Aimée Sotto Mayor foi eleita pela “Time”, em 1941, como uma das 3 mulheres mais elegantes do mundo, atrás apenas da duquesa de Windsor e de Barbara Cushing

Aimée Sotto Mayor Sá: a bela mulher que conquistou Getúlio Vargas | Foto: Reprodução
 Resenha publicada na edição de 18 a 24 de agosto de 2013

A biografia “Getúlio — Do Governo Provisório à Ditadura do Estado: 1930-1945” (Companhia das Letras, 595 páginas), do jornalista Lira Neto, chega às livrarias com grande aparato mercadológico. Chama a atenção dois pequenos textos, cravados na contracapa, dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. É como se representantes dos dois grupos políticos dominantes da cena política atual — FHC, espécie de ideólogo tucano, e Lula, tutor do governo da presidente Dilma Rousseff — estivessem legitimando a biografia. É como se tucanos e petistas “não” pudessem criticar o livro, embora não seja esta, é claro, a intenção do autor. É possível que o biógrafo, ou a editora, que queira apenas registrar a importância de Getúlio para os dias atuais. Não deixa de ser curioso que o tucano, nos seus dois governos, tenha tentado “desmontar” o Estado varguista e Lula, pelo contrário, tenha se posicionado como um continuador de Getúlio. Na orelha direita, busca-se a chancela acadêmica, de Maria Celina D’Araujo, uma pesquisadora universitária especializada no período de Vargas e na ditadura do pós-1964. O livro está, por assim dizer, “protegido”. Não precisava, pois é, disparada, a melhor e mais bem-escrita biografia do presidente que governou o país por mais tempo. Sem fazer apologia e sem fazer críticas excessivas, Lira Neto consegue apresentar um Getúlio contraditório e complexo. O político que governou como ditador, perseguindo e mandando prender adversários, foi o mesmo que contribuiu para modernizar o Estado e a economia privada. Ao mesmo tempo em que mostra o chamado lado “sério”, o do estadista, o getulólogo esmiúça sua vida privada, mais variada do que se costuma pensar.

Para contar os segredos de alcova de Getúlio, Lira Neto não precisou investigar muito — bastou consultar os diários do presidente, que registram meticulosamente, para a história, parte de sua vida afetiva extracasamento. Tudo indica que sua grande paixão não foi a mulher — Darcy Vargas —, e sim a paranaense Aimée Sotto Mayor Sá.

Aimée, a “Bien-Aimé” (a bem-amada), foi, segundo Lira Neto, “a amante mais assídua de Getúlio”. Em 1º de maio de 1931, o presidente anota no diário: “À tarde, uma visita agradável, interrupção de três anos e meio de vida regular”. O líder gaúcho sugere que estava havia mais de três anos sem trair sua mulher — o que significa também que Aimée não foi a primeira amante.

Em 1931, aos 24 anos, a paranaense Aimée era linda. “Era alta, morena, olhos verdes, modos refinados, dona de uma beleza estonteante”, registra Lira Neto. Mesmo sabendo que era noiva de seu oficial de gabinete, Luís Simões Lopes, Getúlio tornou-se seu amante. Segundo o presidente, a Bien-Aimé era “a luz balsâmica e compensadora dos meus dias atribulados”. Sutil, ele saía escondido do Palácio Catete para encontrá-la. “Chovia, e fiz uma escapada agradável.”

Aimée Sotto Mayor Sá com Getúlio Vargas e Alzira Vargas, em Minas Gerais: o presidente não conseguia disfarçar sua paixão pela paranaense | Foto: Reprodução

O caso continuava em 1934 e os encontros entre Aimée e Getúlio se tornaram “cada vez mais assíduos”. Depois de uma festa no Palácio Guanabara, o presidente escreveu no diário: “À noite, recepção e baile. Mas a outra, que veio, era a mais bela flor da festa. Estava elegantíssima”.

Em 1936, com Darcy na Europa, sobrou tempo para novos encontros com Aimée. “Terminado o expediente, saí à tardinha para um encontro longamente desejado”, anotou Getúlio. “Um homem no declínio da vida sente-se num acontecimento destes como banhado por um raio de sol, despertando energias novas e uma confiança maior para enfrentar o que está por vir. Será que o destino, pela mão de Deus, não me reservará um castigo pela ventura deste dia?”, escreve o presidente no diário.

