seus mais notáveis artistas — esculpem com os punhos; diria, até, que é balé com os punhos —, alguém aparece nos jornais, ou nas revistas, para decretar sua morte.

O excepcional Joe Louis saiu de cena e, pronto, o boxe “morreu”. Aí surgiu Muhammad Ali, um fenômeno nos e fora dos ringues (talvez tenha sido o primeiro boxeador 100% midiático), e “matou” os que não paravam de falar na morte do boxe. Porém, com sua aposentadoria, mais uma vez disseram que o boxe estava moribundo — ou morto, assassinado, enterrado. Na cova.

Aí apareceu Mike Tyson, uma mistura da arte de Ali com a força de George Foreman. Com sua decadência, o boxe mais uma vez ganhou um caixão e sete palmos. Aí apareceu, sem discrição, boxeadores talentosos como Floyd Mayweather (americano) e Manny Pacquiao (filipino). O boxe é a fênix das artes: sempre ressurge das cinzas de aço “criadas” e “espalhadas” por seus críticos.

Na edição desta semana, a “Veja”, com texto de Alexandre Salvador — que parece entender mais de agência funerária do que de boxe —, mais uma vez investe contra o boxe, agora com a reportagem “A última chance do boxe”. De quebra, diz que o MMA, vítima de escândalos, começa a entrar em decadência. A revista da Editora Abril está se especializando na arte de decretar a morte de alguma coisa, ou de alguém. Porém, mesmo traçando o obituário do boxe, a “Veja” não tem como desconsiderar seus números. Como pode ser decadente um esporte que paga 300 milhões de dólares para Floyd Mayweather (60%) e Manny Pacquiao (40%).

Ah, a revista dirá: é um caso único. E tem razão. Mas outras lutas importantes pagam bolsas altíssimas e alguns dos atletas mais ricos do mundo são boxeadores. A maior bolsa do MMA fica a quilômetros de bolsas medianas do boxe.

O boxe, na verdade, é como o romance: volta e meia, sem nada para fazer, jornalistas criam pautas anunciando o seu fim. Mas o boxe e o romance continuam. Mudam, mas não morrem. Daqui a pouco surgem boxeadores de alta qualidade e os obituários definitivos da “Veja” serão esquecidos, inclusive pela própria revista.

Boxe, cinema (se for arte) e literatura são artes irmãs. Tanto que entre seus apreciadores podem ser listados: David Remnick (editor da revista “New Yorker” e autor de precisa biografia de Muhammad Ali), Ezra Pound, Hemingway, James Joyce, John Huston (diretor de cinema), Joyce Carol Oates (autora de um livro sobre boxe muito bom), Norman Mailer (autor do excelente “A Luta”, sobre a batalha do Zaire entre Muhammad Ali e George Foreman, em 1974) e Robert de Niro (ator do belíssimo filme “O Touro Indomável”).

[Acima, na foto, Floyd Mayweather e Manny Pacquiao]