Lançado em 2019, livro escrito por Felipe Recondo e Luiz Weber detalha bem, desde o mensalão do PT até o início do governo Bolsonaro, a mudança de perfil dos magistrados

O primeiro, ministro Dias Toffoli, teve decisão derrubada por liminar do segundo, ministro Luiz Fux, aliado de todas as horas da Lava Jato | Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Depois que o ministro Luiz Fux anulou na quarta-feira, 22, a liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e suspendeu por tempo indeterminado a figura do juiz das garantias no pacote anticrime, a crítica veio em declaração do ministro Gilmar Mendes: “É mais fácil ele substituir o Congresso pela equipe da Lava Jato. Fux deveria entregar a chave do Parlamento a eles”.

A dureza de Mendes com o colega de Corte logo remete a frase atribuída ao ex-juiz da Lava Jato e ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, em conversa com o procurador da República Deltan Dallagnol pelo Telegram: “In Fux we trust (no Fux nós confiamos)”. E a atuação de Fux, desde os tempos em que o falecido ministro Teori Zavascki era o relator da Lava Jato no Supremo, era de decisões, votos e declarações em defesa da força-tarefa e dos magistrado-símbolo da operação.

A amplamente criticada decisão do ministro Luiz Fux, que sucedeu outra liminar também altamente questionável do presidente do STF, revela a queda de braço entre o atual cabeça dos 11 magistrados do Supremo Tribunal Federal e o próximo presidente da Corte. Além de uma defesa incondicional ao estado policialesco da Lava Jato, Fux será o próximo presidente do Supremo.

Liminar concedida por Fux que o ex-juiz Sergio Moro comemorou, mesmo que em posição contraria a seu chefe, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Bolsonaro sancionou a criação da figura do juiz das garantias e ignorou o pedido de Moro para vetar o trecho do texto final do pacote anticrime aprovado pelo Congresso.

O jornalista Felipe Recondo e o pesquisador do STF Luiz Weber publicaram em 2019 pela editora Companhia das Letras um livro que é obra de leitura obrigatória para quem pretende entender, do menor ao maior grau de conhecimento, como funciona hoje o jogo de forças e se da a operacionalidade rotineira de um Supremo composto por 11 ministros que disputam entre si, alguns mais e outros menos, a atenção da opinião pública e a interpretação mais conivente da Constituição Federal de 1988.

Publicação esmiúça funcionamento do STF em seus momentos mais emblemáticos na história recente do País | Foto: Divulgação

“Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises” (376 páginas, R$ 59,90) antecipa, de certa forma, o entendimento do que hoje se consuma na disputa em torno do juiz de garantias. Quando Recondo e Weber, ainda nos primeiros capítulos, fazem a relação da transformação da postura e atuação dos ministros do Supremo antes e depois de adaptarem o conceito do “Living Constitution”, da atuação de determinados juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, para o Poder Judiciário brasileiro em sua instância mais alta.

Se antes o STF era composto de um corpo colegiado de 11 ministros que atuavam da forma mais unificada possível, hoje há magistrados do Supremo que nem se cruzam nos corredores da Corte. Até porque não precisam – e “Os Onze” revela bem os motivos. Ilhados em seus gabinetes gigantescos, Toffoli e Fux utilizaram o plantão para definir regras não estabelecidas pelo Legislativo ou Executivo em relação ao juiz das garantias.

Como Fux é o ministro relator do caso, ao derrubar a liminar do presidente da Corte com outra liminar, o prazo indefinido da suspensão do início da aplicação do juiz das garantias fica condicionado ao dia em que o magistrado quiser emitir um parecer e colocar o objeto de julgamento na pauta do Supremo.

Se, na sua superpoderosa função de usar o “Living Constitution”, ou seja, uma interpretação atualizada e livre da legislação, mesmo que nem previsão legal exista para embasar aquele entendimento, Fux pode impedir que uma medida aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente da República entre em vigor.

O trabalho final de pesquisa e reportagem do livro “Os Onze” é primoroso na revelação e constatação que nos ajuda a compreender como, por exemplo, pode um ministro de Estado elogiar uma decisão sem pé nem cabeça de um ministro do STF que vai ao encontro dos pedidos que Moro fez a Bolsonaro. E aqui a publicação ajuda na compreensão de como a atuação individual de parte dos magistrados do Supremo atende a interesses que não necessariamente se pautam pelo dever único da Corte: ser a guardiã da Constituição.