Lira Neto conta a história maior, a batalha de Getúlio para manter o poder, a guerra civil de São Paulo, a convocação da Constituinte, e interpõe a história da vida privada. Sobretudo, fica evidente que o caso com Aimée não piorou nem melhorou o governo. Aliás, talvez tenha melhorado — dada a vitalidade do presidente. Um dia antes de completar 55 anos, o líder político escreveu no diário: “Uma ocorrência sentimental de transbordante surpresa e alegria”.

Baixo e gordinho, Getúlio começou a praticar natação e a tomar banhos de mar. Estava apaixonado. No Palácio Guanabara decidiu, certa noite, assistir ao filme “Romeu e Julieta”, de George Cukor. A história, lógico, versa sobre um amor proibido.

O caso de Getúlio e Aimée cada vez mais se tornava público e suas escapadas vespertinas não eram mais segredo. Darcy estrilou. O diário merece um apontamento: “Cena doméstica de ciúmes, porque saí à tarde”.

Aimée Sotto Mayor com Alzira Vargas, filha de Getúlio Vargas, era uma das mulheres mais bonitas de seu tempo | Foto: Reprodução

Quando demorava um pouco para se encontrar com Aimée, o humor do presidente mudava: “Um pouco de inquietação íntima e irritabilidade reprimida por fatos que não afetam o interesse público”. Em seguida, após uma visita à alcova secreta, surgia um novo Getúlio: “Fiz um passeio, dissipou-se a irritabilidade que me oprimia”. O marido de Aimée, Luís Simões Lopes, foi promovido para a presidência do Conselho Federal de Serviço Público Civil. “Renova-se a aventura, beirando o risco de vida, que vale a pena corrê-lo”, escreve Getúlio no diário. “Após os despachos, fui ao encontro de uma criatura que, de tempos para esta parte, está sendo o encanto de toda a minha vida.”

Em 9 de novembro de 1937, pouco antes do início do Estado Novo, “Getúlio passou boa parte da tarde entregue aos braços de Aimée”, conta Lira Neto.

As escapadelas de Getúlio só eram possíveis porque ele contava com a ajuda de Iedo Fiúza, diretor-geral do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). “Era ele quem servia de motorista para os encontros amorosos do presidente da República com a bela Aimée.” A garçonnière era chamada de “ninho do amor” pelo político gaúcho.

Ao descobrir que a mulher o traía, Simões Lopes escreveu uma carta para Getúlio, mas sem dizer que sabia quem era o amante. Como quase todo mundo que importava sabia, é possível que ele também soubesse. Apontado como competente, Simões Lopes foi indicado por Getúlio para presidente do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp)

Ao descobrir que a mulher o traía, Simões Lopes escreveu uma carta para Getúlio, mas sem dizer que sabia quem era o amante. Como quase todo mundo que importava sabia, é possível que ele também soubesse. Apontado como competente, Simões Lopes foi indicado por Getúlio para presidente do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp).

Getúlio Vargas jogando golfe | Foto: reprodução

Simões Lopes e Aimée se separaram, e o caso dela com Getúlio continuou. No diário, talvez seu único “amigo”, o presidente desabafou: “Estou inquieto, perturbado com a presença daquela que me despertou um sentimento mais forte do que eu poderia esperar. O local, a vigilância, as tentações que a rodeiam e assediam não permitem falar-lhe, esclarecer situações equívocas e perturbadoras. Amanhã, talvez, um passo arriscado ou uma decepção. O caminho se bifurca — posso ser forçado a uma atitude inconveniente”.

Depois de um novo encontro, Getúlio esqueceu-se imediatamente das precauções: “O encontro realizou-se, a inquietação passou. A bondade divina não me abandonou. Amanhã deverei novamente enfrentar o risco que a força incoercível de um sentimento me inspira”. Os amantes foram ficando mais ousados: “Levanto-me cedo e vou a rendez-vous previamente combinado. O encontro deu-se em plena floresta, à margem de uma estrada. Para que um homem de minha idade e da minha posição corresse esse risco, seria preciso que um sentimento muito forte o impelisse. E assim aconteceu. Tudo correu bem. Regressei feliz e satisfeito, sentindo que ela valia esse risco — e até maiores”.

