Agronomia brasileira-goiana encontra-se em um momento decisivo: a passagem dos modelos tradicional e agroquímico para as agriculturas de precisão e sustentável

Nilson Jaime

Especial para o Jornal Opção

A profissão de engenheiro agrônomo (alusivo ao profissional de nível superior que exerce a Agronomia = totalidade das ciências, técnicas e conhecimentos que regem a prática da agricultura) completa 88 anos neste 12 de outubro, como uma das mais importantes — porém pouco conhecida — para a economia e a segurança alimentar do país.

Criada pelo Decreto nº 23.196, em 12 de outubro de 1933, a profissão passou por importantes transformações nessas quase nove décadas e contribuiu para consolidar o Brasil como protagonista mundial no agronegócio, além de fortalecer a produção estratégica da agricultura familiar, essencial para o suprimento alimentar da população deste país.

Embora a profissão tenha surgido na esteira modernizante advinda com a Revolução de 1930, o exercício profissional da Agronomia só foi regulamentado pela Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, no alvorecer da Revolução Verde, que chegaria ao Brasil na década de 1970.

Essencial para a transformação econômica por que passa o país nos últimos 50 anos, o engenheiro agrônomo ainda é um profissional pouco conhecido, exceto no meio rural, e não menos reconhecido.

Talvez porque, em comparação a outras profissões – como os médicos e dentistas, por exemplo, cujo conjunto universo de atuação abrange 100% da população -, o engenheiro agrônomo atua predominantemente junto à classe rural, responsável por cerca de 25% do PIB nacional, e secundária como formadora de opinião.

A importância do profissional da Agronomia se verifica, contudo, com a constatação de que tudo que chega à mesa da população – as carnes, os lácteos, os cereais, frutas, olerícolas, bebidas e óleos -, quer seja preparado em casa, ou industrializado, passa pela atuação direta ou supervisão de um engenheiro agrônomo, ou de profissionais correlatos.

Segundo o IBGE, a agropecuária registrou alta de 2,0% no PIB entre 2019 e 2020. Nesse período outros setores apresentaram queda, como a indústria (-3,5%) e os serviços (-4,5%).

Em relação ao PIB nacional, de R$ 7,45 trilhões em 2020, a agropecuária contribuiu com quase R$ 2 trilhões. Participação importante, porque estratégica.

O que faz

O engenheiro agrônomo é um profissional com formação superior, duração média de cinco anos, que atua em inúmeras áreas, como fitotecnia (grandes culturas, olericultura, fruticultura, florestas, paisagismo, genética e melhoramento de plantas), fitossanidade (pragas e doenças de plantas),  zootecnia (melhoramento e manejo de grandes e pequenos animais, alimentação e nutrição animal e manejo de rebanhos), solos (fertilidade, manejo e conservação), engenharia rural (construções rurais, barragens, irrigação e drenagem), meio ambiente, mecanização agrícola, economia e agronegócio,  agroindústria (de origem animal, vegetal, amiláceos, frutícolas e olerícolas) e biocombustíveis, dentre outras.

Esse profissional atua em centros de pesquisas públicos e privados; extensão rural; universidades; empresas rurais; fazendas; instituições governamentais de reforma agrária e de defesa vegetal; cooperativas; exportação; comercialização agrícola; produção de sementes; instituições bancárias; indústrias lácteas, cárnicas e outras do setor alimentício; usinas de açúcar e álcool; lojas de revendas de insumos agrícolas; escritórios de planejamento agrícola e como avaliadores e peritos judiciais e das partes, dentre outros.

 Formação

A formação acadêmica do engenheiro agrônomo, uma das mais ecléticas existentes no país, abrange disciplinas das áreas de Ciências Biológicas e de Ciências Exatas: Introdução à Agronomia; Cálculo Integral e Diferencial; Biologia Geral e Vegetal; Química Aplicada; Química Analítica; Química Agrícola; Física aplicada; Agroecologia e Gestão Ambiental; Zoologia Geral; Entomologia Agrícola; Desenho Técnico; Construções Rurais; Topografia; Metodologia da Pesquisa Científica; Fertilidade do Solo; Mecanização Agrícola;  Morfologia e Sistemática Vegetal; Microbiologia Agrícola; Hidráulica e Irrigação; Anatomia e Fisiologia Animal; Fisiologia Vegetal e Nutrição de Plantas; Zootecnia; Bioestatística; Experimentação Agrícola; Geotecnologias Aplicadas; Agrostologia e Nutrição Animal; Genética e Melhoramento; Economia e Comercialização Agrícola; Gestão do Projeto de Vida; Manejo e Conservação do Solo; Horticultura; Tecnologia de Produtos Agropecuários; Biotecnologia e Micropropagação Vegetal; Tecnologia de Produção de Sementes; Armazenamento; Avaliações e Perícias; Direito Agrário; Fruticultura; Silvicultura; Paisagismo, Floricultura, Parques e Jardins; Empreendedorismo; Gestão Rural, Agroindústria; Projetos; Sociologia; Extensão Rural; e Deontologia, dentre outras, variáveis de acordo com a instituição.

