Professor da Universidade de Nova York, com doutorado em Psicologia Social pela Universidade da Pensilvânia, Jonathan Haidt é pesquisador respeitado nos Estados Unidos. Seu livro “A Geração Ansiosa — Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais” (Companhia das Letras, 440 páginas, tradução de Lígia Azevedo), é best-seller na terra de Joe Biden e Donald Trump.

Autor de vários livros, Jonathan Haidt causa polêmica por onde passa. Na segunda-feira, 24, concedeu entrevista à repórter Bárbara Blum, da “Folha de S. Paulo”.

Jonathan Haidt questiona fortemente o uso de smartphones e redes sociais por crianças. “Observamos que no mesmo ano em que a maioria das crianças passou a usar smartphones, houve o maior aumento já registrado em distúrbios psíquicos.” Enquanto eu lia a entrevista, na recepção do Hospital Anis Rassi, uma criança, aparentemente de 8 anos, estava concentrada ou absorta com alguma coisa, talvez jogo, no celular. A mãe, uma jovem talvez de 30 anos, também checava o próprio celular. Percebi que, com um sorriso nos lábios, estava no Instagram, olhando fotos ou vídeos. De tão entretidas com suas diversões, as duas não se conectavam.

De acordo com Jonathan Haidt, “em 2012, as estatísticas de saúde mental nos Estados Unidos mudaram drasticamente. Não havia sinal de problema até 2011. Depois, meninas no EUA e em outros países começaram a dar entrada nos prontos-socorros psiquiátricos”. (Faço o exame das carótidas e volto à recepção, à espera do teste de esteira, e percebo que dois meninos estão com os pais, cada um com seu celular. Devem ter entre 10 e 12 anos. Sento-me próximo e observo que estão “participando” de algum jogo — “matando” alguma coisa, algo assim, e alheios ao ambiente. Os pais não se comunicam, absortos com seus próprios celulares. O homem está no Facebook. A mulher está no Instagram e olha imagens de cachorros, com o rosto vivaz e alegre. A atendente chama o nome do homem e ele não atende, até que sua mulher o cutuca. Ele levanta-se, ainda olhando o celular. As crianças nem se mexem.)

O professor-doutor da Universidade de Nova York sublinha que há, neste momento, “uma emergência de saúde mental”.

De acordo com Jonathan Haidt, há um “mistério” na praça: “Por que os millenials estão bem e a geração Z está tão mal se eles também cresceram na internet, com celulares?”

Jonathan Haidt faz a pergunta e a responde: “Até 2010, quase ninguém tinha smartphone. Eram celulares flip ou tijolões. Não havia Instagram nem câmera frontal e pouca gente tinha internet banda larga. Não se passava o dia no celular em 2010”. Porém, em 2015, tudo mudou. As pessoas passaram a ter celular com câmera frontal. “As meninas estavam no Instagram e a internet rápida estava amplamente disponível.”

O pesquisador enfatiza que, “quando o smartphone com mídias sociais entra” na vida dos indivíduos, crianças e adultos, “ele vai ficar no centro dela para sempre”. Entretanto, “para os millennials, isso não aconteceu até o fim da puberdade”.

As pessoas nascidas “até 1995, de modo geral, estão bem. Porque aos 19 anos o seu cérebro já tinha praticamente passado pela puberdade”.

O que é pior na internet? Jonathan Haidt sustenta que “o pior é o Instagram. Mas os shorts [vídeos curtos] do YouTube são horríveis. São terrivelmente viciantes. Não têm benefícios. Esses vídeos de 10 a 15 segundos são pequenas doses de dopamina fácil e barata. Ninguém abaixo de 18 anos deveria ver isso”.

O cientista social conta que a maior autoridade de saúde dos Estados Unidos, Vivek Murthy, “pediu ao Congresso que” coloque “avisos em mídias sociais de que elas podem ser um risco à saúde mental”.

Há pais que parecem acreditar que, se o filho está no celular, ao menos está livre dos perigos das ruas. Jonathan Haidt contrapõe: os “predadores sexuais não estão nos parquinhos. Eles estão no Instagram”.