Adalgisa Nery, poeta: suposta amante de Getúlio Vargas | Foto: Reprodução

O presidente Getúlio Vargas ficou doente. Culpou “o excesso de fumo e café”, mas era, na verdade, a ausência de Aimée que o deixava sem sono e irritado. Voltou ao “ninho de amor”, em busca talvez do cheiro da amada. “Não resistia à tentação, pegava o telefone e ligava para Paris, na tentativa de mitigar as saudades e de receber notícias da ex-amante

O affair está ficando explosivo e um amigo ligou para Getúlio e disse que até Oswaldo Aranha estava preocupado com o adultério; na prática, mais com a reputação do político. O presidente não gostou, pois o próprio Aranha, casado, havia engravidado a cantora lírica Iolanda Norris. No diário, como querendo perdoar sua traição, relatou que Walder Sarmanho, irmão de Darcy, era traído pela mulher.

Certa feita, depois de um sumiço mais longo, Darcy ficou irritada com Getúlio. O diário ganhou mais um trecho: “Paixão alucinante e absorvente. Sinto que isso não pode durar muito. Este segredo tem no seu bojo uma ameaça de temporal que pode desabar a cada instante”.

Entretanto, para a tristeza de Getúlio, a desquitada Aimée informou-o que estava de partida para Paris. Depois, mudou-se para os Estados Unidos. “Lá se casaria com o milionário Rodman Arturo de Heeren, herdeiro das lojas de departamentos Wanamaker. A sra. Aimée de Heeren, dona de mansões em Biarritz, Palm Beach, Nova York e Paris, seria eleita pela ‘Time’, em 1941, uma das três mulheres mais elegantes e mais bem vestidas do mundo, atrás apenas de Wallis Simpson, a duquesa de Windsor, e de Barbara Cushing, editora de moda da ‘Vogue’ norte-americana”, conta Lira Neto.

Getúlio ficou doente. Culpou “o excesso de fumo e café”, mas era, na verdade, a ausência de Aimée que o deixava sem sono e irritado. Voltou ao “ninho de amor”, em busca talvez do cheiro da amada. “Não resistia à tentação, pegava o telefone e ligava para Paris, na tentativa de mitigar as saudades e de receber notícias da ex-amante, para quem remeteu dinheiro nas primeiras semanas após a despedida. A imagem de um homem sozinho, sentindo-se abandonado diante de uma cama vazia, transparece em vários momentos das anotações do diário de Getúlio ao longo de todo o segundo semestre de 1938. O vácuo sentimental deixado por Aimée demoraria a ser preenchido, apesar das muitas tentativas em contrário”, relata Lira Neto. “Após as audiências, retiro-me e vou a uma visita galante. Saio um tanto decepcionado. Não tem o mesmo encanto. Foi-se o meu amor, e nada se lhe pode aproximar”, confidencia Getúlio.

Aimée parece ter sido a grande paixão de Getúlio. Lira Neto diz que, depois de saída do Brasil, o presidente não fez mais registros sobre conquistas amorosas no diário. “De onde se presume que não tenha se fixado em uma única companhia, e sim preferido alternar paixões mais ocasionais e fugazes”, sugere o biógrafo.

Assim como a vedete Virgínia Lane, que não é destacada por Lira Neto, a poeta Adalgisa Nery aparece na cota das conquistas de Getúlio. Mulher bonita e inteligente, teria mesmerizado, além do presidente, o poeta Murilo Mendes. Relacionava-se intelectualmente com Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego e Graciliano Ramos. O repórter Armando Pacheco encheu-se de coragem e perguntou a Getúlio se tinha ou tivera um romance com Adalgisa. O presidente contestou: “Não. Isso, com certeza, deve ser gabolice do Lourival”. Trata-se do chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), Lourival Fontes, marido da escritora.

Resta concluir que o amor, adúltero ou não, faz muito bem aos seres humanos. Apesar de a ditadura do Estado Novo (antes de 1937, havia praticamente uma ditadura) ter sido um horror, com perseguições cruentas, e instituições a serviço do Poder Executivo, não da sociedade, Getúlio foi mesmo um grande presidente. Talvez tenha sido, ao lado de Juscelino Kubitschek, o mais importante presidente da história do Brasil. O livro de Lira Neto recupera, com brilho, este homem estranho e enigmático, de múltiplas faces, e profundamente focado na defesa do crescimento e do desenvolvimento do país. Nos raros momentos de folga, amava belas mulheres, lia livros de vários autores e via alguns filmes.

Getúlio matou-se em 25 de agosto de 1954 — aos 72 anos — para não entregar o poder aos golpistas e, quem sabe, para se livrar dos “amigos” que “sujavam” os bastidores do Catete. Aimée morreu, aos 104 anos, em 2006.