Trabalhadores não vivem de elaborar novas orações lendo os versículos da CLT, trabalhadores são parte inerente da economia de mercado

Everaldo Leite

Especial para o Jornal Opção

Cada setor da economia dispõe uma composição diferente de trabalhado humano, de acordo com suas funções, e cada empresa faz seu próprio arranjo de fatores, conforme a tecnologia empregada, a sua localização, sua estratégia e a administração de seus custos de produção. Essa distribuição de recursos, portanto, não é um atributo do Estado, este não pode conduzir a gestão de processos produtivos ou mesmo escolher um padrão de uso de fatores em cada setor. O mercado é quem define as equações empresariais e apenas ao setor privado cabe a decisão acerca das melhores alternativas, dos melhores meios de se alcançar eficiência e competitividade. Em condições normais de economia de mercado as empresas contratam os seus fatores de produção objetivando o crescimento da produtividade e, ao contrário do que acreditam os pós-keynesianos, fortalecem a tendência ao pleno emprego.

De fato, a legislação trabalhista é um modo de o Estado dificultar esse processo de escolha empresarial, impedindo inclusive a inovação. Toda a amarração das leis consolidadas se torna a amarração do próprio trabalho, desconsiderando os diferentes processos que poderiam ampliar a escala de produção ou melhorar o seu escopo. Enlaçados em jornadas limitadas, em funções exclusivas, em rotinas determinadas, em grotescos planos salariais, os trabalhadores são protegidos de uma suposta exploração citada por marxistas anacrônicos e advogados trabalhistas. Na prática de uma economia globalizada, as empresas ficam proibidas de lançar mão de um novo modelo, que já pode estar sendo utilizado com êxito em outros países, em função do engessamento legal, e perdem competitividade. Ruim para os patrões, péssimo para os trabalhadores. Geralmente, as empresas investem mais em máquinas e tecnologia do que em contratação de capital humano.

Além disso, há a questão da tributação do trabalho. Segundo o Doing Business 2014, o Brasil tributa o trabalho com uma alíquota de 40% do lucro comercial. Ora, a tendência será quase sempre a de baixa contratação e, mesmo num país onde há abundância de mão de obra, as empresas economizarão com trabalhadores. A taxa de desemprego se manterá alta, destarte, também em função disso, e as empresas continuarão a substituir trabalho por equipamentos. Gerando pouca poupança doméstica, esse prejudicado dinamismo econômico é uma das causas da elevação de juros e do déficit externo. O certo é que aquilo que os sindicalistas chamam de proteção ao trabalho são leis que, no resultado final, desencadeiam nos setores produtivos incentivos ruins à produtividade e à inovação, ao mesmo tempo que mantêm no desemprego milhões de trabalhadores, no subconsumo milhões de famílias e na ineficiência e baixa competitividade toda uma nação.

A reforma trabalhista ideal seria aquela que oferecesse o máximo de leveza tributária e de dinamismo operacional para o ambiente empresarial. Ela é impossível de ser realizada, é evidente. A reforma real, desse modo, é a que é possível em termos de ousadia do executivo e a que é admissível no legislativo. É verdade que os líderes dos sindicatos, alguns políticos de esquerda e outros grupos sem nenhum conhecimento do texto têm dito que essa reforma é radical e retira direitos penosamente conquistados pelos trabalhadores durante muitas décadas. Mas é mais verdadeiro se dizer que, infelizmente para os trabalhadores do país, a proposta da reforma não foi mais profunda e transformadora por causa do espírito populista que ainda vagueia pela sociedade. O Congresso Nacional, transcrevendo Fernando Pessoa, sabe que “o público não quer a verdade, mas a mentira que mais lhe agrade”.

Logicamente, não é somente a reforma trabalhista que mudará o Brasil, outras reformas e questões microeconômicas precisam ser amplamente discutidas e deliberadas para desamarrarmos a economia. Como sempre digo, o Brasil é mais embaixo! A reforma irá desacorrentar os trabalhadores e gerará maior fluidez nas decisões empresariais, somente isto. Mas agora as empresas e os funcionários poderão negociar jornada de trabalho e criar banco de horas. O intervalo intrajornada também poderá ser menor, por opção. Moderniza-se finalmente a legislação acerca do home office, do teletrabalho e do trabalho intermitente. Etc. Não será uma panaceia eu já disse, todavia, segue rumo à liberdade quanto ao varguismo antediluviano. Servirá, ao menos, creio, para evidenciar os ganhos econômicos de decisões mais liberais face ao regime super celetista anterior. Trabalhadores reais não vivem de elaborar novas orações lendo os versículos da CLT, trabalhadores são parte inerente da economia de mercado.

O Brasil de 2017 caminha para a produção de quase 14 milhões de desempregados. Deve-se ter em mente que, mesmo com a aprovação da reforma, tal quadro não mudará da noite para o dia. Serão talvez mais de dez anos para voltarmos ao patamar de desemprego de 2014, levando em consideração que o país esteja realmente saindo da recessão em que mergulhou nos últimos três anos. E quando digo país me refiro ao setor privado e suas condições próprias de sair da lama e enfrentar a floresta do capitalismo. O modelo de Estado indutor do crescimento se mostrou um fiasco em diversas gestões, desde Getúlio Vargas, e mesmo que tenha tido algumas vitórias, de muito tempo para cá coleciona inúmeros fracassos. A gestão Dilma Rousseff, símbolo do Estado indutor e da aceleração do crescimento, sem a menor compreensão do funcionamento econômico, deixou, após o seu impeachment, umas colossais contas para o futuro que, talvez, faça com que a maior parte da classe política reveja suas ideias sobre intervenção pública. O desemprego, lastimaria Keynes, foi a pior dessas contas.

O grande desafio será por várias décadas à frente desfazer o entendimento de que o trabalhador precisa de um governo forte a seu favor. Se esta hora é a de desvencilhar o trabalhador das correntes carcomidas da CLT, chega também o momento de libertar o trabalhador da ideia de ter um governante paternalista. A liberdade de realizar mais para obter maiores vantagens salariais, de ter a flexibilidade necessária para alcançar novos objetivos, de compreender novos valores em sua vida profissional ou laboral, deverá ajudar muito na construção de uma nação menos desigual e mais aberta a mudanças gerais. Ver a economia como algo intrínseco da parte operacional da vida é ter a cabeça livre para deliberar sobre as outras dimensões que qualificam a nação culturalmente, moralmente e politicamente. Os nossos trabalhadores (nem todos), por enquanto, estão imersos num caldo imenso de mentiras e pós-verdades geradas há quase um século e mantidas e repintadas por gente que embolsa em dinheiro quase sempre o dobro da proporção do que vendem em embustes.

Everaldo Leite é economista.