O psicólogo assinala que, “quando surge o feed, o botão de curtida, por volta de 2009 a 2011”, não se trata mais de “uma rede consistente”, e sim de “uma plataforma”. “Cada criança está numa plataforma, fazendo uma performance para o mundo, torcendo para ter o holofote sobre ela”. É como se fosse uma espécie de strip-tease da alma e, por vezes, do corpo.

Jonathan Haidt afirma que leu uma reportagem, no influente “Wall Street Journal”, na qual “mães de influenciadoras admitiam saber que os seguidores de suas filhas eram homens adultos que se masturbavam para as fotos delas, mas diziam que as meninas precisavam daqueles seguidores. O Instagram está transformando famílias em cafetinas”.

Por que a saúde mental de meninas da geração Z tem sido mais afetada do que a dos meninos? “Se você olhar só para os índices de ansiedade, depressão e automutilação, as meninas estavam na frente em 2010. Existe evidência clara que isso está relacionado às mídias sociais. No caso de meninos, a conexão com a mídia social é menos clara”.

Segundo Jonathan Haidt, “as mulheres continuam deprimidas e ansiosas. Mas os homens estão desempregados e solteiros, porque a puberdade era só videogame e pornografia. Eles não fazem ideia de como flertar e têm problemas para olhar as pessoas nos olhos. Seus cérebros foram moldados por dopamina rápida, então eles são incapazes de trabalhar por uma recompensa a longo prazo”.

O scholar americano postula que os adolescentes “não se importam com a opinião dos pais”, pois “estão 99% focados no que seus colegas estão fazendo e pensando”. Poucos querem escapar do, por assim dizer, “rebanho”. Aquele que prefere ler um livro a ver, a todo instante, um vídeo engraçadinho, com piadas mambembes, é considerado desconectado. Um “bobo”, quem sabe. Ou seja, um indivíduo que está “por fora”. Não é um insider no mundo contemporâneo.

Ao contrário dos liberticidas, Jonathan Haidt sugere que é preciso “ter regras claras para uso de celular em família, como durante as refeições. Não leve o celular para a cozinha ou sala de jantar. Nada de celulares pouco antes de dormir”.

As crianças estão copiando os adultos? Na verdade, assegura o mestre americano, “não”. “Elas estão respondendo à maior força social que uma criança pode encontrar, que é ser incluída.” As redes sociais indicam que todos, inclusive as crianças, estão participando de algo grandioso e, sobretudo, moderno. Ao mesmo tempo, inescapável. Afinal, todos estão “dentro”. Quem estiver de fora, portanto, praticamente não existe. Por isso, os pais relutam em “controlar” o uso do celular e das redes sociais pelos filhos. Porque as redes impõem a ideia de que não é possível ficar de “fora”. Aquele que não estiver inteiramente conectado pode se tornar um retardatário. Um ser “atrasado”.

A rigor, pontua o expert dos Estados Unidos, “os pais estão encurralados, exaustos e desmoralizados”. Mas há saída. Por que não usar o smartphone só depois dos 13 anos e usar as mídias sociais a partir dos 16 anos? Hoje, “no Reino Unido, um quarto das crianças de 5 a 7 anos têm seu próprio celular”.

A reforma, por assim dizer, pode ser feita com normas, e não necessariamente com leis. Mas é possível que se terá de fazer leis para enfrentar o poder de domesticação e persuasão das big techs.

Jonathan Haidt aponta um caminho: “Podemos nos organizar coletivamente nas escolas, proibindo os celulares. (…) É necessário trancar os celulares e só devolver na saída”, ou seja, depois das aulas.

Se o celular tem um caráter nefasto, pelo uso descontrolado, filmes são “ótimos”, anota Jonathan Haidt. “Se seu filho de 6 ou 7 anos vê uma ou duas horas de TV por dia, sem problemas.”

O estudioso observa que “a geração Z nunca tem oportunidade de prestar meia hora de atenção. São sempre interrompidos. A tela em si não é o problema. O problema é a fragmentação da atenção”.