Procede que a imprensa está contra o governo de Bolsonaro?

11 agosto 2019 às 00h00
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Como Bolsonaro diz que vai fazer uma gestão honesta, uma mídia crítica poderá ajudá-lo a conter quem avalia que governo é uma máquina de produzir dinheiro não-republicano

A mídia brasileira às vezes é o sorriso do poder e a cárie da sociedade. Quando interessa, a turma do poder é “linda”. Quando se trata de esmagá-la, é “obtusa”. Jornalistas em geral acreditam que são livres e, por isso, professam a tese de que jornalismo é uma atividade “independente”, “imparcial” e “isenta”. Entretanto, quando o repórter ou comentarista — notadamente o comentarista — excede em relação àquilo que foi decidido pela empresa jornalística, que não é romântica, e sim um produto capitalista, pode ser demitido. Recentemente, o historiador Marco Antônio Villa, que nada tem de ingênuo, foi defenestrado da Rádio Jovem Pan. Na sequência, Carlos Andreazza pediu o boné. Os dois são críticos infatigáveis da esquerda, mas, com Jair Messias Bolsonaro na Presidência da República, decidiram criticar seus “excessos”. Aí, ante o quadro “novo”, produziu-se um “ruído” e prevaleceu não a liberdade de imprensa, o matizar de opiniões, e sim a liberdade de empresa. Assis Chateaubriand, o “rei do Brasil”, na feliz expressão de Fernando Morais, diria mais ou menos assim: “Quer pensar diferente de mim, do meu negócio, então que abra seu próprio jornal”.
Mas a imprensa, neste momento, é realmente contrária ao governo do presidente Jair Bolsonaro? Ou a mídia é, mais do que combatente, meramente crítica?
A imprensa brasileira acostumou-se a frequentar os cofres do poder público. Se a caixa forte permanece aberta, com fartura de recursos, a mídia tende a ser mais governista. Se não, costuma ser mais crítica. Bolsonaro fechou a caixa forte? As privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso reduziram, ao menos em parte, o financiamento estatal aos jornais e emissoras de televisão e rádio. Por isso, numa conversa particular, FHC estranhou o açodamento da mídia na defesa das privatizações. Porque, do estrito ponto de vista comercial, era uma espécie de haraquiri. O fato é que, com ou sem privatizações, os governos sempre foram generosos com meios de comunicação mais “simpáticos” às suas ações (ou falta delas). Os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, ambos do PT, combatiam a imprensa, chegaram a tentar controlá-la — por mecanismos institucionais (ante a pressão, desistiram) —, mas jamais deixaram de financiá-la. Bancaram blogs ideologizados tanto para apoiá-los quanto para atacar a dita “grande imprensa”, mas mantiveram as portas abertas para os “inimigos cordiais”.

Quanto ao governo de Bolsonaro, a mídia, notadamente jornais e revistas — uns mais, outros menos —, tem sido ácida. Um dos motivos é que o presidente anuncia menos e, até como vingança, permite que balanços de empresas sejam publicados de graça no Diário Oficial com o objetivo de enfraquecer veículos tradicionais, como o “Valor Econômico”, o excelente jornal de economia do Grupo Globo. Acabar com “cartórios” não é uma reivindicação da imprensa moderna?
Bolsonaro e a mídia habitam o mesmo espaço, o Brasil, mas parecem que estão em tempos históricos diferentes. A mídia se pretende avançada, conectada à modernidade — como quando faz a defesa do meio ambiente —, e o presidente deixa a impressão de ser brucutu, de estar, não adiante, mas num século diferente, talvez o do pré-Iluminismo do século 18. A rigor, Bolsonaro não nega a existência de problemas ambientais, mas quer redimensioná-los (e há cientistas que pensam parecido). Quem diz que há problemas na Amazônia — como desmatamento intenso e descontrolado — é apresentado como “mau brasileiro”. A mídia sugere, sem dizer exatamente assim, que, como há problemas na região, e exatamente de desmatamento acentuado, o mau brasileiro pode muito bem ser Jair Bolsonaro.
Recentemente, quando disse que o pai do presidente da OAB havia sido justiçado pelos próprios companheiros da Ação Popular (AP), supostamente por ter se tornado “delator”, Bolsonaro pode ter cometido um equívoco “culposo” ou “doloso”? Os fatos sugerem que o pai de Felipe Santa Cruz foi assassinado depois de preso, em 1974. Bolsonaro sabe disso? Certamente que sabe. Por que disse o contrário? Talvez para tentar “acuar” o “esquerdista” Santa Cruz — um de seus críticos frequentes (acabou de perder um contrato na Petrobrás, como retaliação — o que sugere que Bolsonaro confunde coisas de Estado com coisas de governo). Há a possibilidade de o presidente ter se equivocado? Por mais estranho que pareça, até porque um presidente recebe informações privilegiadas, pode sim. Montagens tentaram conectar o recém-falecido Carlos Eugênio Paz, o último comandante militar da Ação Libertadora Nacional, com o codinome de Clemente, ao assassinato de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira. Na verdade, Carlos Eugênio nunca negou que liderou o justiçamento de um companheiro de ALN, mas seu nome é Márcio Toledo Beck. O ex-guerrilheiro publicou a história em livro. Portanto, não é nenhum segredo de polichinelo.

