Saiu na quinta-feira, 25 de janeiro, o relatório “Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil”, da Federação Nacional dos Jornalistas. Trata-se de uma excelente inciativa da Fenaj, uma instituição séria e responsável. Fica minha sugestão de que se contrate uma equipe para escrever um livro anual a respeito do assunto, que, indo além dos números, conte a história dos casos mais emblemáticos. Por certo, há histórias dolorosas — criminosas —, mas certamente há outras que devem ser extraordinárias (certamente há relatos sobre profissionais corajosos e abnegados, como, há algum tempo, Lúcio Flávio Pinto, no Pará, que, mesmo tendo enfrentado poderosos locais, não recuou).

Uso como base deste texto uma reportagem da Fenaj, publicada com o título de “Violência contra jornalistas cai, mas cerceamento judicial preocupa”. Foram registrados 181 casos de violência contra jornalistas em 2023 — “o que representa uma queda de 51,86% em comparação” ao dado do ano anterior, ou seja, 376 casos.

A presidente da Fenaj, Samira de Castro, faz uma ressalva relevante: “As agressões à categoria e ao Jornalismo continuam e, em determinadas categorias de violência, até cresceram significativamente em 2023, quando comparadas ao ano anterior”.

A dirigente sindical frisa, de acordo com o texto da Fenaj, “que, apesar da redução em números absolutos, a violência contra jornalistas no país está no mesmo patamar de 2013”. Noutras palavras, a violência pode até ter diminuído, mas não acabou — o que é grave. A queda não significa que não continua alta.

O relatório nota que, de 2019 a 2022, com Jair Bolsonaro na Presidência da República, a violência contra jornalistas cresceu. O líder do PL “foi o principal agressor, atacando pessoalmente a imprensa e incentivando seus apoiadores a também se tornarem agressores. De 2019 a 2022, Bolsonaro realizou 570 ataques a veículos de comunicação e aos jornalistas, numa média de 142,5 de agressões por ano; uma agressão a cada dois dias e meio”. Com o acréscimo de que era mais agressivo e abusivo nas suas críticas às repórteres mulheres, desrespeitando-as de maneira flagrante, inclusive com absurdas e falsas insinuações sexuais.

Uso da Justiça como censura

A tentativa de cercear a ação da imprensa por meio de ações judiciais cresceu 92,31% em 2023. “O número saltou de 13 ações ou inquéritos registrados em 2022 para 25 em 2023. Já a violência contra os sindicatos e os sindicalistas aumentou 266,67%, passando de três para 11 casos, na mesma comparação”, anota a Fenaj. (Ressalvo que os dados podem estar subestimados, porque há a possibilidade de que alguns casos podem não ter sido divulgados publicamente.)

É um direito da parte que se sentir ofendida discordar, com o direito de resposta, e mesmo processar judicialmente. O problema é que, muitas vezes, não se quer esclarecer a denúncia, e sim intimidar os repórteres e conter a ação da imprensa.

Processa-se, por vezes, mais com o objetivo de evitar a continuidade das investigações. Infelizmente, a Justiça tem sido usada, ainda que nem sempre, pois há juízes atentos, por indivíduos mal-intencionados, que litigam de má-fé.

Há casos de magistrados que chegam a proibir a continuidade de investigações jornalísticas de publicações sérias, como “Folha de S. Paulo”, “Estadão”, “O Globo” e “Piauí”.

O relatório mostra que ocorreram três casos “de ataques transfóbicos e um ataque homofóbico”. Um agressor perseguiu um jornalista, com várias ações, “com o objetivo de impedi-lo de trabalhar”.

Ameaças/hostilizações/intimidações

A Fenaj frisa que “a categoria das ameaças/hostilizações/intimidações foi a violência mais frequente, em 2023. Foram 42 casos (23,21 do total), mesmo com a queda de 45,45%, em comparação com 2022, quando foram registradas 77 ocorrências. Ela foi seguida de perto pelas agressões físicas, com 40 episódios (22,10% do total, nove a menos (18,37%) do que os 49 do ano anterior”. Ou seja, a violência, mesmo caindo, persiste.

