Resultado do Pisa prova que educação reforça desigualdade entre pobres e ricos no Brasil
10 dezembro 2023 às 00h01
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A educação pública de qualidade é uma maneira, direta ou indireta, de distribuição de renda. Talvez seja o maior programa social de um governo. Desde a criação do Fundef e, depois, do Fundeb, a escola pública melhorou, mas está aquém do esperado. O resultado do Brasil na prova de Leitura do Pisa escancara as diferenças entre os alunos das escolas particulares e públicas.
Tomo por base uma reportagem de Renata Cafardo, do “Estadão”, publicada sob o título de “Pisa: alunos mais ricos da rede particular do Brasil têm nota igual à de países do top 5”. Certa feita, na redação do Jornal Opção, Raquel Teixeira, então secretária da Educação do governo de Goiás, disse que um resultado negativo no Pisa levou os Estados Unidos a discutir, de maneira ampla, o ensino praticado em suas unidades escolares. No Brasil, poucos jornais — “O Estado de S. Paulo” publicou ótimos textos — deram espaço ao resultado, no geral ruim para o país. Muitos deles mantêm na pauta — de maneira insistente e cansativa — a história de Ana Hickman e, diria García Márquez, e seu marido desalmado.
Divulgado na terça-feira, 5, o Pisa, no registro de Renata Cafardo, mostra que “as notas dos alunos mais ricos que estudam em escolas particulares no Brasil, na prova de Leitura, é equivalente às registradas pelas nações do topo do ranking, como Estônia e Coreia do Sul. O desempenho seria suficiente para colocar o Brasil na 5ª posição global do ranking”. Noutras palavras, os ricos brasileiros estão bem globalmente. E, assim, não estão aquém dos ricos japoneses, americanos, alemães, coreanos etc.
Juntos, jovens brasileiros de escolas públicas e particulares aparecem em 52º lugar (81 países foram avaliados) no ranking do Pisa, entre Moldávia e Jamaica. Ou seja, quando estão só os ricos, o Brasil sobe na posição global para a 5ª posição. Incluindo os pobres, cai para o 52º lugar.
De acordo com Renata Cafardo, “fatores como baixa escolaridade dos pais, acesso a uma alimentação de qualidade, a oportunidades culturais e o tempo live para estudar impactam os alunos mais vulneráveis. Já a qualidade do ensino é alavancada, principalmente, por uma boa formação dos professores e pelas expectativas mais altas de aprendizagem entre os jovens da rede privada”.
Ciência e Matemática
O desempenho dos jovens mais ricos em Ciência é alto — 509 pontos. Os alunos brasileiros, no caso, equiparam-se aos da Finlândia e da Austrália — que figuram nas 9ª e 10ª posições.
Os brasileiros de classe alta estão no 29º lugar em Matemática. “Um ponto abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mesmo assim, acima dos Estados Unidos e Noruega, com 471 pontos”, frisa o “Estadão”.
Diretor do Interdisciplinariedade e Evidências no Debate Educacional (Iede), Ernesto Faria sublinha que “o Pisa reforça mais uma vez a nossa grande desigualdade” social. “A nossa educação permite uma maior aprendizagem aos mais ricos.”
Ernesto Faria assinala que é preciso priorizar o ensino da Matemática no Brasil. O país, na nota geral em Matemática — incluídos estudantes pobres, de classe média e ricos —, ficou com 379 pontos, no 65º lugar, sendo superado pela Colômbia e Cazaquistão.
A nota em Ciência — 403 pontos — deixou a nação patropi na 61ª posição, ficando atrás da Argentina e do Peru.
Os países desenvolvidos saíram-se mal em Matemática e Leitura, durante a pandemia. A situação do Brasil, que não era boa, permaneceu estável.
Segundo o ministro da Educação, Camilo Santana, o Brasil caiu menos do que outros países porque os governos dos Estados atuaram com firmeza, à revelia do governo federal (uma estocada na gestão anódina e equivocada do ex-presidente Jair Bolsonaro).
O ministro pontua que, em termos de matemática, nem mesmo os alunos das escolas particulares se saíram muito bem. “A disciplina é a única em que os estudantes da rede particular — independentemente do nível socioeconômico — não atingem a média da OCDE (472 pontos)”, anota o “Estadão”.
Presidente do Instituto Singularidades e ex-diretora de Educação do Banco Mundial, Claudia Costin diz, na síntese do “Estadão”, que “o fato de alunos de escolas particulares também terem dificuldades em Matemática pode ser explicado tanto pela formação precária dos professores como pelo modelo de ensino”.
Claudia Costin enfatiza: “Não ensinamos a pensar matematicamente nas escolas públicas e nas particulares e às vezes é o mesmo professor que dá aula nas duas. E o tempo para uma aula mais dialogada é pequeno, já que o Brasil optou por tempo parcial de aula, diferentemente de outros países, cujos alunos ficam muito mais tempo na escola”.
“O que precisamos é recuperar as defasagens de modo a ensinarmos em sala de aula o esperado para cada série. Não podemos aceitar a grande maioria dos alunos abaixo do nível 1”, postula Ernesto Faria.
Renata Cafardo escreve que “o desempenho da escola pública seria equivalente ao da Indonésia (69ª colocada), quatro abaixo do que está o Brasil hoje. Mais de 70% dos alunos do Brasil estão abaixo do nível considerado básico para aprendizagem em Matemática, segundo a OCDE”.
Ciência e tecnologia
A repórter Roberta Jansen é autora de outra matéria importante, “‘Nenhum país que se industrializou tem 4 horas de aula por dia como o Brasil’, diz Claudia Costin” (o texto é mais antigo, de maio de 2023).
“No contexto de automação acelerada, digitalização, inteligência artificial, precisamos educar para duas coisas simultaneamente: desenvolver o pensamento crítico e o criativo. Precisamos educar os alunos para serem pensadores autônomos e criativos”, diz Claudia Costin,
“Mas o que o Brasil pode fazer? Em primeiro lugar, parar com essa história de quatro horas de aula por dia. Nenhum país que se industrializou tem quatro horas de aula por dia, mas, sim, de sete a nove horas”, sugere Claudia Costin. “Não apenas aulas, mas laboratório, experimentação. É uma educação mais mão na massa. E evitar essa educação conteudista, em que o professor despeja um conteúdo e não ensina os alunos a pensar.”
Recentemente, numa conversa com uma editora do Jornal Opção, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), disse que o desenvolvimento do país precisa de investimento em ciência e tecnologia, como fazem os Estados Unidos, a China, o Japão e a Alemanha, os quatro países mais ricos do mundo. A exportação de commodities (soja e minérios) é crucial para a alavancagem da economia, mas o Brasil só se tornará mais competitivo — no nível dos Estados Unidos e da China — quando se tornar um grande exportador de produtos tecnológicos.