Emily Dickinson: a Walt Whitman de saia dos Estados Unidos. Foto: Wikipedia
Emily Dickinson: a Walt Whitman de saia dos Estados Unidos. Foto: Wikipedia

A “Cult” criou uma seção, “Torre de Babel”, para publicar traduções de poesias inéditas. Augusto de Campos inaugura a página com tradução de uma poesia de Emily Dickinson. O poeta pós-concretista captura bem o trabalho da poeta americana. Apesar de se apresentar como tradutor transcriativo, é bastante fiel ao conteúdo e à forma do poema da Walt Whitman de saia da América — inclusive no uso de sua pontuação estranha, com travessões que, digamos, “falam”, “cortam” e “acrescentam”. Mais: o travessão, se pontua, se cria uma pausa, não fecha necessariamente a questão, sugerindo mais continuidade, aberturas. Augusto de Campos, excelente no campo da tradução, é fiel também ao uso às vezes idiossincrático de maiúsculas, típico de la Dickinson, poeta do século 19 que parece ter escrito ontem, de tão vivaz e atual. As maiúsculas sugerem palavras que se tornam “sujeitos”? Talvez. A iniciativa da revista é excelente e espera-se que faça como a “Folha de S. Paulo”, que, depois de publicar poesias de vários autores no extinto suplemento “Folhetim”, reuniu-as e publicou um livro.

A minha Vida era uma — Arma —
À Espreita — até que um Dia
Passou o Dono — e Me levou
Em sua companhia —

E agora em Selvas Soberanas —
Caçamos em Terras estranhas —
E sempre que por Ele eu falo
Ressoam as Montanhas —

Sorrio, e a luz cordial que mana
Todo o Vale irradia —
Tal uma face Vesuviana
Fluindo de alegria

E quando à Noite — Ido o Dia —
Eu velo o Sono do meu Mestre —
É mais suave do que Pluma
A Cama que nos resta

Seu inimigo — é o meu —
Não ousa uma outra vez —
Quem meu Olho-luz viu
Ou meu Dedo desfez —

Embora eu possa — viver mais
Maior ainda é o Seu poder —
Pois tenho só o de matar,
Sem ter o de — morrer —