Publicidade de 1969, quando o homem foi à Lua, era didática e informativa

14 julho 2019 às 00h00

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A revista “Veja” publicou uma edição histórica e as agências divulgaram peças publicitárias de produtos associados à viagem dos astronautas
O homem foi à Lua em julho de 1969 — há 50 anos, meio século. Editada por Mino Carta, com o apoio de José Roberto Guzzo e Sérgio Pompeu, a “Veja” publicou uma série de reportagens e uma entrevista com William Pickering, diretor do Jet Propulsion Laboratory, publicada sob o título de “Chegaremos a Júpiter e Plutão em 76”. Não chegamos, é claro. No Jornal Opção, a ida do homem à Lua ficou por conta do repórter Ítalo Wolf e eu fiquei com a missão de comentar, brevemente, a publicidade divulgada pela revista à época. Antes da hegemonia da sociedade do espetáculo, os publicitários buscavam não só vender o produto. Procuravam também ser informativos, às vezes até didáticos.
Em 1969, lugar de mulher era na cozinha? Em 1968, e mesmo antes, havia acontecido uma revolução nos costumes e as mulheres ganharam as ruas ao lado, e até eventualmente à frente, dos homens. Mas a publicidade da página 2, espaço nobre em termos de valor monetário, explicita: “Quer vê-la feliz sempre? Dê-lhe um carro pessoal… e uma luxuosa Securit platinê”. Didática, informa-se: “Securit é tradição de luxo em aço. Securit é também novidade de luxo extra em portas de jacarandá, o que importa sempre [com a palavra grifada] é a marca Securit — garantia de qualidade incomparável, em tôdas as linhas” (a palavra todas era acentuada). Uma mulher bonita e elegante aparece dentro de um automóvel vermelho, dirigindo-o, e, abaixo, na cozinha, em pé, exibe o seu “presente”, a sua “conquista”. Na lateral, em letras miúdas aparece o nome Nacional. Seria a agência?
É provável que a maioria dos brasileiros tenha assistido a Copa do Mundo de Futebol de 1970, acontecida no México — as cidades tinham belos nomes, como Jalisco e Gualadajara —, em aparelhos de televisão preto e branco. Os “chuviscos” não permitiam uma visão precisa, mas, entre o futuro, a tevê, e o rádio, o passado (ma non troppo), todo mundo preferia a imagem apenas razoável. Claro que nostálgicos preferiam o vozeirão dos narradores Waldir Amaral e Jorge Cury, da Rádio Globo. A General Eletric (GE) comprou uma página inteira, a 15 — ímpar —, para expor a publicidade de sua televisão (ou televisor, ou aparelho de televisão). Título: “Thanks, Neil.” Fotos de dois astronautas e de uma televisão — cujo modelo hoje só pode ser encontrado em antiquários — ilustram o texto, longo, por sinal. Prevalece, mais uma vez, o caráter didático da publicidade: “Obrigado por tudo que você [Neil Armstrong] fêz [com acento] para ajudar a testar o televisor Apolo 23. (…) A Apolo 11 colocou você na Lua. O televisor Apollo 23 coloca todos os homens dentro da maravilhosa era espacial”. A GE conectou, com precisão, sua tecnologia, o televisor (palavra derrotada por televisão), à viagem do homem à Lua, possibilitada igualmente pelo avanço tecnológico dos Estados Unidos.
A Telefunken — afinal, “é outra categoria” — não poderia ficar atrás da General Eletric. Em 1969 quem não tinha um Telefunken não era, por assim dizer, uma Samsung, uma Sony e uma Phillipss. Além da excelência alemã, havia outros trunfos: “Telefunken economiza 15% de energia, aquece 15% menos, dura muito mais”. O título do anúncio é “luático”: “Máquina de ir à Lua”.
Da televisão salta-se para a margarina vegetal “Delícia”, que continha vitaminas A e D. O título é “êta mundo gostoso” e um garoto dentuço e alegre exibe uma fatia de pão. Ao lado aparece um astronauta. Não sei se por iniciativa da “Veja” (a edição é histórica, especial) ou das agências, os anúncios vinculam os produtos à viagem à Lula.
Houve um tempo — inclusive na década de 1960 — em que se dormia em colchões de capim e fugia-se dos endiabrados barbeiros, aqueles bichinhos pequenos que provocam a doença de Chagas. Pois em 1969, a Probel pôs um anúncio na “Veja” — criativo, por sinal. Um jovem dorme bem, daí “boa-noite”, e acorda bem, daí “bom dia”. “Para a Probel, o sono é sagrado.” Num canto, aparece Toni, Murta & Toni, possivelmente o nome da agência.