Os casos de agressões verbais somam 27 (14,92%). “Na comparação com 2022, houve um decréscimo de 41,30%, com 19 episódios a menos. Foram registrados 13 casos de impedimentos ao exercício profissional. Como em 2022, ocorreram 21 casos, registrou-se queda de 38, 10%.” O levantamento da Fenaj pode ser conservador, não por falta de rigor da entidade, que apura com correção, e sim porque é muito difícil colher todas as ocorrências, porque, provavelmente, muitas delas não são relatadas por escrito. Volatizam-se, portanto.

Registrou-se duas detenções e uma condução coercitiva, assim como em 2022. A Fenaj apurou um caso de injúria racial/racismo, “dois a menos que os três do ano anterior”.

O blogueiro e militante político Thiago Rodrigues foi assassinado, em dezembro de 2023, no Guarujá.

A Fenaj sublinha que o número de ocorrências na maioria das categorias de violência caiu, em 2023. Os atentados e ataques cibernéticos caíram de cinco para um e de nove para um, respectivamente”.

Sudeste é a região mais violenta

A região mais rica e desenvolvida do país, o Sudeste, também é a mais violenta contra jornalistas. Dos 181 episódios registrados, 47 ocorreram na região, representando 25,97% do total. São Paulo foi o Estado mais violento da região, com 21 casos, 11,60% do total”. O Rio de Janeiro aparece em segundo lugar, com 18 ocorrências (9,94%).

O Nordeste aparece em segundo lugar em termos de violência contra jornalistas. Foram 45 casos, “o equivalente a 24,86% do total. As agressões ocorreram mais na Bahia, com 10 casos em 2023 (14 em 2022).

O Centro-Oeste aparece como terceira região mais violenta para os profissionais da imprensa (foi campeã em outros anos). Ocorreram 40 casos, “correspondente a 22,10% do total”. Com 21 ocorrências (11,60%), o Distrito Federal é mais violento do que os Estados da região. Mas em 2022 foram 88 episódios.

Quarta colocada, a região Sul registrou 30 casos de violência (16,57% do total). Superando o Paraná (11 ocorrências), o Rio Grande do Sul foi o mais violento, com 12 casos.

A região Norte foi a menos violenta para os jornalistas, com 19 episódios (38 em 2022). O Pará é o mais violento de seus Estados, com 10 casos, porém “11 a menos do número” do ano anterior.

Violência por gênero: homens mais atacados

Há mais jornalistas homens do que mulheres, tudo indica. Por isso a violência maior atingiu os profissionais do gênero masculino — com 179 casos. Ocorreram 66 agressões contra o gênero feminino. “Em porcentagem, 68,32% das vítimas foram homens e 25,19%, mulheres. Em 17 casos (6,49%) não foi possível a identificação do gênero”, informa a Fenaj. É provável que, na maioria das vezes, as ofensas mais graves sejam contra mulheres, tidas como mais frágeis e, por isso, as vítimas escolhidas para serem atacadas, sobretudo por homens.

A entidade aponta que 262 jornalistas foram vítimas de violência em 2023.

Jornalistas de televisão são os mais atacados

A Fenaj revela que “os jornalistas que trabalham em televisão foram os mais atingidos pela violência, em 2023, assim como no ano anterior. Foram 81 profissionais atacados diretamente, entre repórteres e repórteres cinematográficos, representando 29,35% do total de vítimas. Ainda que o segmento tenha permanecido como o mais atacado, houve uma queda significativa nos números, na comparação com o ano anterior, quando 160 jornalistas que trabalham na TV foram vítimas” de “violência”.

A violência contra jornalistas de mídia digital cresceu em 2023, com 79 episódios, “o equivalente a 28,62% do total. Foram 18 casos a mais do que os 61 casos somados no ano anterior”.

Políticos e assessores são agressores de jornalistas

O relatório da Fenaj mostra que os principais agressores de jornalistas no Brasil são políticos, seus assessores e parentes. “24,31% das violências registradas em 2023 partiram deles.”

De acordo com a Fenaj, “no ranking de maiores agressores, os manifestantes de extrema-direita figuram em segundo lugar, sendo responsáveis pelas 29 ocorrências que” aconteceram “em acampamentos montados em áreas militares, outros dois casos foram registrados no dia 8 de janeiro. Populares (9,3%), juízes e promotores (8,8%) e policiais (7,7%) também estão entre os que mais agrediram jornalistas”.