A imprensa faz uma campanha para Eduardo Bolsonaro não ser embaixador dos Brasil nos Estados Unidos? O mais provável é que esteja recolhendo a opinião sensata da sociedade brasileira a respeito do assunto. Ser embaixador no país mais rico do mundo, aquele que, bem ou mal, decide a geopolítica internacional, não é para amadores — e Eduardo Bolsonaro não chega a ser o típico “amador interessado”. Na verdade, entende menos de política global, de negócios estratégicos — a China, por exemplo, é hoje o principal parceiro comercial do Brasil —, do que um primeiranista do curso de Relações Internacionais. Pode até ficar mais próximo do presidente Donald Trump, como uma espécie de cortesão, mas não entabulará negócios cruciais com o poderoso chefão do Império que, possivelmente, ruirá entre os séculos 21 e 22, sendo superado pelo Império chinês. Fica-se com a impressão, e talvez seja a impressão de parte da sociedade brasileira, e não só dos bem-pensantes — de esquerda ou de direita (a direita não deveria concordar com tudo que diz ou faz Bolsonaro, até para ajudá-lo nas travessias mais difíceis, e para as quais não tem a experiência e a formação adequadas) —, de que o presidente comporta-se, ao tentar enviar o filho para a metrópole, como o provinciano dos séculos 18 e 19 que enviava filhos para Coimbra, em Portugal, ou para a França. “Se posso mandar meu filho, para que fique na história, por que vou enviar um profissional?” — parece ser o pensamento do presidente.
Que a imprensa está sendo crítica, até mais crítica, é um fato. Mas o que há de ruim nisto? Como Bolsonaro diz que pretende fazer uma gestão honesta, sem reparos, é relevante, até crucial, ter uma mídia crítica e atenta, pois poderá ajudá-lo a conter aqueles que avaliam que qualquer governo é uma máquina de produzir dinheiro não-republicano para bolsos historicamente incansáveis. Um presidente hábil e decente aprecia o tipo de mídia que, longe de só elogiar, acossa. Porque é uma vigilância a mais. Nem o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo respeitável e sensato general Augusto Heleno, pode fazer tanto pela lisura da administração de Bolsonaro quanto uma imprensa de olhos abertos. Bolsonaro deveria dizer à “Folha de S. Paulo”, ao “Estadão”, ao “Globo” e à revista “Veja”: “Investiguem”. Depois, deveria acrescentar: “Obrigado”.
Uma mídia crítica não agrada todo mundo, porque o brasileiro acostumou-se a acompanhar, ao longo da história, uma imprensa domesticada, dócil — sempre à espera de fartas verbas públicas. Quanto mais “dependente” do mercado — que é atomizado, sem um centro único — e menos “dependente” do governo, cujo centro é único, mais a imprensa pode deixar de ser a cárie da sociedade e o sorriso do governo.
Uma resposta mais objetiva: a imprensa não é contra o governo de Bolsonaro e Bolsonaro talvez não seja contra a imprensa (apesar dos excessos verbais). Ambos são críticos. O que é bom para os dois e para a sociedade. Quando imprensa e governo se amam, a sociedade deprime-se. Quando não se amam, exulta. Uma imprensa crítica e perspicaz é vantajosa para governos-governantes que se pretendem realmente sérios e decentes.