A IEE-Consultora de Direção e Organização de Empresas S. C. Ltda., localizada na Avenida Paulista, em Sampa, vulgariza um anúncio, com texto longo, explicando o que quer. “De 35 a 50 anos. Essa é a idade do homem que estamos procurando. Uma empresa adulta precisa de homens maduros” — diz o chamativo título. O texto, depois de explicar o que se quer, acrescenta: “É claro que os nossos salários são elevados. São salários de homens de alto nível”. A Nexus é responsável pelo anúncio.
A Peterco dialoga criativamente com a história do homem na Lua. A empresa, “especializada 100% em eletricidade e iluminação”, deixa tudo “claro. Para “azar da Lua”. Ao chegar ao planeta, os astronautas descobriram (ou colocaram) uma faixa: “Abaixo a Peterco!” O endereço da empresa era Avenida Prestes Maia. É o tipo de publicidade que, embora pareça negativa, é positiva. A criação é da S. J. de Mello.
Comprar um veículo em 1969, segundo a publicidade, era fácil. Quem não pudesse pagar à vista poderia comprar pelo Consórcio Nacional — Ford e Willys. “O Consórcio Nacional foi feito para quem não gosta de viver apertado.” A fotografia mostra pessoas num ônibus lotado. “Apertado”, no caso, talvez tenha duplo sentido. Primeiro, quem consegue comprar um automóvel não precisa mais andar nas “latas de sardinha”. Segundo, aquele que paga prestações supostamente não fica “apertado”. O consórcio refere-se aos veículos “das linhas Ford e Willys”. “Desde o Pick-up até o Itamaraty. A empresa informa que, com 25 mil consorciados, “entregou mais de 6.000 carros em todo o país”. O anúncio foi criado por Willys Adm.
Na década de 1960, ou pouco depois, um tio, Nelito Fagundes, comprou uma Rural, um belo carro, para transportá-lo até sua fazenda, que ficava nas proximidades da Fazenda Galheiros, no município de Porangatu. Um anúncio criado pela Willys-Overland é convincente e verdadeiro: “Este carro [a Rural] leva seis pessoas, confortavelmente. Leva um mundo de bagagens. Tem um possante motor dianteiro de 90 HP. É extremamente resistente e econômico. E agora é Ford”. Em letras miudinhas, daquelas dos contratos que enganam incautos, a publicidade acrescenta: “A nova Rural standard tem tração em duas rodas, três marchas sincronizadas, à frente e uma à ré, motor Willys de 90 HP a 4.400 RPM e diferencial auto-blocante”. Fala também de outros modelos.
A Petrobrás, uma mocinha em 1969, ainda não era um antro de corrupção. Seu anúncio (criado pela Decom 1) é claro: seu produto faz o mundo funcionar-girar.
Hoje, ao menos em Goiás, só há dois tipos de consumidores: os que reclamam da Enel e o que estão pensando em reclamar da Enel. Em 1969, tudo indica, era um pouco diferente, a se julgar pela publicidade da Light. “A Light está completando setenta anos”, diz a publicidade. Quase um século, o que não é brincadeira. A empresa sustenta que é eficiente e relata que tem “111 mil novos acionistas” e informa que investe para garantir energia de qualidade. A agência Denison criou o anúncio.
O presidente Jair Bolsonaro planeja reeditar o Brasil potência? Parece que sim, mas com menos estatais, a se aceitar que o primeiro-ministro Paulo Guedes, um Chicago-old, também manda no governo. Há 50 anos (Bolsonaro tinha 14 anos), a Fábrica Nacional de Vagões S. A. (FNV), citando que “isto é trabalhar em ritmo de Brasil Grande”, conta que “é pioneira na exportação de material ferroviário brasileiro. (…) Fabricou o primeiro trator de esteiras do Brasil. E agora fabrica o primeiro trator projetado especialmente para as condições brasileiras, o robusto HDS de esteiras”. O anúncio é uma criação da Abrap S.A.
A Bardahl, atenta aos homens da-na Lua, divulgou: “Somente poucos homens podem achar ‘curto’ os 10.000 km que você roda com Maxoil, sem trocas. Quem!? Os astronautas”. Não há identificação de quem criou a peça publicitária, que conta com informações detalhadas.