No Brasil

O ensino de agricultura no Brasil teve origem com a criação, no ano de 1875, da Escola Agrícola de São Bento das Lages, no interior da Bahia, hoje um curso de Agronomia vinculado à Universidade Federal da Bahia, campus Cruz das Almas.

A seguir, motivado pela necessidade de mão-de-obra qualificada pelo patriarcalismo agrário para a cultura do cafeeiro, fundaram-se sucessivas escolas agrícolas pelo país: Pelotas, RS (1883); Instituto Agronômico de Campinas – IAC (1887); Escola Politécnica (1894), em São Paulo, desativada em 1910; Escola Agrícola Prática São João da Montanha, em Piracicaba, SP (1900); Escola Agrícola Prática Luiz de Queiroz (1901), hoje Escola Superior de Agricultura

Luiz de Queiroz (Esalq); Escola Superior de Agricultura de Lavras, MG – ESAL (1908); Escola de Agricultura e Veterinária de Viçosa, MG (1922), transformada em 1940 na escola superior que hoje pertence à Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Em Goiás

Embora entre 1917 e 1934 Henrique Silva, Americano do Brasil e um grupo de jovens visionários propalassem as potencialidades da agropecuária goiana fora destes rincões, por intermédio da revista “Informação Goyana”, publicada no Rio de Janeiro, e da instalação, em Anápolis, do Campo Experimental do Café (1935), primeira iniciativa em pesquisa agrícola neste Estado, ainda se passaria uma década para as primeiras iniciativas de implementar o ensino agrícola superior em Goiás.

Ela se deu em 1946, por intermédio de Joaquim Machado de Araújo, interventor federal entre 22/10 e 05/12/1946, que alentou o sonho de uma Escola de Agronomia, elaborando estatuto, plano e programa para uma escola superior de agricultura em Goiás. Contou com o incentivo do Engenheiro Agrônomo e jornalista Joaquim Câmara Filho, através da imprensa.

Em 9 de Abril de 1953, o Estado de Goiás e o governo da União firmam acordo para a construção e a instalação da Escola Agrotécnica de Goiânia, em nível de 2º grau.

Motivado com tal perspectiva, em 03/12/1954, o governador de Goiás Jonas Ferreira Duarte promulga a Lei n° 1.012, decretada pela Assembleia Legislativa, que autoriza o Estado de Goiás a doar, na Fazenda Samambaia, em Goiânia, “duzentos e cinquenta (250) hectares ao Ministério da Agricultura para a construção e a instalação da Escola Agrotécnica de Goiânia, criada conforme acordo firmado entre o Governo da União e o Estado de Goiás, em data de nove de abril de 1953”.

No dia 22 de abril de 1957, o presidente Juscelino Kubitschek assina o decreto n° 45.866, onde autoriza o Serviço do Patrimônio da União a aceitar — do Estado de Goiás — a doação de terreno de 250 ha, na Fazenda Samambaia, para a implantação da Escola Agrotécnica de Goiânia, vinculada ao Ministério da Agricultura.

A EAV da UFG

O ano de 1960 seria capital para a criação de um curso de Agronomia em Goias. Através da Lei n° 3.836, de 14/12/1960 é criada a Universidade Federal de Goiás (UFG), com a incorporação da Faculdade de Direito (1898), Faculdade de Farmácia e Odontologia (1945), Escola de Engenharia (1954), Conservatório de Música (1955) e Faculdade de Medicina (1960).

Outro fato também contribuiu para que a Escola Agrotécnica de Goiânia não tivesse continuidade, apesar de ter sua construção iniciada e alguns prédios até concluídos: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 4.024, de 10/1961, desvincula o ensino de Ciências Agrárias do Ministério da Agricultura (MA), passando-o para o Ministério da Educação e Cultura (MEC).

Nesse ano, Colemar Natal e Silva (um dos criadores do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás –IHGG), primeiro reitor da UFG (1960-1964), promoveu o 1° Congresso Brasileiro de Agronomia e Veterinária, em Goiânia. No evento, relatou-se que Goiás, um Estado com grande potencial econômico no setor agropecuário, possuía apenas 48 Engenheiros Agrônomos e nove Médicos Veterinários.

