Tradicional aliado do governo de plantão desde que surgiu, no gestão do último presidente da ditadura militar, o general João Baptista Figueiredo, o SBT é tido como uma “mídia amiga”, obviamente, de Jair Bolsonaro (PL). A parceria fica mais explícita quando se tem Fábio Faria, o genro de Silvio Santos, dono da emissora, no comando do Ministério das Comunicações.

Mas, sem querer querendo, na última semana a rede do homem do Baú deu uma grande “mãozinha na roda” para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em plena reta final de campanha, o petista foi convidado para duas aparições nos estúdios do SBT: uma para a sabatina no Programa do Ratinho, outra para o debate com os presidenciáveis.

E, nas duas vezes, Lula tomou a decisão certa: 1) foi lá conversar com o popular apresentador; e 2) desconsiderou a participação no evento com os concorrentes.

Começando pelo final: entre os convidados, Lula foi o único a não comparecer. Até Bolsonaro foi. E ficou lá, vazio, o púlpito com o nome do ex-presidente. Mas por que o petista fez bem em não ir? Primeiramente, porque é o líder nas pesquisas e está garantido num eventual segundo turno; outro ponto é que, sem ele, o alvo entre os presentes seria apenas o atual mandatário; e, em terceiro lugar, porque sofreria com as baterias antiaéreas de Bolsonaro e Ciro Gomes (PDT), que está cada vez mais agressivo contra o ex-aliado e seu partido, ao qual classificou como “fascista” e “nazista” na mesma semana.

O debate do SBT vale alguns parágrafos e um par de parênteses antes de continuar a falar de Lula. Acabou tendo baixíssima qualidade: Ciro foi o “professor” de sempre, mas os bastidores (e as câmeras) não deixaram de registrar um cochicho em forma de telefone sem fio entre ele e Bolsonaro, tendo exatamente Fábio Faria fazendo o papel de “linha de transmissão”. Houve também momentos diretos de aproximação e aparente cordialidade entre ambos.

Bolsonaro, como sempre, respondeu só ao que quis, mas pediu direito de resposta uma dúzia de vezes, ou perto disso. Com certeza, se Padre Kelmon (PTB) pudesse, teria dado ao presidente todo o tempo disponível. O petebista – que Getúlio Vargas não ouça isso – já pode ser caracterizado como um “segundo piloto” mais perfeito ao bolsonarismo do que a própria Ferrari jamais imaginaria para Michael Schumacher.

Simone Tebet (MDB) se estabelece cada vez mais como uma boa debatedora e, se o evento tivesse um vencedor, o troféu seria dado a ela. Sua colega de Senado Soraya Thronicke (UB) lhe saiu como bela dobradinha, mas sem ter o mesmo carisma e parecendo mais querer gerar conteúdo para as redes sociais, usando expressões marcantes. A mais ferina foi “não cutuque a onça (personagem que ela – que é sul-mato-grossense – emulou de Juma, da novela Pantanal) com ‘sua’ vara curta”, dirigindo-se ao “imbrochável” Bolsonaro. Viralizou nas redes, claro. Felipe D’Ávila (Novo) foi o mesmo de sempre, pregando Estado mínimo, moralismo lavajatista e porte de arma, e ao mesmo tempo se dizendo “trabalhador que acorda cedo” mesmo tendo um patrimônio de R$ 24 milhões.

Ao fim do debate, a sensação de que nada adiantou muito para nenhum dos presentes. Nem para nenhum dos espectadores. O que corrobora a visão irônica, inclusive entre petistas, de que “nesse debate o Lula se saiu melhor que no anterior (na Band)”, como alguém escreveu no Twitter. O PT pesou o custo-benefício e parece ter acertado na decisão de poupar o candidato – o que não terá como ocorrer nesta semana, na TV Globo.

Lula navegando fora da própria bolha. E transmitido para todo o País. Era menos um desafio do que uma grande oportunidade

E a meia hora com o parceiro do Xaropinho, na noite da quinta-feira, 22? O espaço Candidatos com Ratinho parecia ser um ambiente totalmente avesso ao petista: numa empresa de comunicação ligada, ainda que indiretamente, ao governo, entrevistado por um sujeito que já defendeu golpe militar e que opera com todos os preconceitos de que os progressistas são alvo, para um público que, com certeza, era constituído de muita gente que lhe tinha/tem aversão.

Mas isso, ao contrário do que possa parecer, a cena era uma maravilha: Lula navegando fora da própria bolha. E transmitido para todo o País. Era muito menos um desafio do que uma grande oportunidade.

Bastava que o petista fizesse o que de melhor sabe: conversar jogando conversa fora. Do outro lado, transformaria Carlos Massa, o Ratinho – também um excelente comunicador, ainda que se torça o nariz para o que (ou como) comunica – em alguém com quem fazer tabelinhas. O bigodudo disparou todas as perguntas que os bolsonaristas gostariam de fazer para o ex-presidente: sobre governos de esquerda, empréstimos para nações comunistas, se é mesmo cachaceiro, se vai ter regulação da mídia e muito mais.

A estratégia de Lula se baseou em dois pontos: falar a maior parte do tempo possível e mostrar empatia com o apresentador. O resultado foi magnífico: o que era sabatina virou resenha, e também o assunto das 24 horas seguintes nas redes sociais. Mais: mesmo tendo menor audiência ao vivo do que as entrevistas de Bolsonaro e Ciro, no YouTube seu vídeo já tinha 2,1 milhões de visualizações no fim do sábado (dois dias após ir ao ar), 22, enquanto a do presidente estava com 1,9 milhão mesmo após 11 dias.

Mas a quantidade importa menos que a qualidade: os 30 minutos de prosa com Ratinho geraram diversos memes simpáticos ao petista. E a repercussão da entrevista para um público diferente do convencional pode ter feito a diferença entre ter ou não ter segundo turno, quando as pesquisas indicam empate técnico para essa condição.

Resumindo: Lula é idoso, o único septuagenário entre os candidatos deste pleito e fez muito bem – para sua candidatura – em estar em um comício na zona leste de São Paulo, com sua galera, em vez de ir ao debate do SBT, se poupando para o embate na Globo. Mas, para se dar bem mesmo, vai precisar transferir, para a arena derradeira com os rivais, o mesmo espírito sagaz que conseguiu encaixar nas sabatinas quase perfeitas com Ratinho e a dupla William Bonner/Renata Vasconcellos.