No momento, revistas, jornais e emissoras de televisão cultivam bancos — clientes afortunados — como se fossem deuses, ah, vá lá: semideuses. Em 1969, o culto era menor, quem sabe, mas existia. Quem dispensa uma parceria com bancos? Lênin dizia, profético como Nostradamus: “O que é assaltar um banco perto de um banco”; a frase tem sido atribuída a Bertolt Brecht, mas a autoria é russa, e não alemã. “Caixa Reserva — o novo serviço criado pelo Banco Andrade Arnaud” — diz publicidade. A criação é tentadora: “Além dos seguros de vida, contra acidentes, incêndios etc., você deve se garantir contra uma eventualidade de que ninguém está livre: aperturas financeiras. Foi pensando nisso que o Banco Andrade Arnaud criou mais um serviço pioneiro: o Caixa Reserva”. Tal caixa “permitirá a você sacar a descoberto, dentro do mês, até o dobro da média de seus saldos”. Parece uma maravilha, não é? Quase igual a Reforma da Previdência do governo de Jair Bolsonaro — o novo Messias patropi. Hoje, sabemos todos, há o cheque especial — especialíssimo para os bancos, dados os juros mais “altos” do que a Lua — e, claro, os cartões de crédito.
O celular — Davi da tecnologia — é o “assassino serial” da televisão e, cada vez, mais dos computadores? Por certo, o celular é um computador, só que fácil de transportar e fácil de usar. O celular trouxe o mundo para a palma de nossas mãos e se tornou uma espécie de segundo cérebro e, se brincar, vira o primeiro. Mas, antes do computador de mesa e do notebook (que ainda compete com o celular, mas perdendo terreno), havia, digamos assim, aqueles trambolhos imensos, verdadeiros Golias. Houve um tempo, não muito longínquo — mas, em termos de tecnologia, visto como a era da pedra polida —, que era Deus no Céu, do ladinho de São Pedro, e a IBM na Terra, e ainda não havia nem Bill Gates nem Steve Jobs, os dois, em 1969, tinham 14 anos e, possivelmente, ainda usavam cueca samba-canção e calças curtas. “A IBM troca o dia (dos Bancos avançados) pela noite (do Centro de Serviços de Dados). (…) Precisa trocar o dia pela noite? Chame um representante da IBM”. Dados, sua organização racionalizada, eram, naquele tempo, sinônimo de IBM.
Sabe a China? Pois é: quer se tornar a maior potência global nos próximos 50 anos. Dará conta? Não se sabe, mas está tentando atropelar os Estados Unidos — país que talvez precise juntar as duas Coreias, a do Sul e a do Norte, para criar, digamos, uma Alemanha asiática como certo dique às aventuras transnacionais dos chineses. Mas uma turma coesa (de história milenar) de 1,3 bilhão de pessoas talvez seja mesmo irrefreável. Os EUA “inventaram” Donald Trump para tentar segurar os vorazes asiáticos, mas parece tarde, quiçá muito tarde. A China compra quase tudo e vende quase tudo. Com bugigangas, vendidas em todo o mundo, fez sua acumulação primitiva e hoje compete, no mundo da tecnologia mais refinada, com as potências Estados Unidos, Alemanha e Japão. As bugigangas não ficaram para trás, mas convivem com modelos tecnológicos altamente avançados. A soja, o aço e o ferro brasileiros vão, em larga medida, para a China e voltam transformados e, portanto, mais caros para o Ocidente. Na “Veja” de 1969, num anúncio criado pela P. A. Nascimento-Acar, a empresa Aços Villares, “o máximo em qualidade”, divulga seu produto: “De repente, a Nasa poderia nos fazer um pedido de aço especial. E nos atenderíamos”. Em seguida, assinala: “Com a instalação do novo equipamento Asea, estamos preparados para refinar aços no vácuo”. O equipamento foi comprado na Suécia com apoio financeiro de quem, de quem, de quem? Ah, sim, do BNDE (ainda sem o S) e da IFC. O anúncio mostra a produção de aço numa bola gigante, lembrando, é claro, a Lua. Hoje, o parceiro comercial nomeado seria, certamente, a China.
Calça masculina de boca estreita em 1969? Pois é: trata-se da Topeka — “a calça demais”. “Topeka é um estado de espírito. Uma evidência de liberdade. Ser jovem é antes de mais nada ser livre. Tope Topeka”. O produto era da Alpargatas.
Na contracapa, há um anúncio do cigarro Hollywood — aparentemente, com e sem filtro —, com a “qualidade Souza Cruz”. Hoje, não é mais possível, mas, na época, era livre. Jovens bonitos e com ar saudável aparecem fumando e se divertindo. Um deles pratica alpinismo.