A seguir, em 1962, o reitor constituiu grupo de trabalho para proceder estudos sobre a organização de uma Escola de Ciências Agrárias na UFG, composto pelos seguintes membros: engenheiros agrônomos Mário Arolla Romero, Manoel Passos de Castro e Mori Rocha Lima; e pelos médicos veterinários Raul Conde, Edson Pereira e Romildo Carvalho Coutinho.

Em 29 de março daquele ano o Grupo de Trabalho fez exposição de motivos ao reitor, relatando que Goiás possuía 62,3 milhões de hectares de área total, sendo que apenas 24,6 milhões eram ocupados por estabelecimentos agropastoris; que a carência de profissionais especializados (1 profissional para cada 1 mil propriedades) era um dos fatores que limitavam o aumento das produções e das produtividades agrícolas no estado; que havia em Goiás apenas 56 agrônomos, sendo necessário o aumento para 1.500 profissionais a fim de dar vazão às demandas dos produtores; e que o patrimônio e as benfeitorias da Escola Agrotécnica fossem o suporte para a criação da Escola de Agronomia.

Com base nesse levantamento, em 2 de abril de 1962, o reitor da UFG encaminha ao ministro de Estado da Agricultura, Armando Monteiro, o pedido da transferência do patrimônio da Escola Agrotécnica para a universidade, a fim de se implantar a Escola de Agronomia.

Em 30 de Janeiro de 1963, o Egrégio Conselho Universitário autoriza a criação dos cursos de Agronomia e de Veterinária, em caráter excepcional, enquanto se criava a instituição superior, que teria o nome de Escola de Agronomia e Veterinária (EAV). Em março deste ano foi realizado o primeiro vestibular e iniciadas as aulas das duas primeiras turmas, dos dois cursos. Foram diretores provisórios da EAV, neste ano, os professores Raul Conde, médico veterinário, e Hélio Hugo Lobo, engenheiro agrônomo.

A EAV só foi criada oficialmente através da Lei 5.139, de 14/10/1966, no ano em que a jovem instituição formava as suas primeiras turmas de engenheiros agrônomos e médicos veterinários.

 A Agronomia hoje

A Escola de Agronomia e Veterinária da UFG foi a primeira instituição superior de agricultura do Centro-Oeste. No início da década de 1960, a UFG realizou seus primeiros vestibulares para Agronomia e Veterinária, com estudantes vindos de outros Estados, mais precisamente de Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Maranhão, norte de Goiás, hoje Tocantins, e até do Nordeste. Houve até um ano em que o vestibular foi realizado em Cuiabá, com turma completada quase que 100% por mato-grossenses.

As primeiras turmas de professores da EAV/UFG vieram de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e de São Paulo, estados com tradição no ensino de Agronomia.

Os profissionais que formaram as primeiras levas de agrônomos da Acar-Goiás, Secretaria de Agricultura e Ministério da Agricultura também vieram desses Estados.

A década de 1970 traria boas novidades para o setor agrícola, como a fundação da Empresa Goiana de Pesquisa Agropecuária-Emgopa (1973) e do Goiás Rural (1975), no governo Leonino Caiado, e em âmbito nacional, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-Emprapa (1973). Essas empresas, que revolucionariam o conhecimento e as tecnologias agrícolas até então existentes para o Cerrado, usariam fartamente da mão de obra formada na EAV/UFG, e de outras mais especializadas — com mestrado e até doutorado —, vindas principalmente de Viçosa (MG) e da Esalq/USP.

Passados 50 anos dessa Revolução Verde no Cerrado, existe quase meia centena de faculdades de Agronomia no Centro Oeste. Apenas em Goiás, quase duas dezenas.

O curso de Veterinária se desmembrou da EAV (1981) que criou o Curso de Engenharia de Alimentos (1998) e de Engenharia Florestal, com o nome atual de Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos da UFG (EA/UFG).

Mais de cinco mil engenheiros agrônomos foram formados na Estrela do Cerrado, codinome da EA/UFG, desde a formação da primeira turma, em 1966.

Os programas de mestrado (1985) e doutorado (1993) em Agronomia, com três áreas de concentração, formaram centenas de mestres e doutores, responsáveis pela participação na pesquisa, ensino e extensão em todo o Brasil.

Passados 88 anos, a Agronomia brasileira e goiana encontra-se em um momento decisivo: a passagem dos modelos tradicional e agroquímico, para as agriculturas de precisão e sustentável. Cabe ao engenheiro agrônomo, em parte, definir os paradigmas desse novo tempo. Sua participação na transformação tecnológica da agricultura brasileira, com impacto na economia nacional, contudo, é inquestionável.

Nilson Jaime, engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Agronomia, é presidente da Sociedade Goiana de História da Agricultura (SGHA) e colaborador do Jornal Opção.